Após 8 anos, atingidos por barragens da Chapada Diamantina (BA) conquistam direito à Assessoria Técnica Independente

Os atingidos por barragens na Bahia comemoram importante passo na luta por direitos. Nessa terça-feira (27), foi assinado oficialmente o Termo de Compromisso Socioambiental (TCSA), que assegura a implementação de instrumentos da Política Nacional das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) nas comunidades impactadas pela construção da Barragem Baraúnas/Vazante, na Chapada Diamantina (BA). Com a assinatura, os atingidos conquistam importante mecanismo para reivindicar respostas concretas da Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB) – responsável pela obra – e do Estado da Bahia, que há anos vem negligenciando os apelos das famílias.

A assinatura foi feita após audiência pública realizada no dia 16 de maio, que contou com a presença de representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), do Ministério Público do Estado da Bahia (MPBA), da Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) e da assessoria jurídica da CERB. Entre os instrumentos conquistados estão as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) e o Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno de Reservatório Artificial (Pacuera), ambos voltados à garantia dos direitos das comunidades atingidas e à proteção do meio ambiente frente a grandes empreendimentos.

“Esse processo demandou várias reuniões e discussões, que culminaram na data de hoje com um aceite tanto da CERB quanto da Secretaria de Infraestrutura Hídrica, que se comprometeram a realizar todo o processo de contratação da Assessoria Técnica Independente, além da alocação dos recursos necessários para isso”, explica o promotor Alan Cedraz, do MPBA.

As ATIs são fundamentais para que as comunidades participem de maneira informada e qualificada dos processos de diagnóstico, negociação e fiscalização, promovendo autonomia e capacidade de mobilização. Esta será a primeira vez que a PNAB (Lei 14.755) será implementada de forma concreta, ao definir diretrizes para a reparação integral, incluindo a obrigatoriedade da atuação das ATIs.

Para o MAB, a efetivação da lei transcende o mero cumprimento legal, trata-se de uma conquista histórica. “A assinatura desse acordo reflete anos de luta da população atingida da Chapada Diamantina. Teremos também à primeira implementação da PNAB por meio da ATI, o que garantirá o direito à informação e paridade de armas para os atingidos e atingidas”, afirma Iandria Ferreira, atingida pelo empreendimento e membro da Coordenação Nacional do MAB.

Histórico do conflito

A construção da Barragem Baraúnas/Vazante foi aprovada em março de 2017 pelo então governador Rui Costa (PT), e posteriormente veio a fazer parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Sua execução ficou a cargo da CERB, empresa vinculada à Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) do estado da Bahia.

Com capacidade para armazenar cerca de 20,86 milhões de metros cúbicos de água, o reservatório foi projetado com o objetivo de atender a diferentes demandas: abastecimento humano, dessedentação animal, agricultura irrigada e a regularização da vazão do Rio Cochó. No entanto, desde seu anúncio, o empreendimento gerou uma série de conflitos nos territórios atingidos, afetando não apenas a comunidade quilombola de Vazante, mas também cerca de 200 atingidos nas comunidades ribeirinhas de Caititu, Marcelos e Baraúnas, nos municípios de Boninal e Seabra.

Manifestação em frente à CERB, em Boninal, em setembro de 2024 – Geosseia Ferreira / MAB

Em 2018, a CERB moveu uma ação judicial de desapropriação de duas áreas destinadas à construção de casas, nas quais os atingidos seriam remanejados de forma precária. As famílias denunciaram que a ação foi realizada sem consulta prévia e que representava uma tentativa de descaracterizar o conflito. Além disso, houve a tentativa de individualização das negociações, o que levou o MAB a denunciar a conduta da empresa e apontar uma série de direitos humanos violados, como o direito à informação,  à participação, à plena reparação das perdas, à moradia adequada, dentre outros.

Após intensa pressão das famílias organizadas no movimento, foi constituída uma mesa de diálogo. Após a realização de diversas rodadas de negociação e solicitações para o cancelamento da ação judicial, a CERB desistiu da iniciativa.

Em 2019, o MAB apresentou uma proposta voltada à garantia dos direitos das comunidades, mas diante da ausência de respostas da empresa, o movimento optou por ocupar sua sede em Salvador, ação que impulsionou avanços no diálogo e na pauta de reivindicações – que incluía a regularização fundiária, indenizações justas e o reassentamento das famílias. No mesmo ano, o MAB fez uma representação junto ao Ministério Público, dando abertura a um processo de Inquérito Civil.

Durante o período de pandemia da Covid-19, as obras ficaram paralisadas, e, consequentemente, o processo de Inquérito. Ainda assim, ao longo dos anos, as negociações seguiram de forma instável, com poucos avanços efetivos.

A obra foi retomada no ano passado e tem previsão de conclusão ainda em 2025 – SECOM/BA

Em 15 de dezembro de 2023 foi sancionada a Lei 14.755, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), um instrumento jurídico essencial para mensuração dos danos, mas também de equiparação e de justiça social aos atingidos.

“Com a aprovação da lei, o Ministério Público então direciona seu Inquérito Civil – sem descuidar das outras questões que são tratadas no procedimento – buscando a implementação da contratação de Assessoria Técnica Independente. Com isso, visa garantir que a comunidade tenha essa ferramenta de equiparação”, destaca Cedraz.

Em abril deste ano, o Movimento enviou uma carta ao governador Jerônimo Rodrigues (PT), cobrando medidas de reparação e denunciando o prolongado conflito que se arrasta há mais de oito anos. O MAB destaca que, embora a obra esteja perto de sua conclusão, os atingidos seguem paralisados pela incerteza, aguardando uma reparação que nunca chega.

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