Fila da bariátrica: CFM amplia o público elegível, mas SUS realiza apenas 10% dos procedimentos


De 2020 a 2024, apenas 10% das cirurgias bariátricas foram feitas pelo SUS e as longas filas de espera na rede pública ainda tornam o procedimento uma realidade distante para quem mais precisa. Fila da bariátrica: CFM amplia o público elegível, mas acesso à cirurgia é um problema no Brasil
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Nos últimos quatro anos, o número de cirurgias bariátricas feitas no Brasil aumentou 42%, mas 90% delas foram feitas por planos de saúde ou particulares. No total, foram mais de 290 mil procedimentos e apenas 10% deles feitos pelo SUS. Neste mês, o Conselho Federal de Medicina (CFM) mudou as regras e ampliou a recomendação para este tipo de cirurgia.
Mas as filas de espera na rede pública ainda tornam o procedimento uma realidade distante para quem tem uma doença que pode levar à morte. Além disso, o perfil de pacientes que está na fila de espera é de quem não tem acesso ao tratamento farmacológico para a obesidade.
Antes, a bariátrica só era permitida para pessoas com IMC a partir de 35 e este número agora foi reduzido para 30. A entidade também incluiu os adolescentes entre os pacientes que podem fazer o procedimento.
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O g1 ouviu pacientes, especialistas e secretarias estaduais de saúde para entender como anda a fila de espera para o procedimento na rede pública.
“Existem hospitais públicos que têm filas de cinco, sete, nove anos, com pacientes aguardando para realizar a bariátrica”, afirma Cintia Cercato, presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) e diretora do departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
➡️🗓️ No Rio de Janeiro, o tempo médio de espera hoje está em 403 dias. Em fevereiro de 2023, era de 1.300 dias, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-RJ).
O órgão informa que “a cirurgia bariátrica não é considerada procedimento de urgência e a regulação desse recurso é feita basicamente pela ordem cronológica, com prioridade para os pacientes que estão próximos de completar 65 anos, idade limite para serem submetidos à cirurgia”.
➡️Em São Paulo, de janeiro a março deste ano, foram realizadas 505 cirurgias bariátricas no estado, nos hospitais do SUS, segundo a Secretaria de Estado da Saúde. Em 2024, foram realizadas 2.033 cirurgias; em 2023 foram 1.434; em 2022 foram 1.332 e em todo ano de 2021 foram 582.
A secretaria destaca que a jornada até a cirurgia em si envolve, no mínimo, dois anos de acompanhamento clínico, durante os quais o quadro clínico do paciente é analisado para garantir que a cirurgia seja a melhor opção.
“Entre os anos de 2023 e 2024, houve um aumento de 80% no número de cirurgias bariátricas por videolaparoscopia e, com isso, as instituições filantrópicas que realizaram o procedimento receberam a complementação de R$11,3 milhões do tesouro do estado”, informa a secretaria.
Fila oficialmente não conhecida
O Ministério da Saúde não tem uma estimativa do tamanho da fila para a realização desta cirurgia no SUS. Em resposta ao g1, informou que trabalha para, a partir do 2º semestre de 2025, ter o conhecimento real da totalidade das filas de espera por cirurgias em todo o país, bem como por procedimentos ambulatoriais.
Isso porque, a partir do 2° semestre, deverá ser obrigatório o envio, por parte dos entes federados, dos registros de regulação assistencial para a Rede Nacional de Dados em Saúde.
Pacientes de São Paulo sonham com vida nova após a cirurgia
Jessyka estuda pedagogia e deseja voltar a fazer exercícios, andar de bicicleta com a filha e até amarrar o cadarço sem dificuldade. Ela sonha em trabalhar em berçário, mas com o peso atual, de 133 kg, revela ser difícil exercer essa função.
Laionise Moraes Crudi, 34 anos e 161kg, também ficou cerca de três anos sendo acompanhada por psicólogo e nutricionista e somente agora deve conseguir entrar na fila oficialmente para realizar a cirurgia. Ela já trabalhou como manicure e conta que não consegue mais trabalhar fora, cansa muito rápido e sente fortes dores no joelho e calcanhar.
“Hoje tenho certeza que a cirurgia bariátrica é o que vai salvar a minha vida. Sonho em conseguir atender minhas clientes com mais disposição voltar a trabalhar em salões grandes. A cirurgia não deveria demorar tanto”, conta.
Como os médicos avaliam a ampliação da indicação para a cirurgia
Cercato destaca uma nova tendência de enxergar a obesidade além do IMC. A médica participou da Câmara técnica do CFM, quando houve a discussão sobre a atualização da resolução, e destaca que a ampliação da indicação para pacientes com IMC entre 30 e 35 é específica para quando o excesso de peso está traz consequências graves à saúde. O objetivo é identificar pacientes que, apesar de não terem índices tão altos, têm uma gordura ‘perigosa’.
“A gente entendeu que existem pacientes que têm o grau 1 de obesidade (IMC de 30 a 35), mas que a adiposidade desse paciente traz consequências metabólicas e mecânicas muito importantes. É aquele paciente com apneia do sono grave, que já tem gordura no fígado com fibrose e com o risco de evoluir para cirrose ou câncer de fígado. Ou que tem uma osteoartrose grave, que limita sua mobilidade”, explica.
A médica acrescenta que, no Brasil, o perfil de pacientes que mais buscam a bariátrica é do sexo feminino, com idade entre 35 e 40 anos. Boa parte tem histórico familiar de obesidade e doenças associadas, principalmente hipertensão.
O cirurgião Fernando de Barros, coordenador do Programa de Cirurgia Bariátrica no Hospital São Francisco na Providência de Deus (RJ) voltado para pacientes do SUS, acredita que a ampliação da indicação é um grande avanço, uma vez que já que existia uma grande parcela de pessoas portadoras de obesidade, diabetes e síndrome metabólica com IMC entre 30 e 35 e sem controle somente com tratamento clínico e medicação.
“Agora, o tratamento estará acessível a pessoas que tinham necessidade da cirurgia, mas que não podiam se submeter ao procedimento por conta das resoluções anteriores”, afirma.
Pessoas com IMC acima de 35 terão prioridade na fila?
Barros explica que, no Brasil, não temos um sistema de cirurgia bariátrica de acordo com a gravidade, como ocorre com o transplante de órgãos. No caso da obesidade, a fila ocorre por ordem de chegada.
“Quando a gente fala de gravidade, não é peso, nem IMC. Pelo contrário. As pessoas mais graves são as pessoas que têm diabetes mais grave ou hipertensão mais grave e muitas delas, talvez a maioria, estejam com IMC entre 30 e 35”, explica Barros.
Remédios inibidores de apetite podem diminuir a busca pela bariátrica?
O SUS não oferece ainda nenhum tratamento farmacológico para a obesidade. Cercato destaca que apenas uma parcela ‘ínfima’ da população tem acesso a medicamentos como Ozempic e Mounjaro, indicados para o tratamento da diabetes tipo 2, mas que também têm ganhado popularidade no controle de peso corporal e representam uma nova fase do tratamento da obesidade.
O custo mensal do tratamento com o Mounjaro, que chegou às farmácias em maio, por exemplo, custa a partir de R$ 1.406,75.
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“A gente ainda não consegue enxergar o impacto da presença dos medicamentos mais potentes na redução do número de cirurgias ou na redução da busca pela cirurgia bariátrica. Inclusive, tanto o uso de medicamentos quanto a realização da bariátrica ainda é muito pequeno, perto do tamanho do problema da obesidade no país”, explica a médica.
A endocrinologista Lorena Lima Amato, doutora pela Universidade de São Paulo, afirma que os resultados obtidos com a tirzepatida (princípio ativo do Mounjaro) e a semaglutida (princípio ativo do Ozempic) – de 20% e 15% de perda do peso corporal – podem ser comparados aos resultados da cirurgia bariátrica. Porém, pacientes com histórico de neoplasias endócrinas múltiplas e pancreatite precisam de uma atenção maior. Para alguns deles, esses medicamentos podem ser contraindicados.
Barros acredita que a associação de remédio com cirurgia para os casos mais graves deve ser o futuro do tratamento da obesidade.
Ele afirma que o tratamento para a doença com medicação é sempre bem-vindo, mas o resultado ainda é muito inferior ao de uma cirurgia bariátrica.
“Independente se a pessoa tem ou não tem dinheiro para comprar o remédio, se ela tem uma obesidade grave, uma síndrome metabólica grave, o melhor tratamento não é o remédio. É a cirurgia. O remédio não substitui a cirurgia. Ele pode ajudar no pré e pós-operatório”, declara Barros.
Os médicos ouvidos pelo g1 defendem uma linha de cuidados para a prevenção da obesidade, além do tratamento da doença, a fim de evitar que pacientes atinjam um grau de obesidade mais importante ou que tenham as complicações. E esses cuidados incluem reeducação alimentar, inclusive nossas escolas, passando por incentivo da mudança de estilo de vida e incentivo ao esporte desde cedo.
24,3% dos adultos brasileiros declararam ter obesidade
Os dados mais atualizados da pesquisa anual Vigitel, do Ministério da Saúde, indicam que:
Em 2023, 24,3% dos adultos (18 anos ou mais) brasileiros declararam ter obesidade (IMC ≥ 30 kg/m²), o que representa um aumento de mais de 100% em relação a 2006 (11,8%).
Já entre adolescentes (13 a 17 anos), a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), de 2015, aponta que 7,8% dos adolescentes apresentavam obesidade, sendo maior a prevalência entre os meninos (8,3%) e estudantes de escolas privadas (9,3%).
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