Além da Faixa: A Relevância das Primeiras-Damas no Cenário Político Brasileiro

No Brasil, a atuação das primeiras-damas nos governos Bolsonaro e Lula trouxe à tona um aspecto preocupante da política: a pessoalização do poder. Essa transformação da figura auxiliar à presidência ficou mais evidente durante o pleito eleitoral de 2022, sendo intensificada após as eleições. De um lado, Michelle Bolsonaro passou a atuar ativamente na política brasileira em busca do espólio eleitoral de seu marido, o ex-presidente. Do outro, Janja da Silva passou a agir, ainda que nos bastidores, de forma incisiva nas tomadas de decisões do atual presidente.

Contudo, essa atuação teve seu ápice com a recente manifestação da primeira-dama durante um discurso no G20 Social. Entre as pautas que, em sua opinião, deveriam ser tratadas pelos líderes mundiais no evento, foi proferida a expressão “fuck you, Elon Musk”, em referência ao proprietário da Tesla e da plataforma “X”. Tal manifestação, além de inapropriada, repercutiu mundialmente, a ponto de Elon Musk responder em uma publicação no X, dizendo que “eles vão perder a próxima eleição”. Essa resposta evidenciou uma tensão entre a primeira-dama do Brasil e o empresário, agora também associado ao governo de Donald Trump.

Essa atuação de uma figura não eleita apresenta-se como um desafio para os novos governos e para a estabilidade democrática, pois confere poder a um novo agente no jogo político, que pode, com poucas palavras, criar conflitos institucionais internos ou externos. Apesar de não serem eleitas, essas figuras têm exercido influência significativa sobre políticas públicas e decisões governamentais. Essa prática aproxima o Estado de relações personalistas e simbólicas, desviando-se dos princípios liberais que defendem a impessoalidade, a institucionalidade e a transparência no exercício do poder.

Analisando o governo anterior, verifica-se uma conduta similar na qual Michelle Bolsonaro representou, para muitos, a extensão dos valores conservadores defendidos pelo governo de Jair Bolsonaro. Sua atuação em pautas sociais, especialmente ligadas à religião, reforçou a ligação do Estado com interesses específicos, como o fortalecimento de uma base evangélica. Embora suas ações fossem vistas como caridosas, sua influência não oficial levantou preocupações sobre a confusão entre papéis pessoais e institucionais, algo que contraria o ideal liberal de um Estado neutro e impessoal.

Por sua vez, Janja da Silva ampliou o personalismo no governo Lula, passando a desempenhar um papel ainda mais ativo, envolvendo-se diretamente em campanhas, debates políticos e articulações públicas. Embora sua postura progressista tenha conquistado o apoio de alguns setores, seu protagonismo evidencia um problema: a ausência de legitimidade eleitoral para uma figura que, na prática, atua como parceira de governo. Essa interferência pessoal não só desafia os princípios republicanos, como também reforça a centralização do poder em torno de indivíduos, uma prática que o liberalismo busca combater.

Ao permitir essa pessoalização e assunção de poder por quem não o possui de direito, colocam-se em xeque os mais basilares princípios da administração pública, tornando pessoal uma atuação que deveria ser impessoal e restrita àqueles eleitos para o cargo. Há, ainda, um problema adicional: por não serem eleitas pelo povo, essas figuras estão à margem de legislações que prevejam instrumentos de punição ou perda de cargo em caso de atos ou crimes de responsabilidade, tornando ainda mais complexo o controle de suas atuações.

Assim, a atuação das primeiras-damas evidencia uma tendência perigosa: a substituição de estruturas institucionais, que já não entregam à população aquilo que deveriam, por iniciativas baseadas em afinidades pessoais e relações de poder informais. Para os liberais, a governança deve ser baseada em regras claras e transparentes, não em favoritismos ou na influência indireta de figuras sem cargo oficial. Essa prática dilui a confiança na institucionalidade e abre precedentes para a concentração de poder em mãos não eleitas.

Portanto, verifica-se que, sejam suas intenções boas ou secundárias, a intervenção das primeiras-damas nos últimos governos contraria os princípios fundamentais de uma república liberal. Essa pessoalização do poder enfraquece a separação entre o público e o privado, criando uma zona cinzenta de responsabilidade e legitimando práticas que comprometem a igualdade de acesso e a impessoalidade do Estado. Em um sistema democrático, o protagonismo político deve ser conquistado pelo voto, não por laços conjugais. Diferentemente do cargo de vice-presidente da República, que exerce importante papel em tomadas de decisões e possui poder conferido pelo povo, através do voto, as primeiras-damas não possuem tal legitimidade.

O papel das primeiras-damas nos governos recentes ilustra uma perigosa pessoalização do poder no Brasil. Sob a ótica liberal, essa prática compromete os valores republicanos, enfraquece as instituições e reforça dinâmicas de poder mais características de regimes personalistas do que de democracias consolidadas. Se o objetivo é avançar como nação, é fundamental priorizar a institucionalidade sobre o carisma ou a influência de figuras não eleitas, resgatando o espírito do Estado de Direito e a impessoalidade no exercício do poder.

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