
“Ele dorme na minha cama, come o que eu como e vai comigo até ao mercado.” Se você se identificou, talvez já tenha ouvido alguém dizer: “mas você trata esse bicho como um filho!”. Essa humanização dos animais de estimação é cada vez mais comum, mas psicólogos alertam: quando o afeto ultrapassa certos limites, pode deixar de ser saudável tanto para o tutor quanto para o animal. E os sinais desse desequilíbrio podem ser mais sutis do que parecem.
Quando o amor pelo pet vira exagero: sinais de alerta
A expressão “pet como filho” é geralmente usada com ternura. No entanto, o excesso de projeção emocional pode transformar o vínculo em algo disfuncional. Segundo especialistas, o problema não está em amar ou cuidar bem do pet, mas em usá-lo como substituto para vínculos humanos ou para lidar com frustrações emocionais.
A psicóloga comportamental Juliana Menezes explica que muitos tutores transferem para o animal expectativas que normalmente seriam direcionadas a filhos ou parceiros. Isso pode incluir sentimentos como ciúme, controle excessivo, dependência emocional ou ansiedade quando o animal não está por perto.
Pet não é terapeuta: o risco da sobrecarga emocional
Animais são sensíveis ao nosso estado emocional. Mas quando passamos a tratar o pet como uma espécie de “terapeuta”, é possível que ele comece a sofrer os efeitos do estresse do tutor. Cães que desenvolvem ansiedade de separação, gatos que mudam o comportamento após conflitos familiares e até comportamentos agressivos podem ser consequência de um ambiente emocionalmente desregulado.
“Existe um limite entre carinho e sobrecarga. Quando o pet começa a demonstrar sinais de estresse, como destruição de objetos, latidos constantes ou mudanças no apetite, é hora de avaliar se o vínculo está saudável”, alerta Juliana.
Carência afetiva ou relação equilibrada?
Tratar o pet como um membro da família é natural. Mas é importante que o tutor mantenha uma vida emocional equilibrada fora da relação com o animal. Quando todas as interações afetivas são direcionadas ao pet, há um risco real de isolamento social e reforço de comportamentos escapistas.
A terapeuta de vínculos familiares, Clara Saldanha, destaca que “os pets não estão aqui para suprir nossas ausências emocionais. Eles são companheiros, não substitutos”. Quando alguém evita relacionamentos humanos e se volta exclusivamente ao convívio com o animal, pode estar mascarando uma dor emocional mais profunda — que só a terapia pode ajudar a tratar.
Impacto na saúde do animal
A humanização extrema também afeta a saúde física do pet. Um exemplo clássico é a alimentação: dar doces, massas ou alimentos humanos ao animal por “carinho” pode provocar obesidade, problemas digestivos e doenças crônicas. O mesmo vale para roupas, acessórios desconfortáveis ou passeios inadequados para a espécie.
Veterinários relatam casos de cães que não aprendem a ficar sozinhos por sequer terem um momento sem o tutor. Isso compromete a autonomia do animal e o condiciona a um comportamento disfuncional, dificultando a convivência em ambientes sociais e até afetando a resposta a tratamentos médicos.
Como manter um vínculo saudável com seu pet
O segredo está no equilíbrio. Amar o pet profundamente, cuidar com responsabilidade e dedicar tempo de qualidade são atitudes positivas — desde que não se tornem substitutas de outras áreas da vida.
É fundamental garantir que o animal tenha rotina, alimentação adequada, socialização com outros da mesma espécie e momentos de descanso. Para o tutor, isso inclui buscar relações humanas significativas, cultivar hobbies e estar atento à própria saúde emocional.
Procurar ajuda terapêutica não significa amar menos o pet. Pelo contrário: significa amar de forma mais madura, permitindo que o vínculo cresça com respeito às necessidades de ambos.
Amar com limites é também amar de verdade
Tratar seu pet com amor e cuidado é uma demonstração de responsabilidade e afeto. Mas quando o animal se torna o único ponto de apoio emocional, é hora de repensar. Psicólogos não sugerem que você ame menos, e sim que diversifique suas fontes de afeto — pelo bem do animal, e pelo seu também.
Afinal, um vínculo saudável não se baseia na dependência, mas na presença amorosa e consciente. Amar é também permitir que cada um — humano e pet — tenha espaço para ser quem é, com liberdade, segurança e equilíbrio emocional.