EUA não renovam licença para Chevron, economia venezuelana pode sofrer, mas PDVSA garante produção

A licença para a empresa petroleira Chevron atuar na Venezuela expirou em 27 de maio e a Casa Branca não renovou a autorização. A principal exportadora do petróleo venezuelano só voltará a operar com Caracas se os Estados Unidos mudarem de ideia, e, como a medida não foi detalhada, gerou muita preocupação para a economia do país.

Responsável por produzir e comercializar cerca de 220 mil barris de petróleo diários na Venezuela, ao menos 20% do petróleo venezuelano, a Chevron garantia ao governo do país uma entrada de dólares significativa em meio a um forte bloqueio que impedia ao país vender seu principal produto para o mercado internacional. 

O país caribenho passa por instabilidade financeira que pode ser agravada com essa decisão. A moeda local, o bolívar, é constante desvalorizada frente ao dólar, prejudicando o poder de compra dos venezuelanos. Em um ano, a cotação do dólar passou de 36 bolívares para 97, desvalorização de quase 200%.

De acordo com o cientista político William Serafino, a tendência é que essa desvalorização piore, já que a oferta de dólares no mercado será ainda menor. Ele afirma ainda que a saída da Chevron terá impactos nas regiões, por a empresa ter poços e refinarias em diferentes estados. 

“Podemos ter um novo pico de instabilidade e o aprofundamento de uma tendência que seria a desvalorização do bolívar, que foi o que vimos nos últimos meses. Há também implicações regionais nos lugares em que a Chevron opera, já que a empresa atuou como um revitalizador das áreas econômicas ligadas ao negócio petroleiro. Além de que os trabalhadores das empresas mistas passaram a receber salários maiores depois da reativação das operações, o que se traduz em um impulso da demanda de bens e serviços nos lugares em que a Chevron opera”, disse ao Brasil de Fato.

Além de exportar petróleo, a Chevron também trabalha em conjunto com a estatal petroleira venezuelana PDVSA na produção de barris. Um desses casos é a Petroindependência, empresa mista que pertence majoritariamente à PDVSA (60%), mas tem participação de 34% da Chevron. De acordo com a lei de hidrocarbonetos da Venezuela, as empresas mistas devem pagar 33% de royalties para a PDVSA e 50% de imposto de renda para o Estado.

A empresa estadunidense tem participação também em outras três empresas mistas nas quais ela é sócia minoritária da estatal venezuelana PDVSA: Petropiar, Petroboscán e Petroindependiente.

O governo tentou acalmar os ânimos e dar um sinal positivo para o mercado e os venezuelanos. A porta-voz para isso foi a vice-presidente e ministra do Petróleo, Delcy Rodriguez. De acordo com ela, as operações nos campos em que a Chevron trabalhava seguem normalmente. 

“O Departamento do Tesouro revogou licenças dessas empresas petrolíferas que operam no país. Mas até agora os campos Petro Boscán, Petropiar, Petroindependência, Petro Junín, Petro Sucre, Petro Quiriqui, Petro Regional del Lago e Cardón 4 estão em plena produção. Os trabalhadores da PDVSA mantêm seu plano de produção, apesar de que tanto PDVSA quanto seus parceiros sejam vítimas de medidas coercitivas unilaterais”, afirmou.

Engenheiros da PDVSA ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que a Chevron facilitava a entrada do petróleo venezuelano no mercado dos EUA, mas ainda assim é possível manter a média de 1 milhão de barris diários e vender para outros mercados. Isso porque a maioria dos que trabalhavam nas equipes da Chevron são venezuelanos e que podem manter as operações por terem conhecimento da estrutura. 

A maior parte da estrutura de exploração petroleira é da PDVSA, assim como os engenheiros especializados são contratados pela estatal venezuelana. Exemplo disso é a empresa mista Petro Boscan. A companhia produz cerca de 100 mil barris diários de petróleo pesado e tem autonomia operativa. A Chevron coopera com a coordenação e, principalmente, com a manutenção do maquinário. A partir do momento em que a Chevron deixa de promover a entrada do petróleo no mercado estadunidense, a empresa fica responsável pela manutenção. 

A saída da Chevron foi anunciada por Trump em fevereiro. A empresa então teria 30 dias para encerrar suas atividades no país. Os impactos econômicos para Caracas não estão claros e ainda são difíceis de ser calculados. Considerando os valores do barril de petróleo desta terça-feira (3), a Venezuela deixará de receber US$ 13,8 milhões (R$ 78,6 milhões) por dia só com a saída da Chevron.

A Casa Branca também proibiu que qualquer companhia faça negócios com o setor petroleiro venezuelano, ameaçando novas sanções para quem entrasse no mercado do país caribenho. No tarifaço anunciado em abril, o presidente Donald Trump também determinou taxações de 25% para os países que comprassem petróleo da Venezuela. 

A Venezuela chegou em janeiro e fevereiro a produzir 1 milhão de barris de petróleo por dia. Esse valor representa uma retomada depois de 8 anos de sanções contra o mercado petroleiro venezuelano e era uma meta da gestão de Nicolás Maduro. 

Além da Chevron, outras empresas estrangeiras tiveram que deixar o país. Mesmo com uma presença que não é tão expressiva, a espanhola Repsol e a italiana Eni mantinham uma presença na Venezuela e produziam, juntas, cerca de 70 mil barris diários de petróleo.

Ainda que o discurso do governo seja de tranquilidade, a Venezuela não tem estrutura para produzir e exportar o petróleo que era de responsabilidade da Chevron. A partir de agora, a saída será buscar novos parceiros ao redor do mundo para tentar vender o produto no mercado internacional e garantir a entrada desses dólares. 

Para William Serafino, a tendência é que os integrantes do Brics possam ajudar a Venezuela neste momento, especialmente Rússia e China, países sancionados pelos Estados Unidos e que poderiam assumir o risco de produzir petróleo no país. 

“A indústria estava se recuperando, mas é difícil dizer se tem uma capacidade instalada concreta para assumir esses campos. Pode haver uma mudança na associação da PDVSA para poder trabalhar nesses campos. A indústria venezuelana não tem músculo financeiro para manter o fluxo de investimento nesses campos. Essa capacidade instalada, ainda que recuperada, está comprometida por períodos anteriores das sanções. Isso tem a ver com capacidade instalada própria de uma indústria petroleira que tem que trabalhar intensivamente nos campos”, afirmou.

Cenário incerto

Analistas venezuelanos interpretam a não-renovação da licença 41B da Chevron como uma possível brecha para outras formas de atuação no país, como alugar espaços e equipamentos, desde que não negociem diretamente com o governo.

Engenheiros da PDVSA apontam que a decisão prejudica a confiança de investidores e a credibilidade da petroleira. A triangulação para vender petróleo no mercado asiático, embora garanta a entrada de dólares, implica um desconto de quase 40%.

A economia do país pode sofrer um impacto, com o governo prevendo crescimento econômico para 2025, apesar do repique da inflação, que atingiu 172% em 12 meses, segundo o Observatório Venezuelano de Finanças.

Política estadunidense

A decisão do governo Trump de cancelar uma licença impacta tanto a geopolítica quanto a política interna dos EUA. Congressistas da Flórida, conhecidos como “Crazy Cubans” (María Elvira Salazar, Mario Díaz Balart e Carlos Giménez), influenciaram essa decisão devido à sua postura anti-governos de esquerda latino-americanos e apoio a Marco Rubio.

Essa ala “ideológica” se opõe a negociações com Maduro, diferente de uma ala mais pragmática que busca usar a Chevron como instrumento de pressão. Para Serafino, essa disputa interna pune a tentativa de negociação e o espaço para Rússia e China na Venezuela

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