Por que a indústria lidera a lista de pedidos de recuperação judicial?

indústria automobilística montadora de automóveis
Foto: Freepik

*Artigo escrito por Thiago Rezende, advogado especialista em Direito Empresarial e Recuperação Judicial, sócio do escritório Finamore Simoni Advogados.

No primeiro trimestre de 2025, o setor industrial voltou a liderar, com ampla margem, o número de pedidos de recuperação judicial no Brasil. Dados divulgados pela consultoria RGF & Associados revelam que, de um total de 4.881 requerimentos, 1.112 foram apresentados por empresas industriais, representando aproximadamente 23% do total nacional.

A recorrência dessa posição evidencia não um problema pontual, mas sim uma fragilidade estrutural do setor diante das condições econômicas do país e dos desafios operacionais típicos da atividade industrial.

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O setor industrial é caracterizado por uma estrutura de capital intensiva e por uma grande dependência de crédito.

Máquinas, tecnologia, sistemas logísticos e ativos fixos são pilares indispensáveis da atividade fabril — e, por consequência, implicam elevados níveis de endividamento.

Com a taxa Selic mantendo-se em patamares elevados (12,25% ao ano ao final de 2024, com previsão de alta em 2025), o custo do capital tornou-se insustentável para muitas companhias industriais, que já operavam com margens apertadas.

Recuperação judicial x indústria nacional

Além da questão financeira, a indústria nacional está exposta a um ambiente macroeconômico instável, com alta volatilidade cambial, inflação pressionada e retração no consumo interno.

Fatores exógenos, como choques climáticos, conflitos geopolíticos e gargalos logísticos globais, também interferem diretamente no desempenho industrial, em especial nos segmentos de base agrícola e alimentício, como os frigoríficos, laticínios e usinas sucroalcooleiras.

Nesse sentido, a retração do consumo e a inadimplência em cadeia agravam o cenário de estrangulamento de caixa.

Pequenas e médias indústrias

De forma particular, chama atenção o aumento de recuperações em setores antes resilientes, como o de alimentos e bebidas.

A razão é multifatorial: queda no consumo das famílias, aumento dos custos de insumos, carga tributária elevada e burocracia regulatória excessiva.

Pequenas e médias indústrias, com menor capacidade de absorção de choques, são as mais afetadas. Muitas sequer conseguem acessar capital de giro por meios tradicionais, seja pela restrição imposta por bancos, seja pela ausência de garantias reais.

Nesse sentido, merece destaque o papel central da recuperação judicial como ferramenta jurídica legítima e eficaz para viabilizar a superação da crise econômico-financeira da empresa.

Recuperação judicial visa preservar a empresa

Prevista nos artigos 47 e seguintes da Lei nº 11.101/2005, a recuperação judicial tem por finalidade preservar a empresa, sua função social e a manutenção dos empregos, promovendo, de forma organizada, a reestruturação de suas dívidas e a renegociação com credores sob supervisão judicial.

Ao contrário do senso comum que associa o pedido de recuperação à falência iminente, trata-se de um mecanismo legal estratégico, voltado a empresas que ainda possuem viabilidade econômica, mas que enfrentam desequilíbrios financeiros em sua estrutura de capital ou fluxo de caixa.

Para a indústria, em especial, a recuperação judicial tem se revelado um instrumento eficaz na tentativa de reorganizar operações, ajustar a estrutura financeira e recuperar a competitividade perdida.

Nesse processo, é possível suspender ações e execuções, proteger ativos essenciais à atividade empresarial e obter novos financiamentos (como o DIP financing) para dar continuidade à produção.

Ainda que os desafios na prática sejam significativos — como a resistência dos credores e a necessidade de apresentação de um plano crível e executável — a recuperação judicial, se bem estruturada e assessorada, tem potencial para resgatar valor, evitar a falência da empresa e preservar a cadeia produtiva.

A resposta ao fenômeno não é simples. Passa por reformas estruturais, estímulo à reindustrialização, redução do custo Brasil, revisão do sistema tributário e, sobretudo, pela criação de mecanismos jurídicos e econômicos que promovam a recuperação preventiva, em vez de meramente remediar a falência iminente.

Em suma, uma das causas da liderança das indústrias na lista de recuperações judiciais se dá por serem estruturalmente vulneráveis em um país que historicamente negligencia sua modernização e competitividade.

Thiago Rezende é advogado especialista em Direito Empresarial e Recuperação Judicial. Foto: Acervo pessoal
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