Crise climática e direitos dos atingidos será tema de seminário nos dias 5 e 6 de maio em Porto Alegre

Desde maio de 2024 o Rio Grande do Sul vive as consequências da maior tragédia climática da história do estado e uma das maiores do Brasil. As enchentes que afetaram mais de 113 mil moradias deixaram inúmeras consequências e, entre as mais graves, os impactos na saúde mental dos atingidos e a crise habitacional.

Com o objetivo de debater esta realidade, e alertar para a responsabilidade do Estado na busca de medidas concretas de reparação, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) promovem o seminário “Crise Climática e Direitos dos Atingidos: os desafios da reconstrução com justiça socioambiental e participação popular”.

O evento, nos dias 5 e 6 de maio, contará com a participação da Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Redesca) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O Relator Especial Javier Palummo visitou o Rio Grande do Sul em dezembro do ano passado e agora retorna para apresentar recomendações que assegurem uma resposta eficaz por parte do governo brasileiro às emergências climáticas.

O relator explica que entre os principais destaques do relatório a ser apresentado “está a constatação dos impactos severos e generalizados sobre os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, com efeitos desproporcionais sobre grupos em situação de maior vulnerabilidade, como mulheres, crianças, povos indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, população LGBTQIA+, migrantes e trabalhadores informais”.

Palummo lembra que durante a visita foram identificados os “limites estruturais e institucionais da resposta estatal”. Ele destaca que embora tenham havido ações rápidas em alguns aspectos, foram observadas falhas relevantes nos sistemas de monitoramento e alerta, ausência de infraestrutura resiliente, fragilidades no planejamento urbano e retrocessos na legislação ambiental. “Esses fatores agravaram os impactos das enchentes e revelaram uma fragilidade institucional diante da intensificação da crise climática”, pontua o relator.

Diante das diversas dificuldades que têm vivido os atingidos pela enchente, ele ainda aponta que o processo de reparação deve ser integral e orientado por uma abordagem atenta aos direitos humanos. “Isso significa garantir o acesso à moradia digna, à saúde, à alimentação, à educação e ao trabalho para todas as pessoas afetadas, com atenção prioritária aos grupos que enfrentam múltiplas vulnerabilidades. Também é fundamental avançar na titulação de terras quilombolas, na reforma agrária e na demarcação de terras indígenas, reconhecendo a centralidade desses territórios para a justiça climática e a soberania alimentar”, alerta Javier.

A crise na moradia a partir das enchentes é uma das maiores preocupações do MAB neste momento. Em abril e maio de 2024, mais de 100 mil casas foram destruídas, segundo a Confederação Nacional dos Municípios. O cenário se torna ainda mais dramático ao analisarmos o processo de reparação: o governo federal prevê a construção e compra de 20 mil casas e tem recursos destinados até agora para 17,5 mil moradias. Entretanto, durante este ano somente 1,5 mil casas foram compradas pelo programa Minha Casa, Minha Vida e outras 9.366 moradias estão aprovadas. Pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul, está aprovada a construção de 422 residências.

“Milhares de famílias nem sequer foram reconhecidas como atingidas. Nem sequer as casas temporárias foram todas instaladas”, destaca Alexania Rossato – Foto: Francisco Proner/MAB

Os dados acima apontam um primeiro déficit elevado entre o número de residências atingidas – 100 mil – e a expectativa de compra e construção de novas casas, de 20 mil. Além disso, outra diferença está entre este número de residências planejadas e as 11.288 já encaminhadas. Ainda são necessárias 8.712 moradias para chegar à meta prometida, além de uma busca ativa entre os outros 80 mil endereços para compreender a necessidade desta população e reconhecê-la como atingida.

A integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Alexania Rossato, que atua junto aos atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul desde 2023, afirma que catástrofes como essas evidenciam a importância da presença forte do Estado na prevenção e reparação dos territórios afetados pelos extremos climáticos.

“Os investimentos feitos até agora são altos, o que é importante, mas os principais problemas das famílias atingidas não foram resolvidos, porque, aparentemente, não são uma prioridade dos organismos de Estado. Estamos chegando a maio de 2025 e a demanda mais urgente no pós-catástrofe, que é a questão da moradia, está longe de ter uma solução adequada e definitiva”, destaca a coordenadora.

Ela explica que, para o MAB, a prioridade deveria ser a construção de reassentamentos em áreas seguras, que garantam a manutenção dos vínculos comunitários e a construção das casas. “Mas milhares de famílias nem sequer foram reconhecidas como atingidas. Nem sequer as casas temporárias foram todas instaladas”, lembra.

Por isso, o movimento tem cobrado do poder público não apenas a compra de casas de forma isolada, “mas a reconstrução das comunidades, de bairros inteiros, com sistemas de proteção e toda a infraestrutura necessária para a retomada da vida – como equipamentos de saúde e educação, por exemplo. Também defendemos o reconhecimento pleno de todas as famílias atingidas, as reformas das moradias e estruturas comunitárias danificadas e a desburocratização do acesso aos programas de moradia”.

A pauta do seminário prevê, além das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Estado brasileiro, um debate sobre a realidade dos atingidos e o papel do Estado na reconstrução, os desafios da ciência para enfrentar a crise climática e o papel do campo jurídico no desastre climático.

Local do evento:
Dia 5 de maio, 14 horas: Procuradoria Regional da República da 4ª Região – MPF
(Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 800)

Dia 6 de maio, 10h e 14h: Pantheon da Faculdade de Direito da Ufrgs
(Av. João Pessoa nº 80 – 2º andar)

Programação do seminário:

5 de maio

14h – Abertura:
Pedro Costa Vice – Vice-Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Dr. Paulo Leivas – Ministério Público Federal
Dr. Enrico de Freitas – Ministério Público Federal

14h30 – Mesa 1: As recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Estado Brasileiro
Javier Palummo – Relator Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Redesca)
Alexania Rossato – Coordenação do MAB e vice-presidenta do Conselho Estadual de Direitos Humanos

16h30 – Mesa 2: A realidade dos atingidos e o papel do Estado na reconstrução
Fala dos Atingidos (Sarandi, Ilhas, Canoas, Vale do Taquari, Fronteira)
Dr. Fabiano de Moraes – Ministério Público Federal
Maneco Hassen – Secretário para Apoio à Reconstrução do RS (governo federal)
Governo do Estado do RS
Pepe Vargas – Presidente da ALRS

6 de maio

10h – Mesa 3: Desafios da ciência para enfrentar a crise climática. O que fazer?
Vice-presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS) da Fiocruz
Dra. Lorena Cândido Fleury – PGDR/Ufrgs
Gilberto Carlos Cervinski – Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

14h – Mesa 4: O papel do campo jurídico no desastre climático
Javier Palummo – Relator Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
Dra. Claudia Lima Marques – Observatório das Enchentes
Dra. Flávia Rigo Nobrega – Ministério Público Federal
Betina Figueira – Serviço de Assistência Jurídica Universitária (Saju)

* Comunicação MAB

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