Diretor no Ministério do Trabalho foi homenageado após reabilitar entidade campeã em descontos no INSS

Homenagem de confederação a Jobson Sales foi feita quando ele atuava como diretor de atendimento do INSS. Conafer é a entidade que mais aumentou número de descontos entre os anos de 2019 e 2024. O servidor Jobson de Paiva Silveira Sales, que atualmente ocupa a função de diretor de Gestão de Pessoas no Ministério do Trabalho, recebeu uma homenagem da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer) em novembro de 2020, dias após a conclusão de um processo interno no INSS que permitiu à entidade continuar fazendo descontos indevidos de aposentados e pensionistas.
A Conafer é a entidade que mais aumentou o número de mensalidades descontadas de aposentados e pensionistas do INSS entre os anos de 2019 e 2024 – período que é investigado pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União em razão de descontos indevidos.
Antes da homenagem a Jobson Sales, o acordo da Conafer com o INSS estava suspenso após servidores da autarquia previdenciária terem identificado um grande volume de fraudes. Apesar disso, a diretoria comandada por Jobson reverteu a suspensão e a Conafer foi reabilitada a operar descontos.
A homenagem da entidade foi feita quando Jobson atuava como diretor de Atendimento no INSS – a área que, naquele momento, era responsável por autorizar os convênios da autarquia com as entidades que fazem o desconto associativo.
A Conafer confeccionou uma espécie de diploma, assinado pelo presidente da entidade, o pecuarista Carlos Roberto Ferreira Lopes.
A peça, enviada ao gabinete do servidor, continha a mensagem:
“A cada obstáculo superado, sua lembrança estará presente. Que as novas gerações tenham a inspiração no seu talento, bom caráter e profissionalismo. Você faz parte dessa história.”
Naquele momento, o INSS já havia recebido uma série de denúncias contra a Conafer por descontos não autorizados – portanto, ilegais.
Uma apuração interna, conduzida pela Diretoria de Benefícios, também havia identificado vários indícios de fraudes da entidade.
A GloboNews tenta contato com o servidor do Ministério do Trabalho.
Cronologia do caso
Em setembro de 2020, a Diretoria de Benefícios decidiu suspender, de forma cautelar, o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) do INSS com a Conafer.
🔎Os ACTs são uma espécie de convênio entre o INSS e as entidades que permite os descontos nas folhas dos aposentados e pensionistas.
Naquele momento, a análise dos ACTs era de responsabilidade da Diretoria de Benefícios, que adotava uma linha rigorosa na análise desses acordos.
A Conafer contestou a suspensão de seu ACT e apresentou um recurso à presidência da autarquia. Em pareceres internos, diretores e coordenadores da Diretoria de Benefícios se manifestaram pela continuidade da suspensão, citando diversas irregularidades cometidas pela Conafer nos descontos associativos.
Em um despacho de 24 de setembro de 2020, a Diretoria de Benefícios aponta o número significativo de reclamações na ouvidoria contra a Conafer, menciona uma fiscalização feita em 100 benefícios do INSS com descontos da entidade sem autorização dos aposentados e também afirma que a Conafer fez descontos não autorizados nos benefícios de servidores públicos, que sequer estão no regime do INSS.
“Por todo o exposto acima, considerando que o INSS não deve assumir o risco de efetuar descontos de mensalidade associativa em benefícios previdenciários de titulares que não emitiram qualquer autorização e que não pertencem às categorias sociais representadas pela entidade acordante, situação que pode ensejar a responsabilização da autarquia pelos órgãos de controle e poder judiciário, esta área técnica entende que a rescisão unilateral do Acordo de Cooperação Técnica é medida que se impõe ao caso em análise”, diz o documento.
A Conafer apresentou como justificativa para não apresentação das autorizações solicitadas no ofício que iniciou o procedimento fiscalizatório o fechamento de suas representações estaduais em decorrência da pandemia de COVID-19.
Em 8 de outubro de 2020, o andamento tem uma reviravolta após o então presidente do INSS, Leonardo Rolim, editar uma portaria para transferir a análise dos ACTs, incluindo o da Conafer, da Diretoria de Benefícios para a Diretoria de Atendimento, chefiada por Jobson.
Após a mudança nas atribuições, a suspensão é revertida, e a Conafer volta a praticar os descontos associativos.
📈Segundo relatório da Controladoria Geral da União, a Conafer foi a entidade que mais aumentou seus descontos entre 2019 e 2024 em números absolutos. Em cinco anos, os descontos da entidade aumentaram 69.250%.
Em 2019, a Conafer descontou, no total, cerca de R$ 400 mil dos aposentados.
Em 2020, foram R$ 57 milhões.
Em 2021, R$ 59,5 milhões.
Em 2022, o montante chegou a R$ 92 milhões.
Em 2023, subiu para R$ 202 milhões.
Em 2024, o valor estimado de descontos da Conafer em 2024 foi de R$ 277 milhões.
Investigações contra a Conafer
O presidente da Conafer é o pecuarista Carlos Roberto Ferreira Lopes. Entre as empresas dele está uma holding nos Estados Unidos e uma companhia que atua no melhoramento genético de gado. A família dele também possui uma empresa de mineração.
A investigação da Polícia Federal aponta que Cícero Marcelino, assessor de Carlos Roberto, atuava como operador da Conafer.
A PF cita várias transações financeiras entre Cícero Marcelino e os investigados. Entre elas, há repasses de Marcelino para uma cunhada de Jobson. Segundo as investigações, teria trabalhado na própria entidade entre 2020 e 2021.
Ao longo das investigações da fraude do INSS, a Polícia Federal identificou que, além de descontos não autorizados, houve casos em que os aposentados até autorizaram os descontos, mas a Conafer retirava um valor bem acima do que os beneficiários permitiam.
Ao analisar uma amostra de 17 aposentados que autorizaram os descontos, a PF concluiu que todos estavam sendo descontados com valores maiores que o permitido.
A maioria tinha autorizado um desconto de R$ 28 e, na verdade, estavam sendo descontados em R$ 79 por mês. Todos esses aposentados recebiam um salário mínimo de aposentadoria (R$ 1.412, na época).
Acordos com entidades explodem a partir de 2020
Entre 2019 e 2020, a Diretoria de Benefícios cancelou nove ACTs com entidades que cometeram irregularidades. A diretoria mantinha uma espécie de auditoria permanente para coibir as fraudes, exigindo, periodicamente, a apresentação dos documentos necessários para comprovar a legalidade dos descontos. Nesse período, nenhum novo ACT foi assinado.
Depois que a análise do assunto passou para a Diretoria de Atendimento, o INSS retomou a prática de assinar ACTs com as entidades. Jobson Sales foi responsável por assinar dois acordos.
Em maio de 2021, Leonardo Rolim decidiu devolver à Diretoria de Benefícios a atribuição de cuidar dos ACTs. Na mesma época, o presidente do INSS também nomeou José Carlos Oliveira para comandar a diretoria.
Oliveira ocupava o cargo de superintendente regional do INSS em São Paulo e teve uma ascensão meteórica na estrutura da previdência. Ele ficou seis meses como diretor de Benefícios até assumir a própria presidência do INSS, em novembro de 2021. Quatro meses depois, em março de 2022, Oliveira assumiu o ministério do Trabalho e da Previdência no lugar de Onyx Lorenzoni.
Durante a passagem de Oliveira pela cúpula do INSS e da Previdência, 16 novos ACTs foram assinados, dois deles com entidades que tinham sido canceladas anteriormente.
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