No Dispensário Santana, a solidariedade se transforma em alimento, em abraço e, sobretudo, em esperança. São, em média, 750 mulheres que recebem semanalmente alimentos. “A maior sede, a maior fome que essas mulheres sentem é do acolhimento. É de uma palavra, é de um sorriso, é saber que alguém está olhando para elas”, disse Irmã Rosa, diretora da entidade que há décadas se dedica a acolher mulheres em situação de vulnerabilidade social em Feira de Santana.
O desabafo carrega a urgência de quem vê, todos os dias, rostos marcados pela luta contra a fome, a violência e o abandono. Mulheres que chegam de todos os cantos da cidade — bairros como Aeroporto, Pampalona, Tomba, George Américo — em busca de alimento, mas, sobretudo, de amparo humano. É essa lacuna que o Dispensário, junto com uma grande rede de apoio e a mobilização social, tenta preencher.
Para Irmã Rosa, as mais de 400 cestas básicas entregues pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) na última quarta (4), fruto de uma campanha que nasceu ainda em março, durante a 3ª Caminhada de Combate à Violência Contra a Mulher, foram fundamentais para o fortalecimento dessas mulheres em situação de vulnerabilidade. A parceria com a polícia se torna uma grande corrente contínua de arrecadação e solidariedade que a instituição tenta manter.
“Foi uma bênção, chegou na hora certa. Eu ia começar a distribuir ontem, mas segurei um pouco para juntar mais e garantir que cada uma receba uma cesta igual a todos. E hoje eu já recebi um grande presente da Vipal Borrachas, que me presenteou também, dizendo que vai chegar alimento lá para que eu possa distribuir. E eu estou com aquela alegria de celebrar um São João diferente na mesa dessas famílias”, contou Irmã Rosa ao Acorda Cidade.
Além da distribuição de alimentos, o Dispensário traz educação e empoderamento por meio de atividades que promovem autonomia e fortalecimento pessoal. Bordado, pintura, momentos de oração, escuta e partilha fazem parte da rotina delas. O objetivo é acolher, mas também dar a elas um anzol, para que possam pescar o próprio peixe. “A nossa missão é humanizar e qualificar vidas na arte de amar e servir.”
Ainda assim, a demanda supera os recursos. “Me dói ver aquela multidão de mulheres no portão do Dispensário buscando uma migalha, porque a gente não tem 750 cestas básicas toda semana. […] Eu agradeço muito a quem tem essa iniciativa de lembrar dos mais carentes, de ter essa sensibilidade, de olhar para quem mais necessita, porque a fome dói”, desabafou.
A delegada da Deam, Lorena Almeida, também esteve presente no momento de entrega das cestas. Ao Acorda Cidade, ela também falou sobre o trabalho da Civil no combate à violência contra a mulher. “Estamos aqui para dar o nosso melhor, nós somos servidores públicos. Estamos aqui para servir ao público, para desempenhar o nosso melhor papel, que é o de atender as vítimas, entender o que elas precisam, investigar os crimes que estão acontecendo e dar a devida resposta.”
Uma rede que salva vidas
Além do Dispensário, as doações também foram destinadas ao Centro de Referência Maria Quitéria (CRMQ), vinculado à Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres, que oferece acompanhamento psicológico, social, jurídico e apoio para mulheres vítimas de violência.
A secretária Neinha Bastos ressaltou a importância de fortalecer essa rede de proteção que acolhe mulheres, trabalha a autoestima, prepara para o mercado de trabalho e, quando necessário, faz o acolhimento fora da cidade, quando o risco de feminicídio é iminente.
“A mulher precisa entender. É o seu marido, namorado, ficante, mas você precisa entender que tudo aquilo que é imposto a você, que você não concorda, já é uma violência. A secretaria também abrange essas mulheres que nos procuram e a gente sempre tem a vertente para poder fazer ela se sentir segura.”
Violência em Feira de Santana
De acordo com a diretora do Departamento de Proteção à Mulher, Cidadania e Vulneráveis (DPMCV), delegada Juliana Fontes, a média de registros de agressões contra mulheres em Feira de Santana chega a 250 ocorrências por mês.
“É um dado que preocupa. E a gente precisa, além de combater, prevenir. Por isso, ações como essa, que começam com uma caminhada, se transformam em solidariedade, em cuidado, em atenção a quem mais precisa”, destaca a delegada, que esteve na cidade para acompanhar a entrega dos alimentos e fortalecer as diretrizes da Deam de Feira.
A diretora do DPMCV ainda lembra que, além dos registros, são produzidos mensalmente cerca de 40 inquéritos policiais, enviados à Justiça como resposta à violência de gênero.
DPMCV
Criado em junho de 2023, o DPMCV é um setor da Polícia Civil da Bahia que coordena as delegacias que atuam na defesa de mulheres, crianças, adolescentes, idosos e outros grupos vulneráveis. Além disso, também responde por crimes de intolerância racial e religiosa, por meio da Delegacia de Combate aos Crimes de Intolerância (Decrim), que funciona apenas em Salvador.
O Departamento é responsável por acompanhar, fortalecer e orientar o trabalho das 15 DEAMs no estado, além de outras unidades, como a Delegacia de Atendimento ao Idoso e a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes contra Criança e Adolescente. Segundo Juliana Fontes, o objetivo é garantir que essas delegacias atuem de forma mais qualificada e humanizada, oferecendo acolhimento, investigação e encaminhamentos adequados para quem mais precisa.
Com informações do repórter Ed Santos do Acorda Cidade
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