Teresa Cristina desceu do palco da Feira Nacional da Reforma Agrária junto com sua banda formada inteiramente por mulheres negras e, ainda suada do show, contou ao Brasil de Fato se sentir honrada de se apresentar no evento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Para o status quo do Brasil, o MST é uma coisa muito perigosa. É muito perigoso empoderar agricultores, as famílias, escolher o que elas colocam no prato”, sorriu.
Na avaliação da sambista, o país vive “um avanço da extrema direita”. “Mas a extrema direita avançando, ela consegue colocar o discurso dela para fora. O discurso dela é nenhum. É vazio. O discurso dela é falar da gente”, afirma. “Então acho que as pessoas podem aprender, entender que tipo de embate acontece no Brasil. Quem está contra quem, qual a bandeira das pessoas, sabe?”, reflete, ao contar das transformações dos seus próprios pensamentos.
E a arte, avalia Teresa Cristina, uma das maiores intérpretes de samba do país, também pode contribuir nessas transformações. Ela mesma considera que os discos de Nelson Candeia que tocavam na vitrola do seu pai foram fundamentais para o seu letramento racial.
Confira na íntegra a entrevista:
Brasil de Fato: Como você se sentiu quando foi convidada para participar da Feira da Reforma Agrária do MST?
Teresa Cristina: Me senti muito importante, orgulhosa. Sou muito amiga do João Paulo [Rodrigues, da direção do MST]. A gente se encontra sempre que ele vai ao Rio de Janeiro. Me senti honrada, porque eu acho que o MST tem uma dignidade. Tem uma força, que dá para entender muito bem as mentiras que as pessoas colocam em torno do movimento. Para o status quo do Brasil, o MST é uma coisa muito perigosa. É muito perigoso empoderar agricultores, as famílias, escolher o que elas colocam no prato.
Me senti importante de poder trazer esse show, um show só de mulheres negras, cantando pagode, um repertório gostoso, romântico, dançante. E a gente consegue dar o nosso recado.

Falando nisso, você já comentou que seu letramento racial começou com Candeia. Pode contar isso?
Eu gosto de falar disso porque hoje a gente está num embate muito grande na sociedade. Então não pode achar que as pessoas não tem o poder e a capacidade de mudar de ideia. Quando eu entrei na UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro] em 1988, eu era contra cotas. E a universidade me educou. Então acho que as pessoas podem aprender, entender que tipo de embate acontece no Brasil. Quem está contra quem, qual a bandeira das pessoas, sabe?
A gente vive um avanço muito grande da extrema direita. Mas a extrema direita avançando, ela consegue colocar o discurso dela para fora. O discurso dela é nenhum. É vazio. O discurso dela é falar da gente.
Quando eu era criança, meu pai botava os discos do Candeia. O Candeia dizia que ser negro era maravilhoso. Que a gente tinha que ter orgulho da nossa cor, da nossa história. E eu falava ‘esse cara é maluco, está doido’. No meu colégio eu sofria muito racismo, muito bullying. Então pensava ‘gente, esse cara está falando um negócio que não é verdade’. E aí eu me eduquei, né? Saí do colégio primário, fui para o segundo grau, entrei na UERJ e lá rapidamente me conectei com o movimento estudantil e virei outra pessoa. Uma pessoa consciente.
E fico feliz hoje porque minha filha está estudando na escola federal, também técnica. E já entrou para o movimento estudantil. Minha filha levou menos tempo que eu para entender qual é o nosso lugar. A quem a gente tem que se juntar, sabe assim? Minha filha está com 16 anos. Então acho muito importante falar para as pessoas que eu pensava de um jeito e passei a pensar de outro. A gente não pode ter medo de mudar de ideia, quando isso faz a gente crescer.
Certa vez você falou que “cantar samba acorda a gente”. De que forma o samba, ou a arte que você faz contribui justamente para as transformações de pensamento que você considera que o país precisa?
O samba nasceu das mãos de uma mulher, que foi a Tia Ciata. As pessoas falam “uma senhora baiana”. A Tia Ciata tinha 17 anos quando veio para o Rio de Janeiro. E rapidamente se transformou no que hoje as pessoas erroneamente chamam de influencer. A Tia Ciata era uma celebridade. Recebia a sociedade na casa dela. E criou um gênero musical, que foi o samba do Rio de Janeiro. Ela trouxe o samba de roda da Bahia e virou o samba carioca.
E isso que nasceu das mãos de uma mulher foi rapidamente para as mãos do homem. E depois que o homem pegou o samba, ele não soltou mais. Então nós temos Tia Ciata, histórias que foram apagadas, Chiquinha Gonzaga, que achava que era uma mulher branca, aí aparece uma dona Ivone… Só que entre essas mulheres, tenho certeza que outras queriam mostrar a arte delas. Mas foram silenciadas.
As mulheres, hoje, quando invadem a roda de samba tocando instrumentos e fazendo a mesma coisa que os homens fazem, eu acho que é uma reparação histórica. E acho que é uma coisa que tem que acontecer. Não tem marcha ré para isso.
Acho que as mulheres precisam de horas de voo. Precisam tocar. E para tocar, a gente tem que chamar. Então tem que incentivar essas mulheres a tocar. Porque tenho certeza que essas mulheres, elas não estão só tocando. Como os homens, por exemplo. A mulher, além do trabalho, tem a casa, o filho, a família. Tem muitas outras questões para lidar, além da arte. Então quando uma mulher cresce na arte, com certeza a arte não é a única atividade que ela está fazendo. E eu acho que a gente tem que falar disso. E incentivar outras mulheres a fazerem a mesma coisa.