
Em tempos de crescente coletivismo, a responsabilidade individual tornou-se não apenas um valor moral, mas um ato de resistência política. Na ânsia de proteger o indivíduo de si próprio, o Estado moderno estendeu seus tentáculos até os recantos mais íntimos da vida pessoal, substituindo a liberdade pelo conforto da servidão voluntária. Na prática, a abdicação da responsabilidade converteu-se no preço cobrado para ingressar na comunidade dos protegidos, onde o fracasso é subsidiado e a autonomia é punida.
Como alertava o economista francês Fréderic Bastiat, o Estado é a grande ficção pela qual todos tentam viver à custa de todos os outros. Nesse teatro de ilusões, a liberdade é corroída silenciosamente sob o manto enganoso da “proteção social”. A renúncia à responsabilidade é, em última instância, a renúncia à liberdade. Um indivíduo incapaz de responder por seus atos, escolhas e consequências não é livre, mas dependente, infantilizado e manipulável.
O cenário contemporâneo confirma esse diagnóstico. No Brasil, programas como o Bolsa Família foram concebidos como medidas emergenciais, mas tornaram-se, em diversos casos, instrumentos de dependência estrutural, com famílias inteiras vivendo há anos sob amparo estatal. A própria legislação trabalhista brasileira contribui para a transferência da responsabilidade individual, eis que uma série de dispositivos – tais como 13º salário, seguro-desemprego, estabilidade e FGTS – reduzem, para o empregado, a percepção do risco como parte inevitável da liberdade. Por outro lado, infelizmente, muitos daqueles que ousam empreender são sufocados por um emaranhado regulatório e tributário, desistem do negócio e recorrem ao Estado.
A Engenharia da Tutela e a Supressão da Responsabilidade Individual
É a engenharia da tutela. Quando o risco é estatizado e o fracasso é socializado, o incentivo à responsabilidade individual é suprimido, enquanto o vício moderno de reivindicar liberdade sem ônus e dignidade sem dever é alimentado. A dignidade, aliás, não floresce onde a culpa é terceirizada, mas onde o sujeito reconhece seu poder de ação, mesmo em meio à adversidade. É por isso que sociedades que prezam a responsabilidade individual são também aquelas em que os cidadãos se orgulham de sua trajetória. É impossível alcançar dignidade vivendo sob tutela constante, assim como é impossível caminhar com a cabeça erguida sem antes suportar o peso das próprias decisões.
Testemunhamos, no entanto, o império da vitimização, no qual ser ofendido rende mais capital moral do que ser virtuoso. A cultura da culpa alheia se tornou identitária: quanto maior o ressentimento, maior o prestígio. Ser vítima, em muitos casos, virou vocação. Na Universidade Federal de Santa Catarina, por exemplo, foi registrado um caso em que um professor teve que se retratar por abordar um texto de Platão considerado “machista” por uma minoria barulhenta – não pelo conteúdo em si, mas pela ofensa sentida. O conhecimento foi subordinado à emoção e o mérito, ao melindre. E a responsabilidade, pilar das sociedades livres, passou a ser vista com desconfiança, quando não com hostilidade.
Responsabilidade Individual como Ato Sociopolítico
Por todas essas razões, portanto, a responsabilidade individual assume papel sociopolítico fundamental. É ela que delimita a fronteira entre o cidadão e o súdito, entre o livre e o tutelado. O responsável é, por natureza, refratário às imposições arbitrárias, às promessas fáceis, às trocas imorais entre autonomia e segurança. Em uma sociedade que recompensa a omissão e a dependência, ser responsável é, sim, insurgir-se contra a corrente.
O Legado Filosófico de Ayn Rand e Ludwig von Mises
Nesse sentido, o legado filosófico de pensadores como Ayn Rand e Ludwig von Mises ilumina essa verdade incômoda: a responsabilidade é inalienável. Nenhum contrato social, nenhum benefício estatal, nenhuma retórica salvacionista podem dissolver a obrigação fundamental de cada ser humano por seu próprio destino.
Quando o grito coletivo sufoca a voz individual, reafirmar a responsabilidade sobre si mesmo é a última revolução possível. Não se trata apenas de resistir às tentações do paternalismo, mas de resgatar a própria essência humana. A liberdade, para quem a compreende em sua inteireza, nunca foi gratuita: sempre exigiu o tributo silencioso e contínuo da responsabilidade individual.