Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, o ativista e editor do Esquerda Diário Bruno Gilga relatou a repressão enfrentada por participantes da Marcha Global para Gaza, que reuniu mais de 10 mil de pessoas de mais de 50 países no Egito. A ação tinha como objetivo cruzar a península do Sinai rumo à fronteira com Rafah para denunciar o genocídio promovido por Israel contra o povo palestino e exigir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, bloqueada há meses.
“No momento, estou na cidade do Cairo, assim como a maior parte dos ativistas que vieram participar da marcha”, conta Gilga. “Tentamos realizar a marcha que tinha o objetivo de atravessar a península do Sinai, mas foi frustrada pela ação do governo egípcio, que fez uma grande movimentação militar para impedir que isso acontecesse”, lamenta o ativista.
O editor relata que o governo do Egito aplicou uma série de medidas repressivas, desde retenções de passaportes a deportações. “Nesta noite, dois dos organizadores centrais da marcha foram detidos dentro dos seus quartos de hotel, um deles já foi deportado”, denuncia. Mais de 200 ativistas teriam sido detidos. “Permanece um clima de tensão bastante forte aqui porque os sistemas de vigilância e repressão estão claramente acompanhando as movimentações de todo mundo que veio participar da marcha”, diz.
Questionado sobre a postura ambígua do país africano, que chegou a criticar Israel no início do conflito, mas mantém a fronteira com Gaza fechada, Gilga destaca o papel dos interesses militares e econômicos. “O Egito é um Estado militarizado, governado por uma junta, com forte financiamento dos EUA e relações comerciais com Israel”, afirma. “Na véspera do início da marcha, quem deu uma declaração foi o ministro da Defesa de Israel, dizendo que ela não aconteceria porque seria detida pelo governo egípcio. Ou seja, uma atuação conjunta”, classifica.
Ofensiva contra Irã
Segundo Bruno Gilga, a recente ofensiva de Israel contra o Irã revela com ainda mais clareza o caráter imperialista do Estado israelense e ajuda a explicar o empenho em reprimir a Marcha Global para Gaza. “Se por um lado divide atenções, por outro aumentou ainda mais a preocupação do Estado de Israel de não ter nesse momento um forte movimento internacional na fronteira com a Faixa de Gaza”, avalia.
Para ele, o ataque ao Irã desmonta qualquer discurso de autodefesa. “Se alguém ainda acreditava nisso, o ataque contra o Irã é a demonstração mais clara de que o que Israel está levando adiante são seus interesses imperialistas”, observa. Gilga também aponta a precisão cirúrgica dos bombardeios contra cientistas iranianos como prova da capacidade militar israelense, e da intencionalidade por trás da destruição em Gaza.
“É absolutamente consciente e proposital que os ataques atinjam a população civil. Trata-se de uma tentativa deliberada de limpeza étnica, de genocídio. O objetivo é assassinar ou expulsar toda a população palestina da Faixa de Gaza”, conclui.
Marcha frustrada
De acordo com o ativista, os participantes planejaram sair em comboio do Cairo até Al Arish, e de lá seguir a pé até Rafah, mas as forças militares impediram a movimentação. “Na chegada ao aeroporto, grande parte de nós foi detida. Mais de 200 ativistas foram deportados logo de início. Depois, o plano passou a ser nos reunirmos na cidade de Ismaília, mas bloqueios militares pararam praticamente todos os comboios no meio do deserto”, conta.
Com o bloqueio imposto pelo governo egípcio, a maior parte dos ativistas sequer conseguiu sair do Cairo. Segundo Bruno Gilga, menos de 1% dos participantes conseguiu chegar até a cidade de Ismaília, a última antes do canal de Suez. “Depois de Ismaília, não creio que ninguém tenha avançado, inclusive porque aí se trata de atravessar a Península do Sinai, uma das áreas mais militarizadas de toda a região”, aponta.
A orientação da organização da marcha, diante da repressão e dos bloqueios, foi recuar para o Cairo. “O que se discute agora é como seguir. Há diferentes alternativas sendo debatidas, mas não há, neste momento, intenção de realizar novas ações desse tipo aqui no Egito”, revela.
Gilga afirma que o governo egípcio não divulgou nenhuma justificativa oficial. “Sequer existe uma declaração pública do governo a respeito da marcha”, critica. “O que vemos muito claramente é que a forma como essa repressão se realizou foi muito diferente da forma como atinge a população egípcia, que enfrenta prisões até hoje só por expressar apoio ao povo palestino”, pondera.
Indignação global
A marcha foi organizada por diversas entidades internacionais, entre elas a Flotilha da Liberdade, e mobilizou cerca de 4 mil pessoas. “Acho que é uma expressão do sentimento de milhões pelo mundo inteiro de solidariedade ao povo palestino e de indignação com o genocídio que o Estado de Israel está cometendo”, destaca Gilga. Ele lembra das recentes imagens de palestinos sendo assassinados ao tentar acessar ajuda humanitária, sob fogo do exército israelense.
Apesar da repressão, Gilga ressalta a importância da mobilização. “Nada disso se compara ao que enfrenta o povo palestino na Faixa de Gaza. É essa resistência que inspira essas milhares de pessoas aqui. E é com mobilização internacional que podemos barrar o genocídio”, defende.
Para ouvir e assistir
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