Servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de Porto Alegre (RS) realizaram um ato público e convocaram a imprensa para denunciar a precarização dos serviços e desvincular os servidores de carreira do escândalo de fraudes bilionárias envolvendo descontos ilegais em benefícios previdenciários. Organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Estado do Rio Grande do Sul (Sindisprev-RS), o protesto teve como foco defender a carreira dos servidores e expor as fragilidades estruturais do órgão.

“O INSS foi tomado por quadrilhas”, apontou Thiago Manfroi, diretor do Sindiprev-RS. A Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal em abril, revelou um esquema envolvendo entidades de fachada que desviavam valores dos benefícios de aposentados e pensionistas sem autorização. Estima-se que os prejuízos aos cofres públicos ultrapassem R$ 6 bilhões — podendo chegar a muito mais, conforme denúncias em andamento.
Os servidores, no entanto, alertam que as irregularidades vinham sendo denunciadas desde 2019, sem resposta das instâncias superiores do próprio INSS ou do governo federal.
“Essa fraude não começou agora. Ela é resultado direto da nomeação de gestores políticos externos à carreira, após mudanças legais em 2017 que abriram as portas para indicações sem vínculo técnico com o serviço previdenciário”, afirmou Alcieres Cardoso, dirigente do sindicato.

Sucateamento e terceirizações facilitaram fraudes
Durante a coletiva, os servidores apresentaram documentos, relatos e análises técnicas que sugerem o desmonte do INSS nos últimos anos. Segundo os dirigentes do sindicato, o número de trabalhadores caiu de 45 mil em 2015 para cerca de 19 mil atualmente. Em diversas regiões, a análise dos benefícios ocorre de forma remota, com uso de equipamentos pessoais e sistemas obsoletos.
“Muitos ainda usam Windows 7 ou seus computadores pessoais. Isso é o retrato do abandono do serviço público”, destacou Thiago Manfroi, servidor e diretor do Sindiprev/RS.
A digitalização de processos, defendida como modernização, também abriu brechas para fraudes, segundo os trabalhadores. “Cada nova medida de segurança vem acompanhada de novas fragilidades. É uma corrida entre a tecnologia e quem tenta burlar o sistema”, afirmou Ivan Silveira, servidor técnico da gerência de Porto Alegre e ex-diretor do sindicato.
Possibilidade de novas fraudes
O servidor Ivan Cardoso, ex-diretor do Sindisprev/RS, alertou para a existência de indícios de novas fraudes no INSS, incluindo irregularidades na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Segundo ele, essas práticas já haviam sido denunciadas ainda em 2024. “Está em andamento mais uma fraude envolvendo benefícios voltados a pessoas idosas. Utilizaram nomes de quem tinha direito, mas não havia solicitado o BPC, além do uso de documentos falsificados. Tentativas de fraudes no INSS são algo recorrente”, destacou.
Segundo os dirigentes, o corpo técnico do INSS é o principal aliado da população contra fraudes e concessões indevidas. “Estamos falando de um órgão que administra mais de R$ 1 trilhão por ano e que tem, historicamente, um dos menores índices de fraude na administração pública”, apontou o diretor Thiago Manfroi.
Impacto direto com os servidores
Em algumas agências, como a central de Porto Alegre, o número de reclamações aumentou. “A população está revoltada, e os servidores viraram alvo de desconfiança. Já ouvimos absurdos como ‘vocês estão metidos nisso’. Mas quem denunciou fomos nós”, desabafou Diana Venâncio Belo, servidora da linha de frente do atendimento.

Dificuldade de acesso ao Meu INSS
O sindicato também expressa preocupação com a possibilidade de que as vítimas da fraude, majoritariamente pessoas idosas e com pouca familiaridade com tecnologia, não consigam reaver os valores desviados para associações. Para a entidade, o procedimento criado pelo governo para a devolução dos valores é falho, pois transfere para os próprios beneficiários a responsabilidade de identificar se foram prejudicados.
Segundo relatos de servidores, o processo exige que os usuários acessem um link disponível no aplicativo Meu INSS. No entanto, a limitação no uso de smartphones e o acesso precário à internet por grande parte do público atendido pelo INSS podem impedir essa verificação. Há também receio de que familiares de beneficiários que faleceram recentemente não consigam solicitar a restituição dos valores indevidamente repassados.
“O segurado vai fazer esse contato com o Gov.br e não consegue. Fica a senha bloqueada, ele volta para a agência aborrecido, zangado. Eles realmente reclamam com a gente, porque representamos o governo ali na linha de frente, acham que a gente não está resolvendo o problema dele”, explicou Diana.
“Isso é extremamente grave e pode até fomentar a criação de um mercado paralelo de protocolos de benefícios, com intermediários cobrando porcentagens sobre valores que, em tese, poderiam ser recuperados com um simples clique, como afirmou o ministro. Mas estamos falando de um público com sérias dificuldades de acesso e uso de tecnologia. O INSS, assim como o governo federal, parece ignorar essa realidade”, concluiu Manfroi.
Servidores pedem valorização e reestruturação
Como proposta para contornar o desmonte da instituição e resgatar a confiança na entidade, os servidores defenderam uma reestruturação profunda do INSS, com valorização da carreira, realização de concursos públicos e blindagem do órgão contra indicações políticas.
“O INSS não pode continuar sendo gerido por quem não entende sua complexidade. Estamos falando do segundo maior orçamento da União. Se esse sistema colapsa, 40 milhões de famílias deixam de receber seu sustento”, alertou Thiago Manfrei.
“Queremos deixar claro que os servidores estão ao lado do povo. O que pedimos é respeito, transparência e condições dignas para continuar defendendo o direito de quem trabalhou a vida inteira”, concluiu o Alcieres Cardoso.
O INSS foi procurado para um posicionamento sobre as reivindicações do sindicato, e um retorno é aguardado.
