MTD celebra 25 anos de luta e organização do povo nas periferias

Há 25 anos, o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) constrói, nas periferias das cidades, a força da auto-organização popular. Hoje, resiste em bairros, favelas, assentamentos e ocupações de 14 estados brasileiros – uma rede de lutas que nasceu no Rio Grande do Sul, no final dos anos 1990

Na época, as políticas neoliberais do governo de Fernando Henrique Cardoso aprofundavam o desemprego e a exclusão. Para milhões de famílias, moradia, trabalho digno e direitos básicos eram sonhos distantes – possíveis apenas com união e mobilização. Foi quando um grupo de pessoas decidiu fazer a luta por melhores condições de vida.

Coordenadora e uma das fundadoras do MTD, Lurdes Santin revive os primeiros passos dessa trajetória nesta edição do Bem Viver , programa do Brasil de Fato. “Com apoio de movimentos parceiros, com apoio de sindicatos, da Pastoral Operária, da qual também eu sou oriunda, nós começamos a conversar com as pessoas nas periferias e pensamos em organizar um movimento que lutasse por um espaço para viver”, conta.

A data escolhida como marco foi 22 de maio do ano 2000. “Nós reunimos muitas pessoas, umas 200 famílias pelo menos, isso dava muita gente, e nós ocupamos uma área de terra na General Motors, em Gravataí (RS). Era um pedaço de terra que a empresa não tinha usado, essa área de terra, tamanho era o incentivo que o estado tinha dado para essa empresa.”

A luta deu frutos. Após instaurar o debate na sociedade e conseguir o apoio do então governo estadual de Olívio Dutra (PT), cerca de 70 famílias foram assentadas em Eldorado do Sul (RS), no ano de 2001. Segundo Santin, a história do assentamento Belo Monte marca o início da organização.

Conquista de assentamento rururbano

“Nós construímos uma ideia de assentamento rururbano, que para nós significava o seguinte: as pessoas poderem morar num espaço na terra, mas não tão longe da cidade, para que a gente não perdesse a referência da cidade. E assim nasce, então, o movimento MTD, que no começo era Movimento de Trabalhadores Desempregados, e que na nacionalização do movimento, a partir dos anos 2015, na discussão com o povo da periferia e a nível de Brasil, o movimento se torna, então, Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos e com a bandeira branca”, explica.

Hoje, o MTD tem forte atuação na luta por moradia e por direitos pelo país. “Temos muitas pessoas organizadas em núcleo de base nas cidades, e temos assentamentos em Caxias do Sul, em Bagé, temos uma experiência que não é legalizada, mas que nós chamamos de assentamento, em Pelotas, e temos na Bahia”, conta a coordenadora do movimento, que recebeu o Brasil de Fato RS no assentamento onde tudo começou. Na ocasião, a reportagem conversou com assentados que estavam no início da luta e também com as novas gerações.

Edson Siqueira recorda da mobilização que resultou em acesso à terra e organização de frentes de trabalho para as famílias. “Nós tivemos que fazer uma marcha lá de Gravataí até Porto Alegre para conquistar essa terra que hoje nós temos aqui, essa maravilha. Continuamos, depois que viemos pra cá, fizemos acampamentos aqui, porque não tinha casa, não tinha nada aqui. Fizemos barraco, tivemos que fazer várias lutas pra poder conquistar o que nós temos hoje dentro do assentamento.”

Organização coletiva

Vista aérea do Assentamento Belo Monte – Marcelo Ferreira

Para Gessi dos Santos, viver no assentamento trouxe o aprendizado da organização coletiva na prática. “Hoje nós temos grupos de trabalho, grupo de manutenção, tem uma associação de moradores que está organizando tudo hoje, o grupo da água, o grupo da saúde. Então é tudo um processo de grupos, onde se discutem as coisas necessárias. Dentro de uma plenária se define o que se vai aprovar ou não.”

Elisabete e Paulo de Souza moravam na periferia de Canoas (RS) e buscavam o direito à segurança para a sua família. “Quando nós entramos no movimento, foi com a esperança, nossa palavra na época era esperança. A gente tinha esperança de dar um futuro melhor para os filhos”, afirma Elisabete.

Ela também destaca o aprendizado com a experiência coletiva. “Se é um problema de uma mulher, por exemplo, que sofre uma violência doméstica, não é só um problema dela. É um problema de todas nós. E os nossos filhos cresceram aprendendo isso. Cresceram aprendendo que sozinhos eles não vão conseguir nada. Mas se se unirem com outras pessoas, com outros jovens, consegue mudar.”

Luta contra a violência de gênero

O tema da violência contra a mulher é um dos pilares do MTD desde o início da organização. Raquel Santin conta que, quando o assentamento ainda era um acampamento, foi criado o Grupo Erotildes Brasil. “Ele nasceu antes da Lei da Maria da Penha, que é um marco importante pra nós também.”

Ela explica que o grupo surgiu da necessidade do enfrentamento à violência doméstica. “No começo, como a gente tinha muitas pessoas de periferia, essas mulheres vinham de um local muito frágil, onde sofriam violência constantemente, independente se era pela família ou pelo próprio marido. Então, quando a gente constituiu esse assentamento, constituiu esse grupo, que fez esse enfrentamento diretamente”, afirma

Maria Carmosina Cruz destaca que o Grupo Erotildes Brasil hoje é referência no combate à violência contra de gênero. O assentamento já foi palco de cursos de formação para mulheres, como o de promotora legal popular. “A gente, inclusive, acolheu aqui pessoas que eram violentadas fora do município e vieram para cá, no caso, para se proteger, porque aqui era outra história.”

Agroecologia

A agroecologia também faz parte do assentamento Belo Monte. Com o acesso a terra, Inês Santin retomou a agricultura praticada por seus pais, mas ao contrário de antes, quando só conhecia a monocultura, aprendeu a zelar pela terra. “O nosso sistema é todo agroecológico, a gente tem todos os cuidados com a natureza”, afirma, apontando para a horta repleta de alfaces e com fileiras de árvores quebra-vento e bananeiras.

Ela é uma das assentadas que trabalham com agricultura. Também tem um espaço de agrofloresta, onde são encontradas diversas árvores frutíferas. “Tem guabiroba, tem araçá, tem pitanga, tem laranja, tem bergamota, temos caqui, é diversificado. Temos até amora, então tem uma variedade de frutas.”

Segundo Santin, a produção da horta e da agrofloresta é comercializada. “Numa semana, entrega para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da prefeitura. Na outra semana, entrega pro PAA da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados na Região de Porto Alegre (Cootap). E toda segunda-feira entrega para merenda escolar.”

Direito à cultura

O direito à cultura não ficou pra trás. Há uma década, foi criada a Biblioteca Ataîru no assentamento. A educadora Laia Sastre recorda que o Belo Monte já tinha futebol e piquete de tradição gaúcha como instrumentos culturais. “Nós chegamos pensando o que a gente poderia aportar, né? Nós somos amantes da literatura e pensamos que uma biblioteca era algo que faltava aqui também, acesso a livros de qualidade pra incentivar as crianças a ler, os adultos também. Mas o nosso foco foi primeiro pelas crianças.”

Além de literatura, quem vive no assentamento pode ter aulas de música, com oficinas semanais e empréstimo de instrumentos para os alunos. O professor Alejandro de Ugarte conta que atualmente as aulas já são dadas a uma geração mais nova. “São novinhos, faz poucos anos que estão fazendo, mas já estamos andando bem.”

Os que aprenderam antes, que hoje já são adultos, já partiram para novos aprendizados. “Com eles, a gente fez bastante trabalhos, tipo formações em produção audiovisual, em gravação. A gente já gravou alguns videoclipes, gravamos um EP, que foi um projeto muito bonito, foi o trabalho de composição, de gravação, de edição, de mixagem, tudo feito aqui.”

Hoje um jovem adulto, Samuel Santin iniciou o clube de leitura da biblioteca ainda criança e ressalta a importância do projeto. “A juventude foi crescendo junto e fazendo o festival cultural, que hoje a gente teve o 6º Festival Cultural Ataîru, que sempre foi uma construção da biblioteca junto com a juventude, principalmente.”

Entre os frutos do clube de leitura estão a produção de um livro, Ciranda de leituras e escrita: Olhares do Belo. “Foi um livro que a gente fez com a juventude, com a ideia justamente de resgatar os olhares da nossa comunidade aqui”, explica.

Conquista da classe trabalhadora

O Belo Monte foi o primeiro assentamento conquistado pelo MTD no Brasil. A posse ocorreu em 2001, no governo estadual da Frente Popular, com Olívio Dutra. Para o ex-governador gaúcho, o movimento “faz parte do sonho da classe trabalhadora de não ser objeto da política do capital”.

“É a ideia de que o mundo pode e deve ser diferente a partir das lutas locais, das lutas que a gente enfrenta no dia a dia e onde está, onde a gente vive e quer que os nossos filhos, nossos netos possam viver melhor do que os nossos antepassados, do que nós mesmos”, reflete.

Ele recorda que a conquista do assentamento foi construção coletiva. “Veio de baixo para cima, com uma conjuntura que estávamos vivenciando e buscando também alterar no interesse do povo trabalhador, enfrentando também uma classe dominante, o empresariado, as suas estruturas também organizativas e de poder econômico. Nós tínhamos e temos lado, na composição de forças políticas que assumimos o governo na época, no estado”

Ao parabenizar o MTD pelos 25 anos de luta, afirma que esse sonho do um mundo diferente só é possível através de iniciativas como essa. “O conhecimento não pode ser propriedade de quem tem mais dinheiro, de quem pode mais. Assim como também os instrumentos de trabalho, a terra, seja rural, seja urbana, tem que ter um acesso democrático a esses espaços para que a vida seja vivida integralmente.”

E tem mais…

O Bem Viver traz também a COP30 em Belém: ambientalista da Tunísia, Houcine Rhill, faz uma análise do que podemos esperar do evento.

Ainda na capital paraense: como a agricultura urbana poderia produzir 19 mil toneladas de alimentos por ano e combater a fome de mais 2 milhões de pessoas.

E é claro que tem receita no programa: Gema Soto traz um delicioso hambúrguer de lentilha.

Quando e onde assistir?

No YouTube do Brasil de Fato todo sábado às 13h30, tem programa inédito. Basta clicar aqui.

Na TVT: sábado às 13h; com reprise domingo às 6h30 e terça-feira às 20h no canal 44.1 – sinal digital HD aberto na Grande São Paulo e canal 512 NET HD-ABC.

Na TV Brasil (EBC), sexta-feira às 6h30.

Na TVE Bahia: sábado às 12h30, com reprise quinta-feira às 7h30, no canal 30 (7.1 no aparelho) do sinal digital. 

Na TVCom Maceió: sábado às 10h30, com reprise domingo às 10h, no canal 12 da NET. 

Na TV Floripa: sábado às 13h30, reprises ao longo da programação, no canal 12 da NET. 

Na TVU Recife: sábados às 12h30, com reprise terça-feira às 21h, no canal 40 UHF digital. 

Na UnBTV: sextas-feiras às 10h30 e 16h30, em Brasília no Canal 15 da NET. 

TV UFMA Maranhão: quinta-feira às 10h40, no canal aberto 16.1, Sky 316, TVN 16 e Claro 17. 

Sintonize

No rádio, o programa Bem Viver vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 7h às 8h, com reprise aos domingos, às 10h, na Rádio Brasil de Fato. A sintonia é 98,9 FM na Grande São Paulo. Além de ser transmitido pela Rádio Agência Brasil de Fato.

O programa conta também com uma versão especial em podcast, o Conversa Bem Viver , transmitido pelas plataformas Spotify, Google Podcasts, iTunes, Pocket Casts e Deezer.

Assim como os demais conteúdos, o Brasil de Fato disponibiliza o programa Bem Viver de forma gratuita para rádios comunitárias, rádios-poste e outras emissoras que manifestarem interesse em veicular o conteúdo. Para ser incluído na nossa lista de distribuição, entre em contato por meio do formulário.

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