Comunidades do Ribeirão Onça, em BH, enfrentam remoções e lutam por justiça socioambiental

As margens do Ribeirão do Onça, na zona norte de Belo Horizonte, há muito tempo, deixaram de ser apenas um território de moradia para se tornar também símbolo de luta e resistência. 

Com um histórico de enchentes agravado por décadas de descaso do poder público e por políticas urbanas que empurram os mais pobres para áreas de risco, a região vive hoje um processo intenso de transformação, mas que carrega profundas marcas sociais.

Mais de 900 famílias já foram removidas das margens do afluente do Rio das Velhas. A justificativa oficial é a de evitar tragédias causadas pelas inundações cada vez mais frequentes, resultado do desequilíbrio ambiental nas grandes cidades. 

Luta emblemática

No entanto, o processo de remoção, na avaliação de especialistas, não é simples nem neutro. Ele envolve histórias de vida, sentimentos de pertencimento e memórias que não podem ser ignoradas.

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“O desafio está em garantir que essas remoções não sejam apenas logísticas, mas humanas. Que respeitem a história de quem sempre viveu ali, criando vínculos com o território”, explica Carla Wstane, especialista em gestão das águas urbanas e diretora técnica do Instituto Guaicuy, organização vinculada ao Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Segundo ela, a luta das comunidades do Baixo Onça é emblemática. 

“As famílias da região se organizam desde 2001 para que suas demandas sejam reconhecidas. O Conjunto Comunitário Unidos Pelo Ribeiro de Abreu (Comupra), por exemplo, é peça-chave nesse processo. Ele articula o movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa, que propõe cinco frentes de ação, entre elas a realocação das famílias e a implantação do Parque Ciliar Comunitário do Baixo Onça”, destaca.

Outra forma de pensar a cidade

A experiência dessas comunidades, muitas vezes ignorada por políticas públicas padronizadas, aponta para uma outra forma de pensar a cidade: uma que valorize os rios como elementos centrais da paisagem urbana, e que priorize soluções baseadas na natureza. 

“Historicamente, Belo Horizonte impermeabilizou e tampou seus cursos d’água. No Baixo Onça, a lógica está se invertendo. Estamos devolvendo ao rio o espaço que é do rio”, afirma Wstane.

Documentário conta a história

O documentário Arrancados das Raízes, produzido por jovens moradores do bairro Ribeiro de Abreu, aborda justamente essas contradições. A obra resgata as histórias dos ex-moradores atingidos pelas inundações e pelo processo de desapropriação. 

“Eu sempre vi a nossa voz intermediada por outra pessoa. Eu tive a chance de poder contar a minha própria história, do meu próprio ponto de vista como morador de um espaço periférico que sofria com essas inundações, sem ser intermediado por ninguém. Após o processo de desapropriação, eu sentia que as histórias dessas pessoas estavam sendo apagadas, então foi um processo de recuperação, de retomada e valorização dessas histórias”, explica João Vilete, em nota.

Carla Wstane reconhece a importância desse tipo de iniciativa. 

“Escutar as vozes das comunidades é essencial. Nas últimas chuvas, vários bairros da cidade voltaram a alagar. Continuamos insistindo em obras de drenagem que repetem a mesma lógica. O que o Baixo Onça nos mostra é que existe outro caminho possível”, analisa.

Ela destaca ainda que o trabalho de mobilização da Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel), junto às lideranças comunitárias, tem sido importante para tornar o processo de realocação menos traumático. 

“Houve escuta ativa, diálogo e até mutirões e plantios que transformaram a área em uma espécie de vitrine para a cidade. Mas isso só foi possível porque as famílias estavam organizadas e atuantes.”

A revitalização do Ribeirão Onça é vista pela especialista como urgente e viável. A bacia é uma das que mais poluem o Rio das Velhas e está atualmente enquadrada na classe 3 de qualidade da água, uma das piores. 

“Estamos articulando ações para atingir, até 2034, a classe 2 ou até especial. Mas para isso acontecer, é preciso que a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) trate de fato todo o esgoto que coleta. Hoje, 40% do que ela coleta ainda não é tratado”, denuncia.

Apesar das dificuldades, o horizonte é de esperança. “Eu acredito em outra cultura das águas. Técnica existe. O que falta é decisão política. Quando as pessoas participam da construção da cidade, tudo é possível”, finaliza Carla Wstane.

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