A ciência não é um trabalho mágico ou isolado. Ela é feita de dedicação, esforço físico e mental: horas em laboratórios, coleta de dados, debates, revisões infinitas. É um trabalho coletivo, muitas vezes repetitivo e cansativo — como qualquer outro. Quem já entrou na “cozinha” da ciência sabe: ela é trabalho, que produz conhecimento, seja para salvar vidas, para resolver problemas ou simplesmente para nos fazer entender o mundo.
Quem faz a ciência no Brasil?
A ciência brasileira é produzida principalmente em instituições públicas:
- 181.657 professores universitários em universidades federais e estaduais e institutos federais (Censo da Educação Superior/INEP, 2023).
- 179.861 técnicos-administrativos nas universidades federais e estaduais e institutos federais (Censo da Educação Superior/INEP, 2023).
- 319.973 estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado), responsáveis por grande parte da pesquisa experimental (CAPES, 2023).
- Além das universidades, cientistas também trabalham em instituições públicas como Embrapa, Fiocruz, Instituto Butantan e INPE.
Juntos, esses trabalhadores formam o coração da produção científica nacional. São eles que criam vacinas, combatem doenças, monitoram o meio ambiente e desenvolvem tecnologias.
Mas por que muitos ainda não veem cientistas como trabalhadores? Essa percepção vem de longa data. O trabalho intelectual sempre foi valorizado, mas como a ciência se tornou um alicerce fundamental do capitalismo, esta separação se potencializou. Cientistas foram colocados em um pedestal, como se seu trabalho fosse “superior” ao de quem planta, constrói ou cuida. Isso distanciou cientistas da identidade de classe trabalhadora.
O neoliberalismo aprofundou esse cenário. Governos e empresas agora exigem, mais do que nunca, que a ciência seja “útil” para o mercado, priorizando lucro em vez de conhecimento “básico”. Recursos migraram para indústrias e startups, enquanto universidades públicas ficaram abandonadas. Pesquisadores viraram “empreendedores”, pressionados a produzir mais, mais rápido, para gerar patentes e negócios. A máxima “publicar ou perecer” domina: qualidade é menos importante que quantidade.
E os custos dessa pressão? Sobrecarga, salários baixos, cortes de verba e precarização. Cientistas, pesquisadores e professores universitários viraram empreendedores da própria carreira, competindo individualmente, com a saúde mental cada vez mais deteriorada, e sem olhar para os colegas que sustentam esse sistema.
Solidariedade é urgente
Cientistas precisam assumir seu lugar na classe trabalhadora. Não somos “gênios solitários”, mas parte de uma comunidade produtora de conhecimento. A união entre professores, técnicos, pesquisadores e estudantes é essencial para enfrentar cortes de verbas, salários congelados e a privatização das universidades.
O caso dos estudantes de pós-graduação é o mais escancarado. Mestrandos e doutorandos são, na prática, pesquisadores em formação — trabalhadores da ciência que sustentam laboratórios e projetos.
Enquanto em outros países doutorandos têm contratos com direitos básicos (férias, décimo terceiro, previdência), no Brasil as bolsas ainda são precárias: valores baixos, oferta insuficiente e nenhuma garantia legal. Pior: é um trabalho invisível, sem reconhecimento da sociedade.
No 1º de Maio, a mensagem é clara: é hora de derrubar muros e construir pontes: a ciência só fará sentido se caminhar junto com os trabalhadores, na construção de um mundo mais justo, humano e igual.
Marcelo Pereira é técnico-administrativo da UFMG e doutorando em Sociologia.
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Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato