Justiça rejeita queixa-crime da mineradora Belo Sun, que tentava intimidar agricultores do Pará

A Justiça do Pará rejeitou, nesta quarta-feira (14), a queixa-crime apresentada pela mineradora canadense Belo Sun contra agricultores e movimentos populares na Volta Grande do Xingu, no Sudoeste do estado.

A empresa, que se instalou na área com a proposta de abrir a maior mina de exploração de ouro do Brasil, tentou usar a justiça para intimidar moradores da região e ativistas que denunciam os impactos do empreendimento, o Projeto Volta Grande de Mineração.

Protocolada em agosto de 2023, a queixa-crime pedia prisão em flagrante, busca e apreensão de bens, bloqueio de contas e confisco de supostas armas de 33 agricultores moradores do Projeto de Assentamento (PA) Ressaca.

Além dos agricultores, a empresa tenta processar duas lideranças do Movimento Xingu Vivo, uma diretora da ONG Amazon Watch e outras pessoas que apoiaram ou pesquisaram o acampamento organizado em protesto à cessão irregular de lotes de reforma agrária para o projeto de mineração.

Para Ana Alfinito, assessora jurídica da Amazon Watch, trata-se de uma estratégia de criminalização de famílias camponesas e de organizações da sociedade civil, já praticada pela empresa em outra ocasião.

“Não é a primeira vez que a empresa persegue dessa forma os defensores do território. A decisão que rejeitou a queixa-crime representa uma vitória para os movimentos de defesa da floresta, impondo limites a uma empresa que parece achar que está acima do estado de direito e da legalidade”, defende a assessora.

De acordo com o texto da sentença, assinada pelo juiz Felippe José Silva Ferreira, titular da Vara Única de Senador José Porfírio, no estado do Pará, a queixa-crime “sequer faz menção ao fato criminoso, limitando-se a indicar o suposto crime de forma genérica”.

Segundo o juiz, trata-se de uma queixa-crime inapta para tramitar, por não atender ao artigo 44 do Código de Processo Penal. O magistrado defende que a procuração da empresa não apresentava poderes específicos nem fazia menção aos fatos narrados, o que tornou impossível a instauração da ação penal.

“A gente até ficou surpresa, porque, nos últimos anos, é só derrota, né? Quando o advogado mandou ontem, a gente meio que não acreditou”, diz Ana Barbosa, pesquisadora integrante do movimento Xingu Vivo para Sempre, sobre a rejeição da queixa-crime.

Para a coordenadora do Movimento Xingu Vivo, Antônia Melo, alvo da queixa-crime, a decisão da Justiça representa o reconhecimento da legitimidade da luta popular na Volta Grande do Xingu. “A gente sempre disse que a Belo Sun quer calar as vozes da resistência com processo, com ameaça, com mentira. Mas seguimos firmes, e a decisão de hoje mostra que o que é crime é destruir o rio Xingu e expulsar comunidades de suas casas para extrair ouro”, diz.

Risco ambiental e proibição de atividades tradicionais

O conflito entre a mineradora e os moradores da área começou em 2012, quanto a Belo Sun comprou terras na vila da Ressaca, no Pará. Naquele ano, a empresa instalou placas pela área proibindo os moradores de realizarem suas atividades costumeiras, como caça e pesca.

Em 2016, a mineradora assinou um acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), prevendo a retirada das famílias do PA Ressaca, limítrofe à vila da Ressaca. Os moradores, então, se mobilizaram na luta pelo território e receberam apoio de movimentos ambientalistas, como o Xingu Vivo para Sempre.

“A gente estava passando necessidade, sem terra pra plantar. Quando soubemos que o Incra tinha entregue os lotes para uma mineradora estrangeira, resolvemos lutar”, declara um dos agricultores processados pela mineradora. “Hoje nossas roças estão tão cheias: tem milho, cupuaçu, arroz, galinha… Já fomos cadastrados pelo Incra, e a Justiça agora tá reconhecendo que nosso protesto é legítimo”, declarou um dos agricultores processados”, diz.

Agricultores vivem há mais de 20 anos na área do PA Ressaca – Verena Glas/Movimento Xingu Vivo

O projeto da mineradora está com o licenciamento suspenso, mas a empresa segue no território. As placas que restringem as atividades dos moradores não foram retiradas e seguranças armados anda transitam pela área.

“A agência de segurança patrimonial continua no espaço, cercando os acampados, cercando as pessoas que vão, como nós mesmos, do movimento”, relata Barbosa.

Além do cerceamento do território, os moradores da área e ambientalistas denunciam os danos ao meio ambiente, como o risco de contaminação das águas.

“Um dos impactos dessa mineradora é justamente que ela vai utilizar o cianeto e onde tá previsto a exploração é a menos de 100 metros da margem do rio”, afirma a pesquisadora. As ações da mineradora apresentam riscos para diversas comunidades da área, como ribeirinhos, agricultores e indígenas.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Belo Sun, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.

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