Neste 1º de Maio, questiono: quem ampara a classe trabalhadora em tempos de desastres climáticos?

Escrevo este texto em homenagem aos milhões de trabalhadoras e trabalhadores que, há um ano, lutam para reconstruir suas vidas após as enchentes que assolaram o estado do Rio Grande do Sul.

Sou filha de trabalhadores. Cresci vendo meus pais saírem de casa antes do amanhecer e retornarem apenas à noite, enfrentando ônibus lotados e jornadas exaustivas, com o objetivo de garantir uma vida mais digna para nossa família. Em maio de 2024, presenciei, com dor, todo esse esforço ser submerso pelas águas. Cada móvel, eletrodoméstico, cada canto da nossa casa que continha a memória de uma conquista fruto do trabalho árduo foi devastado com a chegada da enchente.

Como filha de trabalhadores atingidos pela enchente e repórter do Brasil de Fato RS, me comprometi a acompanhar de perto e a trazer visibilidade à trajetória das famílias atingidas, documentando os desafios enfrentados na busca por um recomeço. No ápice do desastre, presenciei o desespero de quem tentava acessar benefícios emergenciais (Com 180 mil pessoas atingidas pela enchente, Canoas tem atendimento do Cras interrompido). Depois, vieram os abrigos – espaços que deveriam oferecer acolhimento, mas onde encontrei relatos de violência, desesperança e descaso (Enchentes no RS: funcionários e beneficiários denunciam violência em centros de acolhimento).

Entre os trabalhadores atingidos, está Milene Bertol, mãe solo que há um ano vive com os três filhos em abrigos no município de Canoas (Oito meses de tragédia, oito abrigos atravessados e zero garantia de moradia: o drama de Milene Bertol após as enchentes de maio de 2024). A casa prometida pelo governo do estado ainda não chegou. O que era provisório se tornou rotina. O lar, que deveria ser um direito, segue sendo apenas uma esperança (Atingidos pelas enchentes de 2024 seguem em abrigos mesmo com casas provisórias construídas).  

O desastre tornou ainda mais evidente a desvalorização do trabalhador, cujos anos de contribuição e dedicação diária tiveram como retorno a omissão e negligência por parte do Estado. Ao longo desse um ano, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul falhou em oferecer o suporte necessário para trabalhadores que desempenham um papel crucial na construção e manutenção dos mais de 400 municípios afetados, expondo a fragilidade das políticas públicas e a indiferença com aqueles que mais contribuem para o desenvolvimento da sociedade.

As violações aos direitos trabalhistas não são novas – escala 10×1, condições análogas à escravidão –, mas agora se agravam diante de uma nova realidade: a da Era dos Desastres. As violações trabalhistas decorrentes do desastre das enchentes de maio representaram 29,5% das denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) em maio no estado. Das 203 denúncias registradas, 60 estavam relacionadas ao comparecimento forçado ou à permanência de empregados em áreas inundadas. A maioria dos casos (83,3%) ocorreu na Região Metropolitana de Porto Alegre. Muitos trabalhadores foram forçados a escolher entre perder o emprego ou arriscar a própria vida.

Já em fevereiro de 2025, as ondas de calor extremo que atingiu o estado reacenderam o debate sobre os direitos de quem trabalha ao ar livre. Garis, entregadores, operários da construção civil – todos enfrentaram jornadas sob temperaturas insuportáveis, sem pausas, sem garantias, sem sombra. A ebulição global deixou de ser projeção futura. Já podemos senti-la no presente.

Diante desses casos, emergem as perguntas: Quem ampara os trabalhadores em tempos de desastre? Nossa legislação está preparada para os desafios impostos pelas mudanças climáticas? Enquanto aguardo por essas respostas, deixo aqui minha solidariedade a todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores que perderam os seus bens, suas casas e os seus vínculos comunitários. Aos que seguem esperando por uma moradia prometida. E também aos que continuam trabalhando sob condições precárias, mesmo diante da falta de amparo público. 

No próximo sábado, fatídico 3 de maio, haverá um grande ato com moradores de Canoas atingidos pelas enchentes. O encontro será no Parque Eduardo Gomes, às 16h. As reivindicações? Moradia digna para as famílias atingidas, obras de reconstrução nos diques, transparência na aplicação dos recursos e um plano de contingência para enfrentar novos desastres. 

Que este Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora seja um convite à reflexão e à ação, um grito por mais garantias, mais proteção e mais justiça para a classe trabalhadora, que, com suas mãos calejadas e suor derramado, fazem o mundo funcionar.

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