1º de Maio no RS: jornada justa e um país menos desigual mobilizam Dia do Trabalhador e Trabalhadora

“Quantas horas trabalha? Que horas você vai dormir? O senhor vai no cinema? O que o senhor faz nos finais de semana?” As perguntas feitas pelo personagem Calunga, interpretado por Antônio Pitanga no filme A Grande Cidade (1966), ecoaram neste 1º de maio em diversas manifestações pelo Brasil. No Rio Grande do Sul, trabalhadores e trabalhadoras foram às ruas de Porto Alegre, Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas e Tramandaí, com pautas que reforçam a centralidade da vida e o direito ao descanso na luta por dignidade.

Na capital gaúcha, após o hiato causado pelas enchentes que devastaram o estado em 2024, o ato voltou a acontecer presencialmente, reunindo centrais sindicais e movimentos sociais populares na Casa do Gaúcho. O evento contou com atrações artísticas e também a presença de parlamentares gaúchos.

Entre as principais pautas estiveram a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, o fim da escala 6×1, a taxação dos super-ricos, a valorização do serviço público, a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil, o combate ao feminicídio e a luta contra a privatização de serviços essenciais como saúde, educação e água.

“A data é fundamental para que a classe trabalhadora entenda o significado desse dia. Estarmos aqui regatando a unidade da classe trabalhadora em torno das principais pautas, principalmente em tempos como o que estamos vivendo, de ataques não só aos nossos direitos, mas, sobretudo, aos direitos, à democracia, o avanço da extrema direita, é fundamental”, ressaltou o presidente do Sindicaixa, Érico Corrêa.

Na mesma linha, o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil do Rio Grande do Sul (CTB-RS), Guiomar Vidor, enalteceu a unidade das centrais sindicais e dos movimentos sociais. “Representa o espírito de força e de luta da classe trabalhadora para que a gente possa conquistar ali na frente novos avanços nas relações de trabalho e no campo da vida social, e também na defesa da democracia. Somos contra a concessão da anistia para aqueles que, mais uma vez, aviltaram, e tentaram rasgaram a nossa Constituição na tentativa de golpe”.

Entre as pautas reivindicatórias, evento teve musicais – Foto: Jorge Leão

Pela Vida das mulheres, juventude, solidariedade e educação

Integrante da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Amelinha da Silva, pontuou sobre a marcha realizada pelo movimento nos últimos 17 dias, em defesa da reforma agrária, momento em houve a escalada de feminicídios no estado. “Durante a marcha nos surpreendemos, enquanto militantes mulheres do MST, com o grande número de feminicídios que aconteceram bem durante os cinco dias de marcha. Isso é muito triste para a sociedade brasileira, saber que mulheres foram mortas pelos seus próprios companheiros, em suas casas. Estamos muito tristes com essa realidade, mas em vez de nos calar, a gente pensa assim, por elas não um minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta”.

Além de pontuar sobre a luta pela reforma agrária, dirigente do MST também refletiu sobre a violência de gênero – Foto: Jorge Leão

Conforme apontou a integrante do Levante Popular da Juventude, Mariana Dambroz, no debate da escala 6X1, é preciso lembrar que, no caso das mulheres, ela se torna 7×0, por conta do trabalho doméstico. Dambroz lembrou o trabalho de solidariedade realizado durante as enchentes, destacando a atuação das cozinhas solidárias,que fomentam uma outra forma de organização nos territórios, que padecem de assistência,e de plano de contingência. “Estamos vendo doenças como a dengue aumentando. São coisas que afetam a qualidade de vida dos trabalhadores, e é importante que consigamos estar organizados para enfrentar a guerra contra o capital”. Também destacou a importância da juventude em se somar na luta de direitos das centrais sindicais.

Édson Garcia, da direção do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul – Sindicato (Cpers), destacou os 80 anos da entidade e as bandeiras de luta da categoria por espaços democráticos, por anti-machismo, anti-feminicídio, anti-racismo, anti-LGBTQIAfobia. “São pautas estruturantes e que fazem diferença na educação não só para os nossos alunos e alunas das escolas públicas, mas também para a classe trabalhadores e trabalhadoras da educação, que nos últimos anos, com o governo de Eduardo Leite (PSDB), que não investe, promove, não realiza concurso público, para a educação”.

Ato em Porto Alegre contou com a presença de figuras políticas gaúchas – Foto: Jorge Leão

Valorização do trabalho, jornada justa e um país menos desigual

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (Cut-RS), Amarildo Cenci, enfatizou a importância de distribuir a riqueza produzida no país e ter melhores condições de vida. “Nós queremos que os super-ricos, os bilionários, paguem impostos e se isente a população brasileira que ganha menos, que é quem sustenta e pagam impostos nesse país. Queremos que a taxa Selic de juros que estorquem a dívida pública e a população brasileira seja drasticamente reduzida. Também defendemos os serviços públicos. Não tem democracia sem serviços públicos de qualidade”.

Dirigente do Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado do RS (Sindjus) Fabiano Salazar, destacou a luta que a categoria vem travando contra o excesso de cargos comissionados no sistema judiciário. “O sindicato está dialogando com a sociedade, ressaltando a importância da defesa do concurso público, porque é através dele que a sociedade está mais protegida. A criação dos 809 cargos vai dificultar o acesso e a obtenção de direitos, reajuste salarial, uma vez que o orçamento vai ficar engessado, e vai inviabilizar o avanço de pautas importantes, como nomeação do servidor concursado”, sinalizou.

O primeiro de maio também contou com momentos culturais – Foto: Jorge Leão

Integrante da intersindical, Neiva Lazaroto recordou a mobilização dos trabalhadores da rede de supermercados Zaffari contra a escala 10X1 e da greve inédita que os trabalhadores conseguiram fazer nesta quinta-feira Também reforçou a importância da luta contra as privatizações, e contra as propostas de parcerias público-privado em curso “A água é um direito, a saúde é um direito, a educação é um direito. Elas não podem ser objeto de negócio, porque uma parceria público-privada é uma privatização Não tem empresa que trabalhe que não seja por um lucro e um lucro elevado. Para nós também são pautas muito caras”.

Data histórica

“Hoje aqui uma data importante para a construção das lutas. O primeiro de maio é uma data histórica que sempre foi marcada pela união dos trabalhadores, pelas diversas pautas. A nossa luta, nesse momento, é por redução da jornada de trabalho, e tentando avançar e construir esse espaço para fortalecer a luta geral, que nesse momento é o fim da escala 6×1. Precisamos cada vez mais fortalecer essa luta aqui e integrar com as demais categorias para construir e conseguir essa vitória”, afirmou o dirigente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (Sindbancários-RS), Sérgio Hoff.

O dirigente do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Sul (Sindipetro-RS), Dary Beck Filho lembrou que o movimento sindical surgiu da luta pela redução da jornada de trabalho. “É uma disputa histórica entre o capital e o trabalho, de quem ganha com o tempo disponível do trabalhador. É uma pauta que está bastante atrasada no nosso país, e nós já deveríamos ter avançado mais. A última vez que houve uma mudança mais forte foi com a Constituição de 88, quando baixou de 48 para 44 horas. Estamos há quase 40 anos e não houve uma nova redução”.

Ato ressaltou também a importância da união das categorias e a mobilização popular – Foto: Jorge Leão

Uma outra jornada de trabalho é possível

Se em 1966, em plena ditadura civil-militar as indagações se referiam a uma jornada de 12 horas por dia, nos tempos atuais a luta é pelo fim da jornada 6X1. De acordo com o estudo publicado pelo centro de pesquisa Transforma, da Universidade de Campinas (Unicamp), em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), intitulado “O Brasil está pronto para trabalhar menos: A PEC da redução da jornada e o fim da escala 6×1”, a diminuição da jornada de trabalho no país é possível.

Utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc), o estudo aponta que 20% da população ocupada (20,88 milhões de pessoas), estão em sobrejornada, trabalhando mais horas semanais do que o permitido por lei. “ A alta taxa de rotatividade, especialmente nos setores de comércio e serviços, e o crescente número de afastamentos laborais por saúde mental dão dimensão ao problema. Em especial, a escala 6×1 está associada a altos índices de insatisfação e pedidos de demissão”, expõe.

Os dados destacam que muitos brasileiros estão cumprindo jornadas superiores às 40 horas semanais. De acordo com as autoras, a sobrecarga de trabalho não remunerado, como trabalhos domésticos e cuidados, especialmente no caso das mulheres, agrava ainda mais a situação, resultando em um quadro de “pobreza de tempo.” Também destaca o impacto na saúde mental. De acordo a nota, em 2024, o Brasil registrou mais de 470 mil afastamentos do trabalho por transtornos mentais – o maior número desde 2014, e um aumento de 68% em relação a 2023.

“A redução da jornada de trabalho é uma medida não apenas viável, mas essencial para promover a saúde ocupacional, a estabilidade no mercado de trabalho e uma redistribuição mais equitativa da renda. As experiências de empresas que já implementaram jornadas reduzidas mostram que é possível equilibrar produtividade e bem-estar”.

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