Exploração sem limites: como a lógica neoliberal une precarização do trabalho e destruição ambiental no Sul Global

Em um primeiro olhar, parece distante falar de crise climática no contexto de comemorações do Dia do Trabalhador e da Trabalhadora, mas os assuntos são umbilicalmente conectados – sendo inclusive simbólico tratar deles em ano de COP 30 no Brasil.

Não é à toa que a ascensão de Donald Trump à presidência dos EUA tenha sido acompanhada da retirada do país do Tratado de Paris, através do qual convergem mais de 200 países para a adoção de medidas de limitação do aquecimento global. A decisão nada mais é do que um recado para a indústria norte-americana – e para o mundo – de que os EUA perseguirão a lógica de produção voraz, a essa altura verdadeiramente autofágica.

Porém, antes que os efeitos climáticos desta política econômica sejam sentidos pelo Norte Global, que implementa medidas de mitigação para os seus, são os trabalhadores e as trabalhadoras do Sul Global, e especialmente aqueles segmentos mais vulnerabilizados, os primeiros a sofrer as consequências. Justamente por isso dediquei, no começo desse ano, um canal da Comissão de Trabalho, Seguridade Social e Legislação Social da Alerj especificamente para receber denúncias da classe trabalhadora quanto aos impactos da emergência climática no ambiente do trabalho.

O resultado não poderia ser outro: uma enxurrada de denúncias que apontavam a insalubridade climática, com ambientes apresentando temperaturas muito acima do considerado saudável para a população, despidos de ventilação ou acesso facilitado à água. Quanto aos trabalhadores braçais e em ambientes externos, nenhuma medida para a redução do impacto do clima, como a modificação do turno da jornada, a distribuição de protetor solar e bonés ou, uma vez mais, a distribuição de água.

As denúncias não se resumiram ao clima. Como se redigissem este artigo, apresentaram reivindicações contra a escala 6×1, pela redução da jornada de trabalho, pela aprovação do piso salarial, pelo desabastecimento de água em extensos territórios do Rio de Janeiro, temas que, embora aparentemente dissociados, têm um fundamento único: todos são consequência da contradição entre capital e trabalho.

Nunca foi sobre valores, sempre foi sobre lucro

A ascensão da extrema direita ao comando dos países do Norte Global, com reflexos quase que imediatos na América Latina e, especialmente, no Brasil, tem um objetivo claro: a manutenção da hegemonia imperialista em detrimento dos interesses nacionais e da classe trabalhadora.

Sob o véu da suposta defesa do que se diz ser tradicional, a rigor esse movimento nunca foi sobre valores; sempre foi sobre lucro e, consequentemente, pela maximização da mais-valia e pelo aprofundamento da exploração da força de trabalho, com efeitos deletérios sobre a vida, a segurança e a saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores. A discussão sobre os supostos valores tradicionais nada mais é do que um mecanismo de alienação, que nos venda os olhos e nos impede de observar que as crises, umas reais e outras fabricadas, servem a um único senhor: o mercado.

A sanha exploratória desse modelo político-econômico que visa apenas ao lucro e que afeta o clima de modo a nos aproximar do ponto de não-retorno é a mesma que produz a desregulamentação do trabalho em nível mundial pela uberização alienante das relações de trabalho, através da qual se busca convencer o trabalhador de que ele não tem chefe, de que ele é empresário de si mesmo, apagando da equação que o chefe é, de fato, aquele que detém os meios de produção — ou melhor, a tecnologia desse tempo histórico: os aplicativos. Aliás, a associação entre Trump e Elon Musk não é mera coincidência.

Do 6×1 ao 4×3

É nesse sentido que também se associa a reivindicação pela redução da jornada de trabalho, marcada na luta contra a escala 6×1 e, principalmente, em favor da escala 4×3, já vigente em países europeus e que no Brasil é um tabu indiscutível, sob pena de os noticiários começarem a dizer que a medida vai “quebrar a economia”. A desregulamentação do trabalho, tratada como uma novidade bem-vinda, serve apenas à garantia do que já se observa alastrado país afora: longas jornadas dos motoristas e entregadores sem contrapartida financeira, pausas e férias não remuneradas, inexistência de descanso dos trabalhadores do comércio. A lista é infinda.

A tudo isso se soma, especificamente no Rio de Janeiro, a defasagem salarial e a reiterada negativa do Governador do Estado de reajustar o piso salarial, dando consequência prática àquelas metas indicadas no início desse texto: o aumento do lucro a qualquer preço, independentemente de qualquer valor “tradicional”. E, com a privatização da Cedae, se não conseguem nos matar de calor, matam-nos de sede.

Essas são as condições em que nos encontramos e que demandam a nossa urgente organização. De fato, não há mudança natural das relações de trabalho que favoreçam aos trabalhadores; assim, em tempo de desregulamentação do trabalho, é efetivamente revolucionário lutar por direitos.

Viva a classe trabalhadora!

*Dani Balbi é professora, roteirista e deputada estadual pelo PCdoB do Rio de Janeiro.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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