A startup não quebrou, nasceu errada. Como criar produtos que sobrevivem ao teste do tempo?

A busca por velocidade muitas vezes se sobrepõe à construção de fundamentos sólidos. É comum ver produtos sendo lançados às pressas, com o objetivo de validar hipóteses o quanto antes, mesmo que isso signifique comprometer a estrutura necessária para o futuro. Mas essa urgência mal direcionada tem um custo: muitos produtos até conseguem tração inicial, mas não resistem ao tempo porque foram concebidos sem visão de sustentabilidade.

Um levantamento do Startup Genome Project, com mais de 3.200 startups, revelou que elas levam, em média, de duas a três vezes mais tempo para validar seu mercado do que os fundadores inicialmente preveem. Por isso, o MVP costuma durar mais do que o planejado.

Para entender o impacto, vale conceituar dívida técnica: uma metáfora cunhada por Ward Cunningham que compara atalhos de codificação a contrair dívidas financeiras. Assim como as dívidas geram juros, um código mal estruturado cobra seu preço em forma de retrabalho e lentidão futura. A “dívida” é a deficiência interna que torna mais difícil evoluir o sistema, e o esforço extra para adicionar novas funcionalidades é o “juros” pago por essa dívida. Em outras palavras, quanto mais remendos e “gambiarras” no MVP, mais caro e lento será para evoluir o produto depois.

E não se trata apenas da qualidade do código, do UX ou da aderência ao mercado. É, acima de tudo, uma questão de mentalidade. Mentalidade que precisa equilibrar ousadia e disciplina, experimentação e arquitetura, inovação e legado. Porque criar um produto que sobrevive ao tempo não é apenas lançar algo novo. É construir algo que, mesmo mutável, possui fundações sólidas o suficiente para suportar crescimento, adaptação e relevância.

O erro mais comum de quem inicia um novo produto está na própria interpretação do MVP. Muitos o enxergam como um “produto descartável”, uma versão hackeada apenas para testar uma hipótese. Mas MVP é um ensaio consciente. Ele deve nascer simples, mas com vocação para evoluir. O MVP existe para validar um problema real com uma proposta de valor viável. Quando o tratamos como algo jogado fora depois da validação, estamos ignorando a oportunidade de construir sobre bases evolutivas.

Startups que falham nesse ponto acabam se enredando em um ciclo perverso: lançam uma primeira versão cheia de gambiarras, validam parcialmente um problema, atraem algum interesse inicial e, no momento de escalar, se veem obrigadas a refazer praticamente tudo: sistema, arquitetura, modelo de dados, estratégia de produto. Nesse momento, o time já está cansado, os recursos são limitados, e a confiança está fragilizada. A dívida técnica vira dívida existencial.

Um caso emblemático foi o Friendster, rede social pioneira anterior ao Facebook. Por volta de 2003, o Friendster explodiu em usuários, mas sua arquitetura não acompanhou: páginas chegavam a demorar 40 segundos para carregar, e a experiência degradada fez os usuários migrarem em massa para concorrentes como MySpace. A liderança do Friendster subestimou os problemas técnicos, discutindo novos recursos e parcerias enquanto o site mal funcionava. O resultado: apesar do pioneirismo, o Friendster foi ultrapassado e praticamente desapareceu – uma lição dolorosa de que ignorar a escalabilidade e performance pode custar a empresa inteira.

Por isso, desenvolver produtos sustentáveis exige uma mudança no olhar desde o primeiro dia. Não se trata de criar uma solução robusta demais para uma startup iniciante. Mas é crucial adotar desde o início a mentalidade de produto digital sustentável, equilibrando velocidade de lançamento com bases sólidas para crescer. Isso significa implementar o Mínimo Produto Viável (MVP) sem abrir mão do Mínimo de Arquitetura Viável. Em outras palavras, é desenvolver apenas o essencial em funcionalidades mas também em arquitetura, garantindo que o produto possa evoluir sem reescrever tudo do zero.

O time fundador precisa se envolver profundamente nas decisões de produto. Quando um líder de tecnologia participa ativamente do desenho do MVP, as decisões já são tomadas com base em premissas de arquitetura mínima viável, com padrões que suportam modularidade, reuso, e integração futura. A escolha do stack tecnológico, do modelo de banco de dados, do sistema de autenticação. Tudo isso, mesmo que simples, pode ser pensado de forma escalável.

Criar um produto que sobrevive ao teste do tempo é um ato de responsabilidade. É entender que toda linha de código escrita hoje será um legado: para o time, para os clientes, para o negócio. É saber que o perfeccionismo impede o avanço, e que a pressa compromete o caminho.

Victor Ramos, CPTO da Zavii Venture Builder.

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