Fototeca Mineira é resposta direta ao negacionismo de Romeu Zema

Um dia antes do depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal a respeito da campanha encabeçada desde os EUA por Eduardo Bolsonaro contra ministros do STF, o governador de Minas, Romeu Zema, declarou que a existência da ditadura militar no Brasil é “uma questão de interpretação”. Contradizendo o que diz a história e o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, que apurou graves violações de Direitos Humanos ocorridas durante o regime militar, e que orienta medidas de reparação aos danos causados pelos 21 anos da ditadura.

O pronunciamento de Zema demonstra as suas claras intenções em naturalizar a violência exercida historicamente pelas elites dominantes brasileiras por meio do Estado, assim como tem a intenção de endossar a campanha pela anistia a Bolsonaro e demais responsáveis pelos atentados terroristas do dia 8 de janeiro de 2023.

Nadine Borges, socióloga e ex-assessora da Comissão Nacional da Verdade, nos lembra em sua tese de doutorado sobre  o “comando de esquecimento”, um conceito que explicita o modo como as elites civis e militares atuam para apagar, invisibilizar, confundir e distorcer aquilo que elas mesmas entendem que pode ser prejudicial ao seu projeto de poder.

O garantir o esquecimento é uma tática de apagamento da memória por parte de agentes do Estado brasileiro e de suas instituições, como mostra o relatório da Comissão Nacional da Verdade, a Lei da Anistia em 1979, onde foi garantida a não-responsabilização de mais de 300 torturadores e violadores de direitos da ditadura civil-militar de 1964.

Sistema Nacional de Fototecas

Diante da violência de tal diagnóstico sobre a realidade social brasileira, a sociedade civil precisa ser propositiva quanto à defesa do direito à memória que é um direito que ainda não é expresso de forma literal na Constituição Federal de 1988 mas que está implicitamente garantido em diversos dispositivos, especialmente naqueles que tratam da dignidade da pessoa humana, direitos culturais e direito à verdade histórica, conforme o que diz a própria Lei nº 12.528, de 2011, que cria a Comissão Nacional da Verdade com a finalidade de “efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.

Empenhados na luta pela defesa da memória brasileira, a Rede de Produtores Culturais da Fotografia do Brasil tem reunido esforços a nível nacional para que seja implementado um Sistema Nacional de Fototecas. Projetos de leis a nível estadual já foram sancionados nos estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte e também estão em tramitação em  São Paulo e em Minas Gerais, através do PL 2803/2024 de proposição da deputada estadual Leninha (PT/MG).

“Preservar a memória é dever do Estado. Mesmo com o trabalho relevante de museus e arquivos, os acervos fotográficos seguem à margem, invisibilizados e ameaçados. Criar a Fototeca Mineira é reconhecer a fotografia como patrimônio cultural e garantir que a história do nosso povo seja contada por suas próprias imagens. É uma oportunidade histórica de Minas assumir protagonismo na preservação da memória, especialmente quando o próprio governador coloca em dúvida fatos históricos ao tratá-los como ‘questão de interpretação’”, afirma a deputada.

Para Henrique Fernandes, membro da Rede e da comissão pela Fototeca Potiguar no estado do Rio Grande do Norte, a preservação de acervos digitais trás desafios ainda maiores que os desafios da preservação da época da fotografia analógica. “O problema da preservação de acervos digitais se tornou muito mais desesperador que a preservação de acervos físicos, muito mais eminente, à vista do que já existiu em termos de preservação. O Brasil hoje tem uma ausência completa de estratégia de construção e preservação de acervos digitais, a exemplo disso é o que aconteceu com o próprio Ministério da Cultura que foi extinto durante o governo Bolsonaro, resultando na destruição digital de documentos que o próprio ministério construiu ao longo do tempo. Quando o MinC foi reconstruído não se tinha mais uma base de dados de várias informações da pasta”.

Fernandes alerta sobre os desafios para uma política de memória com o avanço da inteligência artificial. “Com o advento da imagem por Inteligência Artificial, logo teremos a necessidade de checar o que é uma fotografia real e o que é uma fotografia produzida por Inteligência Artificial e mais uma vez coloca a importância das fototecas e da preservação da memória e da história para sabermos o que é imagem produzida e captada através da luz e o que é produzido de maneira artificial. Então é necessário pensarmos sobre a necessidade de preservação de nossa época, de nossa história e de nossa memória e a discussão das Fototecas a nível nacional vem dentro dessa perspectiva de dar uma resposta ao segmento da fotografia”, aponta.

Fototeca mineira

Atualmente o PL 2803/2024 da Fototeca Mineira está em tramitação na Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária, tendo tramitado nas comissões de Constituição e Justiça e Cultura, onde recebeu pareceres que alteram substancialmente a proposta original, o que coloca a iniciativa sob risco de pouca efetividade e inconstitucionalidade.

Caio Clímaco é cientista do Estado (UFMG), fotógrafo, membro da Rede de Produtores Culturais da Fotografia do Brasil (Rede) e pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília (UnB).

— Este é um artigo de opinião, a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato

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