Bolsonaro trata plano golpista como ‘crítica’ estudada dentro das ‘quatro linhas’ em depoimento ao STF

Em depoimento à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Jair Bolsonaro (PL) afirmou, nesta terça-feira (10) que uma intervenção no processo eleitoral de 2022 foi estudada “dentro das quatro linhas” da Constituição e após a multa imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ao Partido Liberal. 

Em dezembro daquele ano, a sigla foi multada em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé ao acionar a Justiça “de maneira irresponsável”. Na ocasião, o PL indicou possível fraude das urnas eletrônicas e pediu a auditoria do resultado. “Um dos grandes desafios da democracia é combater teorias conspiratórias e qualquer outro tipo de conteúdo manipulado ou falso que tem como objetivo influenciar o resultado de votações, criando um cenário desastroso de ruptura social”, disse o então presidente do TSE, Alexandre de Moraes, na época. 

No depoimento, Bolsonaro afirmou que, diante de um recurso, a multa poderia aumentar, o que desencorajou o partido a continuar com a tese no tribunal. Como alternativa, o ex-presidente e seus aliados passaram a estudar outra forma de questionar o resultado. O assunto foi tratado em duas reuniões, em 7 e 14 de dezembro. 

“Essas reuniões que ocorreram foram em grande parte em função da decisão do TSE. Quando peticionamos o TSE sobre possíveis vulnerabilidades, fomos surpreendidos com uma multa de R$ 22 milhões”, disse. “Tratamos, por exemplo, da GLO [Garantia da Lei e da Ordem]. Estudamos possibilidades outras dentro da Constituição. Ou seja, jamais saindo das quatro linhas. Em poucas reuniões, abandonamos qualquer possibilidade de intervenção constitucional.”

“O que existiu na prática era que, como fomos impedidos de recorrer ao TSE, devido à possibilidade de aumentar a multa, nós buscamos alguma alternativa na Constituição. Achamos que não procedia e encerramos a discussão. Em nenhum momento, nós pensamos em fazer algo ao arrepio da nossa Constituição”, disse o ex-presidente. 

Crítica

O ex-presidente também tratou o plano de golpe como uma “crítica”. “Vou buscando colaborar com o TSE para que não haja dúvida. Mas acho que a dúvida e a crítica fazem parte da democracia, mas sem nenhuma intenção de afrontar o Poder Judiciário.”

Na primeira reunião, com o ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes e Jair Bolsonaro, o então comandante da Marinha, Almir Garnier, teria dito que colocaria a sua tropa à disposição do ex-presidente.

Na ocasião, de acordo com as investigações, foi apresentada a chamada “minuta do golpe”, que seria utilizada para instalar um estado de sítio no país. Antes, no entanto, a minuta teria sido “enxugada” por Bolsonaro, mantendo a prisão de Alexandre de Moraes e preservando outras autoridades. 

Sobre isso, Bolsonaro afirmou que a minuta, na verdade, seria composta apenas de alguns “considerandos” que foram exibidos na televisão durante a reunião. “Deve ter considerandos apenas. Isso deve ter sido mostrado numa tela de televisão rapidamente. Alguns levantaram a ideia de estado de sítio. Estado de sítio, como reza a nossa constituição, começa com a convocação dos conselhos, o que não foi feito. Ninguém foi convocado para uma proposta de estado de sítio”, afirmou em depoimento.

“Foi passado na tela os considerandos de forma bastante rápida. Não havia da nossa parte uma gana. O sentimento de todo mundo era que não tinha mais nada o que fazer. Então tínhamos que entubar o resultado das eleições”, concluiu.

A respeito de a reunião envolver militares, Bolsonaro disse que foram chamados por fazerem parte da mesma academia que ele, militar reformado. “Sabíamos que nao podia dar em nada. Conversamos a título de desabafo”, respondeu.

8 de janeiro

O presidente também voltou a defender os bolsonaristas que invadiram e depredaram os prédios dos Três Poderes, em 8 de janeiro, em Brasília (DF), em nome de uma “intervenção” para manter Bolsonaro no poder.

“Eu não consigo entender certas penas para pessoas que mal sabiam o que estavam fazendo naquele momento”, disse o ex-presidente. “Eu fico até arrepiado quando falam que 8 de janeiro foi tentativa de golpe. Aquilo não é golpe. Não foi encontrada uma arma. Da minha parte nunca se falou em golpe. O golpe até seria fácil de começar, o after day [dia seguinte, em inglês] que seria difícil de cogitar.”

Ainda tratando o plano golpista como uma “crítica”, Bolsonaro também citou um suposto documento da Associação Nacional dos Peritos Criminais, que falaria em “fraude sistêmica facilitada” e que “todo sistema eletrônico e computacional possui vulnerabilidades”.

Atualmente inelegível, Bolsonaro afirmou que as suas declarações ao longo de 2022 foram dadas no sentido de “aperfeiçoar” o sistema eleitoral para que “não houvesse dúvidas” sobre as urnas eletrônicas. “Se não houvesse dúvida, não estaríamos aqui hoje”, disse Bolsonaro. Em resposta, Moraes afirmou que “não há dúvidas” e que o inquérito “não tem nada a ver com urnas eletrônicas”.

“Vossa Excelência não me viu desrespeitar nenhuma ordem do senhor. Eu joguei dentro das quatro linhas da Constituição o tempo todo. No meu entender, fiz aquilo que tinha que ser feito”, disse Bolsonaro em outro momento.

Entenda

O ex-presidente é réu na ação penal sobre a tentativa de golpe de Estado no país. Em março deste ano, a Primeira Turma do STF decidiu pelo acolhimento da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e outras sete pessoas, que integram o primeiro núcleo de acusados da tentativa de golpe abolição do Estado Democrático de Direito.

No total, os crimes dos quais Bolsonaro é acusado podem somar até 43 anos de prisão: dano qualificado com uso de violência e grave ameaça (6 meses a 3 anos), deterioração de patrimônio tombado (1 a 3 anos), tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos), tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos) e organização criminosa (3 a 8 anos, que pode chegar a 17 anos a depender dos agravantes).

Antes de Jair Bolsonaro, Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), prestaram depoimento ao STF. Na sequência, devem ser ouvidos Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice na chapa para a reeleição do ex-presidente.

Concluída a fase dos interrogatórios, a defesa e a acusação poderão pedir diligências complementares. Depois será aberto um prazo de 15 dias para que as partes apresentem um resumo com as alegações finais favoráveis ou contrárias aos réus. Por fim, os ministros votarão pela condenação, com a fixação de penas, ou pelo arquivamento do caso. Diante das duas decisões, será possível apresentar recursos dentro do próprio STF.

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