Do vazamento ao golpe: falta de segurança digital causa danos reais

Celular e computador
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Um e-mail com um link estranho, uma mensagem de um familiar falando que perdeu o número antigo e precisa de dinheiro emprestado, uma ligação supostamente do banco pedindo a senha da conta. Tudo isso faz parte das estratégias utilizadas pelas quadrilhas especializadas em golpes digitais.

Cada vez mais refinadas, as técnicas para enganar de jovens a idosos buscam manipular as vítimas para obter dados pessoais e financeiros ou até transferências imediatas de dinheiro. 

Só no ano de 2024, foram cerca de 5 milhões de fraudes desta modalidade praticadas – um crescimento de 45% em relação ao ano anterior. O levantamento, realizado pela Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP), também mostra que 1 em cada 4 brasileiros já sofreu alguma tentativa de golpe digital e quase metade deles acabou se tornando vítima.

No Espírito Santo, não é diferente. Entre junho de 2023 e junho de 2024, mais de um quarto dos capixabas (26%) foi vítima de crimes virtuais, o que coloca o Estado na quinta posição de maior incidência de golpes online do Brasil, segundo pesquisa da DataSenado, em parceria com a empresa Nexus.

Um desses capixabas que foi alvo dos golpistas é Walcimar José Cipriano, de 53 anos. Em 2017, o motorista sofreu um acidente de trabalho e precisou entrar na Justiça para conseguir receber o auxílio do INSS. 

“Eu entrei com uma ação e ganhei. Então, eu tinha um valor mensal para receber, mas esse valor não estava sendo pago”.

Walcimar José Cipriano foi alvo de golpistas digitais.
Walcimar José Cipriano foi alvo de golpistas digitais. Foto: Reprodução/TV Vitória

A fim de garantir seus direitos, Walcimar procurou uma advogada para requerer o cumprimento da sentença. Foi neste momento que os criminosos tiveram acesso aos dados do processo e começaram as tentativas de golpes.

Eu recebi uma mensagem maravilhosa dizendo que o valor tinha sido liberado e fariam o pagamento. Mas no decorrer das mensagens disseram que tinha um valor a recolher de custas processuais. Solicitaram um Pix de R$ 2.986. Nessa parte, eu comecei a desconfiar.

Já alertado, Walcimar lembrou das dicas de segurança do escritório de advocacia e ligou imediatamente para a advogada, que confirmou que se tratava de um golpe. Ele encerrou a conversa e, por pouco, não teve prejuízo financeiro.

Juliana Pimentel Miranda dos Santos, a advogada que representou Walcimar explica que este tipo de fraude tem acontecido com frequência e as estratégias utilizadas são variadas. 

“Os golpes digitais têm aumentado muito e nós, advogados, estamos sendo vítimas juntamente com os nossos clientes. Golpistas se passam por nós para aplicar golpes nos clientes que têm processos judiciais para receber dinheiro facilmente”.

Juliana Pimentel Miranda dos Santos, advogada.
Juliana Pimentel Miranda dos Santos, advogada. Foto: Reprodução/TV Vitória

A advogada explica que os criminosos utilizam as fotos e nomes dos profissionais ou dos escritórios para atacar aqueles que têm processos em andamento. Por isso, é importante ficar atento ao número de telefone e conferir se o remetente é verdadeiro.

Ambiente tecnológico complexo facilita golpes

Para o professor de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Faesa, Otávio Lube, o uso de diferentes plataformas e as facilidades digitais disponíveis facilitam a atuação criminosa de golpistas.

“Temos IA (inteligência artificial) para resolver nossos problemas, mecanismos de pagamento cada vez mais simplificados, sistemas para fazer tudo, e para acessar esses sistemas precisamos de credenciais. Então, é um ambiente muito propício para aplicação de golpes”.

Otávio Lube, professor da Faesa.
Otávio Lube, professor da Faesa. Foto: Reprodução/TV Vitória

Segundo o professor, as quadrilhas organizadas aprenderam a utilizar tais tecnologias para desenvolver diferentes tipos de golpes para cada público-alvo. Para isso, os criminosos utilizam dados sobre as preferências de cada pessoa e definem a melhor estratégia para prejudicá-la.

Os golpes digitais mais comuns

Conforme levantamento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as principais armadilhas contra clientes de bancos em 2024 foram os golpes do WhatsApp, das falsas vendas e da falsa central ou funcionário da agência bancária.

Os cinco golpes mais comuns em 2024, conforme levantamento da Febraban.
Os cinco golpes digitais mais comuns em 2024, conforme levantamento da Febraban. Arte: Folha Vitória

Também há registros de troca de cartão (19 mil reclamações), envio de falso boleto (13 mil), devolução de empréstimo (8 mil), mão fantasma (5 mil) e falso motoboy (5 mil).

Para Otávio Lube, algumas maneiras de se proteger dos golpes é se certificar de que os canais de comunicação e links recebidos são verdadeiros e ficar atento às solicitações, visto que bancos e organizações públicas não pedem informações pessoais e senhas dos usuários.

Além do conhecimento sobre as possibilidades de fraude, ele ressalta a importância de legislações que garantam a segurança dos usuários no meio digital.

Nós já temos leis como a Lei Geral de Proteção de Dados e a lei que regula a IA no Brasil, que dizem como as empresas devem tratar as informações dos usuários. Trata-se de regulação e não censura, e isso é essencial para que possamos nos proteger dessas grandes ameaças que surgem”.

Como se proteger e o que fazer

Além da checagem do conteúdo recebido, o professor sugere que o usuário sempre saia das contas e sistemas após o uso e habilite, quando for possível, a opção de login por biometria.

O estudante de Ciência da Computação da Faesa Murilo da Silva Soares, 20 anos, atua na área de cibersegurança e aprendeu que também é importante tentar registrar senhas diferentes para cada sistema, a fim de evitar o comprometimento dos dados.

“Acho que é muito comum, pelo nosso pensamento de usuário do dia a dia, escolhermos senhas, nomes, padrões que usamos em nossas coisas pessoais, mas acabamos levando isso para outros lugares, ou reutilizando a mesma senha. Isso dá oportunidade (aos golpistas), porque se vazar uma senha, todo o ambiente fica comprometido”.

Murilo da Silva Soares, estudante de Ciência da Computação.
Murilo da Silva Soares, estudante de Ciência da Computação. Foto: Reprodução/TV Vitória

O delegado Brenno Andrade, titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos do Espírito Santo, que investiga os crimes com prejuízos financeiros maiores – na casa dos milhares ou milhões de reais –, explica que todos os casos são investigados pela Polícia Civil, seja na unidade especializada ou em outras delegacias.

A polícia trabalha a fim de se qualificar cada vez mais através de treinamentos, cursos, eventos, contatos com outros delegados de crimes cibernéticos ao redor do país, para saber sobre quadrilhas, os golpes mais recentes, como esses golpes acontecem e, com isso, a gente tem uma base de conhecimento para saber como agir a partir do momento que uma determinada vítima vai registrar uma ocorrência policial na delegacia.

Brenno Andrade, delegado titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos do Espírito Santo
Brenno Andrade, delegado titular da Delegacia de Crimes Cibernéticos do Espírito Santo. Foto: Reprodução/TV Vitória

Uma forma de lidar com os crimes que envolvem transferências de dinheiro é identificar o dono da conta destinatária para se chegar ao golpista.

O delegado explica que, apesar de ocorrer em ambiente virtual, o crime deixa “muitos rastros” que facilitam a investigação.

Por isso, ele ressalta a importância de registrar o boletim de ocorrência, não só para dar início a uma ação da polícia, mas para garantir que os dados do usuário não serão utilizados de forma indevida.

“Primeiro, nós vamos tentar identificar quem foi a pessoa que recebeu o dinheiro. O fato de ser uma conta laranja não faz muita diferença para a polícia, porque encontramos também outros caminhos, temos mecanismos para isso”.

Arte: Folha Vitória

Além de toda a apuração da instituição, Brenno Andrade também pontua que, na Justiça, há o entendimento de que criminosos não podem usar contas bancárias. Isso possibilita à vítima a solicitação de restituição do valor perdido às instituições financeiras que, apesar de não participarem do crime, não garantiram a segurança dos clientes.

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