O Brasil de Fato RS conversou em Genebra, Suíça, na sexta-feira (13), com Antônio Lisboa, atual Secretário de Relações Internacionais da CUT e presidente Adjunto da Confederação Sindical Internacional (CSI), e desde 2014 representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Lisboa esteve em Genebra na Suíça para participar da Conferência Internacional do Trabalho (CIT) e da reunião do Conselho de Administração da Organização. Na conversa foram abordados temas como a atual situação dos trabalhadores e trabalhadoras no mundo em função da geopolítica, a importância da OIT para os/as trabalhadores/as como órgão onde é possível construir normas básicas e internacionais que os protegem no mundo.
O dirigente falou desde a discussão sobre economia de plataformas à boa prática da União Nacional de Ambulantes, Feirantes e Camelôs do Brasil (Unicab) de Porto Alegre que conseguiu aprovar na Câmara Municipal da cidade o Projeto de Lei 042/23, que tem como base jurídica e política a Recomendação 204 da OIT, entre outros temas.

Brasil de Fato RS: Sabemos que estamos enfrentando uma geopolítica complexa no mundo, como você vê esse momento atual no dia a dia dos/as trabalhadores/as?
Antônio Lisboa: Eu diria que existem três elementos nesse momento que estão plenamente interligados. O primeiro é a questão da crise do planeta em si, ou seja, o planeta está sofrendo os efeitos da crise climática que estão gerando problemas imensos no planeta e a sua própria sobrevivência. Esse é o primeiro.
O segundo é essa mudança dos modelos de produção do mundo inteiro a partir da economia de plataforma, que vai desde o rapaz que trabalha entregando sanduíches até as plataformas das chamadas Big Tech, das grandes plataformas do mundo que a gente sabe quais são. Isso gerando, obviamente, trabalho precário de forma absurda. Ou seja, a crise planetária, com essa mudança de modelos produtivos, as duas combinadas geram um risco ao planeta, mas geram trabalho precário em todos os sentidos.
O terceiro elemento também está diretamente vinculado, é a questão do crescimento da extrema direita no mundo inteiro, que obviamente sempre apoia ou sempre defende, trabalha no sentido de precarizar cada vez mais as relações de trabalho.
Cada vez mais você tem trabalho informal, cada vez mais você tem trabalho precário, cada vez mais são retirados direitos
E o quarto elemento que também está ligado é o massacre de Gaza, a guerra da Rússia-Ucrânia, hoje (13) a gente viu o ataque de Israel ao Irã, ou seja, da instabilidade a partir dos conflitos armados.
Então, esses quatro elementos acabam gerando uma situação muito difícil para os/as trabalhadores/as. Cada vez mais você tem trabalho informal, cada vez mais você tem trabalho precário, cada vez mais são retirados direitos. Essa combinação desses quatro grandes problemas que a gente vive hoje acabam gerando para os/as trabalhadores/as do mundo inteiro uma situação cada vez pior. Ou seja, nunca se tirou tanto o direito dos/as trabalhadores/as quanto nos últimos anos.
A gente sabe, isso já está provado, que a tendência é que as pessoas das próximas gerações tenham condições de vida piores do que as dos seus pais. Isso nunca aconteceu na humanidade, ou seja, na história da humanidade. Então, essa combinação desses quatro elementos acaba levando a uma condição de que os trabalhadores, de que as pessoas terão uma vida pior do que os seus pais têm hoje, em função, na minha opinião, da combinação desses quatro elementos.
Lisboa, com a experiência que você tem de tantos anos atuando internacionalmente, qual é a importância da OIT e das conferências para os/as trabalhadores/as, tanto no Brasil como no mundo?
A Organização Internacional do Trabalho, que já tem mais de 100 anos, é importante em primeiro lugar porque é o único espaço multilateral tripartite, ou seja, é a única agência da ONU ou de fora da ONU com a participação de trabalhadores/as, empregadores/as e governos onde os/as trabalhadores/as têm direito de voto, ou seja, não só são presentes, mas podem votar, podem ter suas posições afirmadas.
Então a OIT é o órgão mais importante para os/as trabalhadores/as do mundo inteiro. E é a partir da OIT que se constroem as normas básicas, as normas internacionais do trabalho, que servem de base para as relações laborais e para os direitos trabalhistas do mundo inteiro.
Nessa conferência, quais foram os principais pontos discutidos que afetam os/as trabalhadores/as e qual é a tua análise do resultado alcançado?
Então, toda conferência, geralmente, a gente tem quatro grandes comissões, fora discutir orçamento, relatório do diretor-geral etc. Toda conferência que acontece anualmente, nós temos quatro grandes comissões. Tem uma comissão permanente, que é a chamada Comissão de Aplicação de Normas. Nessa comissão de aplicação de normas é onde nós julgamos os 24 casos de violação mais profunda das normas internacionais de trabalho.
Por exemplo, em 2017, 2018, nós trouxemos para cá a reforma trabalhista do Brasil. Então, essa comissão não é uma comissão permanente, você escolhe numa lista num primeiro momento de 40 casos, depois faz uma seleção entre esses 24 casos de violações mais sérias das normas internacionais do trabalho e leva para julgamento. A partir desse julgamento você tira conclusões para obrigar os governos a cumprirem aquilo que eles estão descumprindo, aquilo que eles estão violando.
O tema de economia de plataforma, sem dúvida, foi o mais polêmico, o que mais chamou a atenção e o que vai continuar chamando mais atenção
Fora essa comissão, que é uma comissão que você tem todo ano, a partir do Conselho de Administração elabora temas para discussão. Esse ano nós tivemos três: uma discussão para atualização sobre o tema da informalidade, o tema que vai sair uma convenção sobre riscos biológicos e o primeiro ano da discussão sobre economia de plataformas.
Esse tema de economia de plataformas vai se concluir no ano que vem. Este ano, portanto, são três comissões extremamente importantes. Eu diria com muita segurança, de que o tema de economia de plataforma, sem dúvida, foi o mais polêmico, o que mais chamou a atenção e o que vai continuar chamando mais atenção por conta, inclusive, desse momento, de completa mudança dos modelos produtivos a partir da chamada economia de plataforma.
A questão da economia das plataformas como você falou é um dos temas mais polêmicos dessa conferência. Como é que está a situação dos/as trabalhadores/as de plataformas no Brasil?
Olha, nós temos no Brasil um projeto de lei. Primeiro, a gente precisa sempre lembrar que quando fala de economia de plataformas nós estamos falando desde o menino que anda de bicicleta nas grandes cidades do Brasil ou do mundo, entregando sanduíche, do rapaz ou a moça que trabalha no Uber, que nos leva de um lugar para o outro, até as plataformas, outras quaisquer, de educação, de produção de conteúdos, enfim.
A chamada economia de plataformas, eu costumo brincar que é uma espécie de galáxia. Nesses termos, o que nós temos no Brasil hoje é um projeto de lei feito em 2023 para regular o trabalho de plataformas de Uber ou de transporte e que está nesse momento no Congresso Nacional gerando uma série de polêmicas com uma oposição muito forte, inclusive, de setores da extrema direita no Brasil. Mas o fato é que a gente ainda está muito distante de aprovar, eu diria, de avançar e regular o trabalho de plataforma no Brasil.
Nós temos hoje algumas leis importantes já, por exemplo, na Espanha. Nós temos a normativa da União Europeia que estabelece bases para a própria União Europeia, mas no Brasil nós ainda estamos atrasados. Tem esse projeto que é apenas, ou seja, para o que a gente chama de projeto dos aplicativos, mas obviamente, como eu disse, discutir a economia de plataforma é um negócio monstruoso. E por isso essa discussão foi tão marcante aqui na OIT e certamente será ano que vem também.
Em relação a políticas e experiências inovadoras para formalização que vem sendo implantadas no mundo tendo como base a Resolução 204, de 2015, da OIT sobre a transição da economia informal para a formal que foi outro tema discutido nesta CIT você poderia citar um exemplo bem-sucedido no Brasil?
Então, existe hoje um movimento muito bem-organizado dos catadores ambulantes. Na verdade, existe um movimento, uma rede que a gente chama de intersetorial, onde estão catadores/as, ambulantes, trabalhadores/as domicílios, trabalhadores e trabalhadoras domésticas e mesmo em boa parte trabalhadores/as de aplicativos, chama-se intersetorial. Nós até conseguimos a criação de uma frente parlamentar de defesa desses trabalhadores/as. A frente está andando devagar no Congresso, mas o fato é que eles têm uma organização muito forte.
No caso específico de Porto Alegre, já há um avanço muito importante sobre a aplicação da Recomendação 204 da OIT que é exatamente a recomendação que trata das relações de trabalho, da garantia de direitos a esses trabalhadores/as. Obviamente quando você trabalha na rua, por assim dizer, seja catador, seja ambulante, muitas vezes você não tem um patrão, o seu patrão é o poder público, a prefeitura, enfim. E essas relações com o poder público são fundamentais, que é para garantir, inclusive, o direito a esses trabalhadores.
Então, os/as companheiros/as de Porto Alegre estão de parabéns por terem avançado já nessa questão das relações de trabalho. Eu acabei de dizer, são uma referência para o Brasil e para o mundo, porque isso não é uma coisa fácil. Alguns países já têm avançado, por exemplo, Índia, Nigéria, mas poucos países no mundo têm regulação que garanta direito a esses trabalhadores/as. Então, parabéns ao pessoal de Porto Alegre*.
* O exemplo de boas práticas citado refere-se a União Nacional de Ambulantes, Feirantes e Camelôs do Brasil (Unicab) que conseguiu aprovar na Câmara Municipal de Porto Alegre o Projeto de Lei 042/23, que tem como base jurídica e política a Recomendação 204 da OIT.

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