‘Cenário de gravidade continua em 2025’, diz Mauro Pires, presidente do ICMBio, sobre previsão de seca no país

O Brasil sofreu, em 2024, a pior seca em 74 anos, cenário que resultou no aumento de 79% no número de incêndios. E o cenário para 2025 não traz boas notícias, de acordo com o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires, que conversou com exclusividade com o Brasil de Fato.

Em fevereiro deste ano, o Ministério do Meio Ambiente publicou uma portaria de emergência ambiental em todo país, como forma de se antecipar ao cenário previsto. 

Na entrevista, Pires, que é servidor de carreira no órgão responsável pela gestão de cerca de 350 unidades de conservação em todo o país, fala também sobre a possibilidade de expropriação de terras privadas envolvidas em incêndios criminosos e o desafio da reestruturação e fortalecimento de órgãos ambientais como o ICMBio, incluindo a necessidade de aumento de orçamento e contratação de pessoal.

O presidente ainda conversa sobre as contradições do atual governo, como a construção da BR-319, cortando a Amazônia e ligando Manaus (AM) a Porto Velho (RO). A obra deve passar 13 municípios, 28 unidades de conservação e 69 comunidades indígenas, sendo uma delas uma comunidade isolada.

Confira a íntegra da entrevista:

Brasil de Fato: Presidente, o governo acaba de realizar a 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, com foco na emergência climática e na necessária transição ecológica. Qual a importância dessa atividade, que traz a sociedade civil para o centro do debate?

Mauro Pires: Estamos realizando a 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente. A última, a quarta, foi realizada há 11 anos e [ficamos] nesse período, pouco mais de uma década, sem discutir com a sociedade organizada, com o poder público. A conferência nacional é precedida de estaduais e municipais, então tem muita gente envolvida. 

Nós estamos enfrentando uma realidade que, na última conferência, ainda aparecia como algo distante, que era exatamente a emergência climática. Naquela época, quando a gente falava de mudança do clima, era algo que já se percebia, mas não era parte do nosso cotidiano. Onze anos depois, não tem como o cidadão brasileiro falar que mudança climática é uma coisa etérea, abstrata, porque ele percebe, percebe por causa da temperatura, percebe porque aumentou o número de incêndios. 

Vou citar o exemplo aqui do bioma Pantanal, que vem enfrentando uma seca histórica, recrudescida nos últimos dez anos. O cidadão do Rio Grande do Sul percebe que as enchentes têm sido mais frequentes na linha do tempo, tanto que chegou àquela devastação que foi o ano passado. 

Então eu acho que a conferência traz a oportunidade da gente fazer um debate muito mais vivo sobre a emergência climática e sobre o que é necessário fazer para enfrentá-la.

Emergência climática e combate a incêndios

No começo deste ano, o Ministério do Meio Ambiente publicou uma portaria que declarou emergência climática em áreas sob risco de incêndio em todo o país, com a inclusão de ações preventivas para o enfrentamento das secas e das cheias. Na prática, como essa declaração pode ajudar ao ICMBio e outras instituições de controle ambiental no enfrentamento a essas situações?

Anualmente, o Ministério do Meio Ambiente tem que publicar uma portaria dos municípios com previsão de passarem por incêndios. Por que isso é importante? Porque, sobretudo no caso do Ibama, o órgão precisa dessa listagem dos municípios para poder contratar os brigadistas. Como o trabalho de brigadista é um serviço público, precisa, portanto, ter um processo seletivo. 

Então, essa portaria, ao longo dos anos, serviu para essa função de poder contratar preventivamente brigadistas para enfrentar aquele cenário. Só que como aconteceu o agravamento da situação, a portaria também passou a ter um significado mais amplo, de mostrar quais são os municípios em que todo mundo precisa atuar. Não só Ibama, mas todo o poder público, o governo municipal, dos estados, para evitar que a gente tenha um agravamento. 

Para os estados é importante porque o governo estadual pode canalizar brigadistas para aquela área específica, mas também para chamar a atenção dos produtores daquela região para evitar fazer o que aconteceu no Pantanal, onde as pessoas anteciparam o processo que eles chamam de limpeza de área. Essa limpeza de área, na verdade, não tem nada de limpo, porque a queimada suja e muito, sobretudo a própria atmosfera. Tem um impacto ambiental muito grande e acaba promovendo a seca de um Pantanal que é patrimônio nacional. 

Então, a portaria, embora seja um ato administrativo do ministério, acabou tendo também uma importância muito grande para chamar a atenção sobre essas situações.

A portaria de emergência climática também detalhou uma série de novos mecanismos de monitoramento. Já é possível termos uma perspectiva de como será o período de secas deste ano de 2025?

Os dados que a gente dispõe, dados do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do Cemaden [Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais], e de outros parceiros, indicam que esse ano também enfrentaremos um período de seca e, portanto, mais favorável às queimadas. E aí está a nossa preocupação. A gente vai, portanto, para o terceiro ano de uma sequência de anos secos e isso traz mais preocupações. Nesse sentido, o ICMBio, esse ano, vai conseguir mobilizar em torno de 1,8 mil brigadistas. O Ibama consegue contratar até três vezes mais do que esse número. Convenhamos, para enfrentar um país da dimensão que nós temos não é suficiente. 

O presidente do ICMBio, Mauro Pires, durante combate ao incêndio florestal que atinge o Pantanal – Joédson Alves/Agência Brasil

A legislação do manejo integrado do fogo estabelece que a obrigação para fazer o enfrentamento é de todos, não é só do brigadista, não é só do órgão. Evidentemente que os órgãos têm que atuar, mas se a gente não tiver um trabalho de cooperação entre os eventuais proprietários, assentamentos de reforma agrária, a sociedade de modo geral, a gente não vai conseguir fazer frente a esse desafio. E aí vem o trabalho do brigadista voluntário. Essa é uma função extremamente relevante, porque é uma pessoa que já recebeu uma capacitação. Importante lembrar isso: o enfrentamento do fogo não pode ser feito por uma pessoa que viu o fogo e diz: “vamos lá apagar”, de forma espontânea. Às vezes isso acaba até prejudicando, levando a acidentes, e isso a gente tem que evitar. 

Mas o trabalho do voluntário também é essencial e a lei estabelece claramente como deve ser feita a prevenção. Por exemplo, agora estamos no mês de maio, que aqui nessa região [do Distrito Federal] é o fim do período chuvoso e início do período da seca. Preventivamente, nós fizemos o que a gente chama de queima prescrita, em que há uma série de prescrições que devem ser observadas, exatamente para que quando vier o período de seca propriamente, se eventualmente acontecer um incêndio, aquela área preventivamente queimada não sirva de combustível. 

Então é fundamental a gente trabalhar com prevenção e para isso, a gente precisa de dados. Ibama e ICMBio trabalham com acesso a dados e os nossos cenários já estão indicando que a gravidade continuará. E aí tem alguns fatores que são associados à mudança do clima, tem a mudança de “El Niño” para “La Niña”, que acaba influenciando.

Presidente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou recentemente que a União poderá desapropriar terras atingidas por incêndios criminosos e desmatamentos ilegais, se houver comprovação de responsabilidade do proprietário por ação ou omissão. O senhor acredita que essa medida pode coibir os incêndios criminosos?

Eu acredito que o ministro Dino está se referindo à importância de cada pessoa considerar o seu papel frente às mudanças do clima. Então, um proprietário que não cuida da sua área, um proprietário que permite que o incêndio ganhe uma proporção, ou mais do que isso, que provoque o incêndio criminoso, eu acho que a expropriação é um mecanismo reforçado pelo ministro. 

Na verdade, a legislação já diz isso. O capítulo de meio ambiente da Constituição de 1988 diz claramente, sobre a função social da propriedade, que o proprietário tem que ter seus cuidados, porque aquela área, aquela propriedade, deve cumprir uma função social, seja da preservação, seja de combate à desigualdade. Portanto, transformar em possibilidade de assentamento ou coisa do gênero é também uma possibilidade. 

O nosso principal desafio hoje é fazer o vínculo entre um incêndio que a gente vê que é claramente criminoso e o autor daquele incêndio, porque você precisa de uma evidência material muito forte e nem sempre isso está disponível. Felizmente, no ano passado, a Polícia Federal trabalhou, identificou muitas pessoas, as polícias civis também, e eu creio que agora, na Justiça, esses processos vão ter encaminhamento. 

Estrutura do órgão

Presidente, é unânime entre os órgãos federais o cenário de desmonte promovido pelo governo anterior, e até uma certa dificuldade de recuperação. Com qual estrutura o ICMBio conta hoje para realizar seu trabalho hoje, seja do ponto de vista orçamentário, de pessoal ou mesmo de tecnologia disponível?

Nós chegamos aqui em 2023 na condição de presidente, mas eu sou servidor do órgão, então eu estava aqui no período anterior, e encontramos uma situação muito desafiadora. Porque o ICMBio é um órgão obrigatoriamente territorial, ele precisa estar nas áreas protegidas, tem que fazer a gestão. Nós temos 340 unidades de conservação que somam mais ou menos 9,5% a 10% do território nacional. É muita área e, portanto, a gente precisa fazer a gestão dessas áreas. 

Se não tem o incentivo ou se o servidor é inclusive punido porque se manifestou, ou porque o servidor não pode realizar sua atividade, isso causa um prejuízo para a instituição e também para os servidores. O cenário que a gente encontrou foi exatamente esse. Tentou-se esvaziar o ICMBio, mas também o Ibama e o próprio Ministério do Meio Ambiente, de suas funções. Então, o nosso desafio nos dois primeiros anos foi de recuperar a função do órgão, mas também recuperar a moral da equipe. 

Aliás, é importante dizer: é muito mais fácil destruir do que reconstruir. Isso é um processo que demanda tempo, processos que a gente achava que já estavam consolidados, infelizmente, tiveram retrocesso. Então, esse trabalho de reconstrução é mais lento. E por causa disso que a gente fez já duas medidas muito importantes. A primeira foi melhorar o orçamento do ICMBio. Neste ano, por exemplo, em 2025, a gente tem um incremento orçamentário em torno de 40% a 50% do orçamento dos anos anteriores.

E também ampliar o número dos servidores. Na semana passada saiu a lista dos classificados, daqui uns dias sairá a lista dos aprovados no concurso. São 350 vagas, e esses novos servidores, ao chegarem no órgão, passarão por uma capacitação. Isso também é um trabalho que demanda tempo, porque é um órgão que tem uma série de legislações a serem observadas, uma série de regras de funcionamento para que depois eles possam, no seu dia a dia, incrementar a força de trabalho do instituto. 

Tem um compromisso do governo de que esse concurso também poderá chamar mais 25% das vagas além dos 350. E nós vamos batalhar para que esse número seja maior do que os 25%. De qualquer forma, já é um reforço. 

Para que se tenha uma ideia, quando o ICMBio foi criado, em 2007, nós tínhamos em torno de 2,5 mil servidores e trabalhávamos com 270 unidades de conservação. Hoje, nós trabalhamos com 340 [unidades de conservação], ou seja, aumentou, mas o número de servidores hoje é pouco mais de mil. Então nós perdemos mais ou menos mil servidores ao longo desse período todo de 18 anos de instituição. 

Então nosso desafio é recompor essa força de trabalho, primeiro com o ingresso desses 350 novos servidores, e depois a ampliação de mais concursos. Tem um compromisso do governo, e nós vamos trabalhar para que isso seja implementado, de modo que a gente chegue em dezembro de 2026 com a força de trabalho do ICMBio mais recomposta, porque ao longo do tempo as pessoas também vão se aposentando, vão encontrando outras oportunidades, trabalhos, e a gente precisa trazer mais pessoas e ampliar, na medida em que a gente cria novas unidades de conservação. 

Nós fizemos várias consultas públicas agora no mês de abril e continuamos no mês de maio [para criação de novas unidades de conservação]. E uma vez criadas, a gente vai precisar de mais pessoas para fazer a gestão delas. Então, nós pretendemos chegar no fim de 2026 com a instituição fortalecida, e para isso, a gente conta inclusive com apoio do próprio STF que está analisando a chamada ADPF 743, que é aquela que trata do desmatamento, e uma outra que trata do combate a incêndios. Tanto uma quanto outra falam da importância dos órgãos ambientais fortalecidos e exercendo suas funções. Para exercer suas funções, nós precisamos de pelo menos dois grandes fatores. O primeiro é orçamento e o segundo é pessoal. 

Novas unidades de conservação

Sobre a criação de novas unidades de conservação, muitos ambientalistas com os quais o Brasil de Fato dialoga alertam para a questão das terras não destinadas, que são justamente os maiores alvos da ação de grilagem e outras práticas ilegais. O sr. falou sobre uma série de consultas públicas para novas unidades de conservação. Pode nos dizer de que áreas se tratam?

Nós assumimos em 2023 com o compromisso de ampliar o número de áreas protegidas, de parques e reservas. Boa parte da criação dessas novas áreas vai ocorrer em áreas públicas, ou em glebas públicas ainda não destinadas. Especialmente na Amazônia, nós temos um número geral indicando em torno de 56 milhões de hectares ainda de terra pública não destinada. Ou seja, são glebas do governo federal, que ainda não tiveram uma destinação para assentamento, terra indígena, ou a própria chamada regularização fundiária. 

A gente já apresentou algumas áreas que nós temos estudos apontando a importância de unidades de conservação. Solicitamos ao Ministério do Meio Ambiente que, por sua vez, solicitou ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, a destinação dessas áreas para área ambiental, para fazer a criação de novas unidades. Então isso está em curso, é um processo mais lento, porque tudo que se refere à questão fundiária tem um todo um rito a ser percorrido. 

Nós queremos avançar sim na criação das unidades, porque nós sabemos que essa é uma função que inclusive está prevista na Constituição. Quando a gente pega o capítulo 225, está bem claro que as terras devolutas deverão ser destinadas prioritariamente para a criação de unidades de conservação. Então, o que a gente quer fazer é nada mais do que implementar aquilo que a Constituição já estabeleceu. 

Evidentemente que têm diferentes possibilidades de destinação. Pode ser um assentamento, pode ser uma concessão florestal, pode ser o reconhecimento de uma terra indígena, mas no caso do ICMBio, nós olhamos com muito cuidado, com muito zelo, para aquelas áreas que têm importância ambiental, que têm importância de conservação da biodiversidade, uma importância em termos de recursos hídricos, e aí sim, promovemos a criação daquela unidade. 

BR-319: uma contradição

O presidente Lula e o ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), têm feito uma defesa pública da construção da BR-319, que corta a Amazônia, ligando Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Segundo apuração do Brasil de Fato, a obra passa por 13 municípios, 28 unidades de conservação e 69 comunidades indígenas, sendo uma delas uma comunidade isolada. Como o ICMBio está lidando com essa contradição?

Veja, o ICMBio, diferentemente do Ibama, não é um órgão licenciador. Então, uma obra dessa magnitude, é licenciada pelo Ibama. Inclusive, o governo passado já deu uma licença prévia para essa obra. Mas de toda forma, o ICMBio é muito presente em toda essa região, porque ali nós temos várias unidades de conservação, e porque é uma área das mais ricas em termos de biodiversidade do Brasil.

Ainda na gestão passada do presidente Lula, foram criadas unidades de conservação no entorno da BR-319 e nós precisamos implementar essas unidades. Com a possível pavimentação ou qualquer atividade que aumente o tráfego de carros, de transporte, muito provavelmente vai acontecer o aumento da especulação. 

É como a gente já viu em outros lugares, a chamada “espinha de peixe”, que marca todo o território de Rondônia, o estado do Mato Grosso, e também do Pará. Onde há uma rodovia, acabam que os chamados ramais vão facilitando aquela ocupação e aquele desmatamento. Então, a preocupação que nós temos em relação à BR-319 é exatamente isso: o que fazer para evitar que essas áreas, que uma boa parte ou é terra indígena ou é unidade de conservação, não sofram com essa expansão do desmatamento. 

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e o presidente do ICMBio, Mauro Pires, durante assinatura do Plano de Manejo do Parque Nacional de Brasília. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Para isso, o próprio ICMBio, como órgão gestor do território, obrigatoriamente terá que ser reforçado. A nossa presença no território terá que ser muito maior, porque a pressão será maior. Então, precisamos estar aparelhados, com servidores suficientes para fazer frente a esse cenário.

Agrotóxicos

Recentemente, o Brasil de Fato divulgou uma pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que revelou a presença de agrotóxicos altamente tóxicos em sedimentos de lagos, localizados em áreas de altitude, dentro de duas unidades de conservação geridas pelo ICMBio: o Parque Nacional da Serra dos Órgãos e o Parque Nacional do Itatiaia, ambos no Rio de Janeiro. Esse é mais um alerta de como o uso indiscriminado dessas substâncias tem impactado de forma generalizada o meio ambiente no nosso país. Quando as organizações de controle e de preservação vão entrar de cheio nesse debate e defender publicamente a redução do uso de agrotóxicos ou até mesmo o banimento de determinadas substâncias?

Não é à toa que esse é um dos temas mais controversos em debate no Congresso Nacional. Recentemente, o presidente Lula lançou o Plano Redução dos Agrotóxicos, atendendo a uma reivindicação antiga do movimento agroecológico, do movimento ambientalista. 

Sem dúvida, isso traz impacto para nossas unidades de conservação, traz impacto para a saúde, assim como o próprio microplástico, que já está presente praticamente em todo o nosso território e inclusive no nosso organismo. Então, sem dúvida que, no caso do ICMBio, é uma preocupação, e o que a gente faz é a fiscalização. 

Só que nós temos unidades de conservação, e vou citar um exemplo aqui do Parque Nacional de Emas, em Goiás, mas poderia falar, por exemplo, do Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, que no seu entorno tem propriedade rural realizando atividade com intenso uso de agrotóxico. Então isso realmente acaba ocasionando um impacto, e o ICMBio só pode atuar naquela unidade de conservação e no entorno imediato se a atividade estiver prejudicando. Então a gente faz, em vários casos, o embargo de áreas, ou a fiscalização, porque isso acaba trazendo prejuízo. 

Acho que esse é um debate que a sociedade precisa fazer, não é exclusivo do ICMBio, ao contrário, tem um aspecto de saúde humana que não pode ser descartado. E é um debate que a gente precisa também levar para dentro do setor empresarial e do setor do agronegócio. Hoje nós temos um vínculo muito grande entre a atividade produtiva em uma determinada propriedade e a própria indústria química. Então nós precisamos olhar se esse é o modelo que a gente quer encaminhar, porque os efeitos são efeito de longo prazo, mas eles aparecem. 

Quando esse estudo trouxe essa essa informação, ficou claro que no ambiente, as coisas estão totalmente conectadas. Daí a importância de a gente esclarecer e tomar uma decisão mais definitiva, reduzindo o uso de agrotóxicos.

Desafios rumo à COP30

Teremos a COP30 em novembro, em Belém (PA) e o Brasil é um dos países com uma das biodiversidades mais ricas do mundo. A gente vem de uma série de frustrações em relação às últimas conferências. Qual será o papel do ICMBio nesses debates e qual sua expectativa em relação aos possíveis resultados dessa COP da Amazônia? 

A ministra Marina Silva tem sido bem enfática na definição da posição brasileira frente à COP. E a ênfase está basicamente em duas frentes: uma, é que a gente tem um compromisso ético. Estamos diante de um cenário em que aquilo que era suposição há 50 anos atrás já é realidade, que é uma mudança do clima acontecendo de imediato, afetando as pessoas, pessoas perdendo seus bens, perdendo suas casas de um dia para o outro. Isso já é uma realidade. Se a gente não fizer um debate ético sobre como é que a sociedade humana pretende lidar com o meio ambiente, acho que o cenário de caos está bem claro. Acho que esse é um um ponto importante. 

Segundo, é que essa conferência, ao contrário das outras, deve ser uma conferência de implementação. Nós ficamos desde a ECO92 discutindo os mecanismos de repasse de recursos, transferência de tecnologia etc. Agora está na hora, de fato, de implementar o acordo. E a convenção do clima, a Convenção Quadro da Mudança do Clima, assinada em 92, estabelece qual deve ser a contribuição de cada país. 

O Brasil está chegando na conferência de Belém com uma revisão da sua NDC [Contribuição Nacionalmente Determinada], que são as metas que o país apresenta para reduzir as emissões. Então, de um lado, precisamos reduzir o desmatamento até chegar ao desmatamento zero. Isso é um compromisso que já estava estabelecido, mas infelizmente não estava sendo seguido. E com a chegada do presidente Lula e da ministra Marina, isso foi retomado. Tanto que a gente tem uma redução significativa do desmatamento na Amazônia e até no Cerrado. 

E de outro lado, nós queremos ampliar, não só a redução do desmatamento, mas também a recuperação das áreas, de modo que a vegetação perdida também possa cumprir um papel de sequestrar carbono e, portanto, aliviar o cenário de aquecimento global.

O Brasil tem um compromisso de recuperar 12 milhões de hectares de floresta perdida ao longo do tempo. Uma parte disso é em unidade de conservação, 1,3 milhão de hectares estão dentro das unidades de conservação e a outra parte é nas terras indígenas. 

As terras indígenas e as unidades de conservação, na verdade, são os grandes modos de uso do território totalmente alinhados à redução das emissões. E na unidade de conservação, as pessoas podem se desenvolver, podem realizar seu modo de vida e é o que a gente quer, que essas unidades sejam vistas como parte da vida de cada pessoa.

Especialmente no Cerrado, nós estamos fazendo consulta pública para criação de unidades de conservação voltadas à preservação do modo de vida de povos e comunidades tradicionais. Uma agora, por exemplo, que é a proposta de uma Reserva do Desenvolvimento Sustentável Tamanduá, no norte de Minas, para a proteção dos chamados geraizeiros e quilombolas, grupos de povos e comunidades tradicionais da região do Cerrado.

Nós acreditamos que esse modelo de desenvolvimento baseado na unidade de conservação é uma forma da gente garantir que as comunidades tradicionais tenham segurança fundiária de um lado, e que a proteção da biodiversidade, dos biomas, seja garantida.

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