O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a Pequim neste sábado (10) e participará, a partir de segunda-feira (12), da cúpula entre China e países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que acontecerá na capital chinesa. Esta será a quarta vez que ele visita o país asiático como presidente e a segunda neste mandato, iniciado em 2023.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil há 15 anos, desde 2009. Naquele ano, o país ultrapassou os Estados Unidos e tornou-se o que mais compra produtos brasileiros no mundo, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
Desde então, a China multiplicou por cinco o valor de suas compras no Brasil.
Só em 2024, China importou mais de 94 bilhões de dólares (cerca de R$ 535 bilhões, considerando a cotação atual do dólar) em mercadorias brasileiras. Isso é mais do que o dobro dos 40 bilhões de dólares (R$ 228 bilhões) que o Brasil vendeu aos EUA, o segundo maior destino de exportações nacionais.
Do comércio com a China, o Brasil obteve, só no ano passado, um superávit – diferença entre o que vendeu e o que comprou – de mais de 30 bilhões de dólares (R$ 171 bilhões), o que traz moeda estadunidense para o país, reduzindo a cotação dela por aqui.
Exportando commodities
Nessa relação comercial, entretanto, não existem só benefícios. E os problemas que ela tem estão relacionados à lista de produtos que o Brasil mais vende aos chineses.
Cerca de 75% do que o país exportou para a China no ano passado foi soja (31 bilhões de dólares ou R$ 176 bilhões), petróleo (20 bilhões de dólares ou R$ 144 bilhões) e minério de ferro (outros 20 bilhões de dólares). Produzir ou explorar tamanha quantidade desses produtos primários visando abastecer o mercado chinês tem suas consequências.
Hoje, cerca de dois terços de toda soja produzida no país vai para a China. A demanda do país pelo grão fez as lavouras quadruplicaram de tamanho nos últimos 30 anos, chegando a áreas antes ocupadas para cultivo de arroz, feijão e outros alimentos e até em regiões que antes eram ocupadas por mata.
Parte do aumento do custo dos alimentos no Brasil e das mudanças climáticas é consequência desse processo, segundo especialistas.
O mesmo raciocínio vale se aplica a exportação de petróleo. A China comprou seis vezes mais petróleo brasileiro que os EUA em 2024. Gastou comprando óleo brasileiro praticamente o dobro do que havia gasto em 2020. Contribuiu assim para que o país, em 2024, exportasse mais petróleo do que ele mesmo consome. Isso enquanto o Brasil segue importando cerca de 20% dos combustíveis que ele precisa para sua frota.
Importando industrializados
A China vende principalmente produtos industrializados para cá – exatamente o contrário do que o Brasil exporta para lá. Essa diferença também reforça que, apesar do superávit para o lado brasileiro, a relação comercial entre Brasil e China favorece mais o desenvolvimento chinês.
Para a economista Diana Chaib, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), isso precisa mudar pelo bem da economia brasileira, mas também pelo meio ambiente e até por direitos humanos.
“Se continuarmos baseando nossa relação com a China quase exclusivamente na exportação de commodities, principalmente a soja, os riscos ambientais e de abastecimento podem se agravar”, afirmou ela, ao Brasil de Fato. “O avanço do agro sobre o Cerrado e a Amazônia, impulsionado pela demanda chinesa, já tem impactos reais e persistentes sobre comunidades tradicionais, segurança alimentar e o equilíbrio climático. É fundamental repensar essa lógica.”
Riscos e oportunidades
Lula já visitou a China e volta agora ao país, em tese, para tentar alterar pelo menos um pouco essa lógica. Entretanto, o presidente chega ao país asiático em meio a uma guerra comercial entre ele e os EUA.
O presidente estadunidense, Donald Trump, aumentou para mais de 100% as tarifas de importação de produtos chineses. A China respondeu taxando todo produto agropecuário que ele compra dos EUA.
Um estudo do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea), do Cedeplar-UFMG, já apontou que essas medidas tendem a ampliar as exportações de soja do Brasil para China e também as exportações de industrializados chineses para o Brasil, o que intensificaria o desequilíbrio da relação comercial.
O economista Célio Hiratuka, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do Centro de Estudos Brasil-China (Cebc) da universidade, disse que a guerra comercial realmente elevou esse risco de um desequilíbrio ainda maior no comércio entre Brasil e China. Ressaltou que ele ainda é “só um risco”. Para ele, ainda é cedo demais para avaliar os reais efeitos da crise com os EUA sobre a economia brasileira.
Hiratuka reforçou que o Brasil não pode culpar a guerra comercial e muito menos a China por seus problemas internos. Precisa, na verdade, ter um plano claro para sua economia para que possa colher os melhores frutos de sua relação com os chineses e com qualquer outro país. Para o professor, esse é o grande problema do Brasil hoje.
“Falta ao Brasil clareza para como deixar de ser um mero exportador de commodities para um país industrializado, que gera melhores empregos, com melhores salários”, afirmou ele.