‘Estou cansado’: Douglas Belchior desabafa sobre ‘mentira histórica’ do 13 de maio e estagnação do racismo

O 13 de maio ainda é oficialmente lembrado como o dia da abolição da escravidão, mas, para o movimento negro, a data representa sobretudo a continuidade de uma falsa liberdade, desde a assinatura da Lei Áurea assinada pela princesa Isabel, em 1888. “Há muitos anos estamos repetindo as mesmas coisas. Eu estou cansado”, desabafa Douglas Belchior, fundador da Uneafro Brasil e conselheiro do governo federal.

“É mais um 13 de maio repleto de simbolismos e reafirmações. Todo 13 de maio, temos lançamentos de índices, renovação ou atualização de pesquisas que repetem as mesmas informações: somos os maiores alvos da violência do Estado. […] São números que irritantemente se repetem, se perpetuam na nossa história”, explica o educador, em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.

Com mais de 25 anos de atuação no movimento negro, Belchior cita alguns dos índices que se repetem como um ciclo cruel: maior letalidade policial, maior desemprego, menor acesso à educação e ao mercado de trabalho. “Quando a violência diminui, diminui menos para nós. Quando aumenta, aumenta mais entre nós”, resume.

Para ele, a chamada abolição é uma “mentira histórica”, como denunciava o intelectual Abdias do Nascimento: “Construiu-se uma data cívica em cima de uma farsa que o movimento negro teve que desconstruir com muita luta”.

Atualmente, o 13 de maio é reivindicado como o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, símbolo de resistência e não mais de celebração. “Hoje nós temos no 13 de maio o símbolo da luta contra o racismo. Conseguimos redimensionar o significado da data”, afirma.

‘Não temos instrumentos para barrar a PM’

Belchior também apontou o agravamento da violência policial em São Paulo, especialmente sob a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos). “O governador tem as mãos sujas de sangue, assim como seu secretário de segurança [Guilherme Derrite (PL)]. Mas não temos instrumentos institucionais que funcionem para barrar isso. […] O Ministério Público serve historicamente em São Paulo para proteger politicamente o governador e, sobretudo, a atuação violenta da polícia.”

Segundo ele, o sistema de justiça é “uma ilha de privilégios” que se omite diante das violações cometidas contra a população negra nas periferias. “Vivemos numa sociedade conservadora, que endossa essa violência. Falta reação da sociedade civil, falta grito coletivo diante das atrocidades policiais. É um quadro bastante complicado”, lamenta.

Cotas no serviço público: “uma vitória enorme”

Apesar do cenário adverso, Belchior reconhece conquistas importantes. Uma delas é a aprovação da ampliação das cotas raciais no serviço público federal, que subiram de 20% para 30%. “É uma vitória enorme, e ela conversa com as necessidades que a sociedade demonstra hoje. O serviço público, historicamente, é um dos dos pouquíssimos canais de entrada de pessoas negras enquanto um espaço de dignidade no mercado de trabalho. Garantir que parte dessas vagas sejam destinadas para pessoas negras equivale a mudança social econômica importante.”

Ele destaca que essa conquista foi possível porque, neste caso, houve respaldo popular. “Há muita resistência dos setores conservadores para que esse tipo de política vingue, para que esse tipo de política se confirme, e nós consigamos essa vitória. Este é um dos poucos temas progressistas que conseguimos constituir uma maioria na sociedade. Hoje, de maneira geral, a população brasileira apoia esse tipo de política e isso encontra a força do Congresso Nacional”, comemora.

Conselhão e a ocupação de espaços

Belchior também integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável do governo Lula (PT), o chamado Conselhão, instância de participação social com representantes de diversas áreas da sociedade civil. “Temos tido espaço para levar propostas, ideias, iniciativas, e isso é positivo. É óbvio que tem limites, gostaríamos que funcionasse melhor, pois as nossas demandas e densidades são sempre muito maiores do que aquilo que o Estado oferece, pois ele é muito engessado”, diz.

De acordo com o educador, há um “abocanhamento de poder” por parte do Congresso Nacional, que impede uma atuação mais direta e efetiva do Executivo ao barrar orçamento, por exemplo. No entanto, ele reconhece que “os espaços do Executivo são importantes para ocupação por parte da sociedade civil”. “Temos feito bom uso deles”, garante.

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.

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