Quem protege o cidadão dele mesmo?

A sociedade vive em uma época de hiperconectividade e crescente dependência estatal. O cidadão atual, muitas vezes, comporta-se como um menor tutelado, espera que o Estado eduque seus filhos, discipline seus gastos, planeje sua aposentadoria e, se possível, resolva sua ansiedade. Essa infantilização é silenciosa, mas corrosiva. Aos poucos, abdica-se da responsabilidade sobre a própria vida. Surge, então, uma pergunta incômoda: quem protege o cidadão dele mesmo? 

Não se trata de deslegitimar as políticas públicas. Mas o que se observa é a ampliação do Estado sob o disfarce de proteção, cujo subproduto é a erosão da responsabilidade individual. Em 2023, o Brasil destinou R$ 1,9 trilhão ao gasto social, segundo o Tesouro Nacional, valor que corresponde a mais de 60% das despesas primárias. Ainda assim, figura entre os últimos colocados do Índice de Desenvolvimento Humano da OCDE, atrás de países com orçamentos proporcionalmente menores. Há, portanto, algo mais profundo que a ineficiência. Há uma dependência cultural da tutela estatal como substituto da construção individual. 

Um relatório da Harvard Kennedy School reforça que o excesso de políticas paternalistas compromete o desenvolvimento da autonomia. Quanto mais o Estado assume funções que cabem ao indivíduo, mais difícil se torna a formação de adultos responsáveis. A médio e longo prazo, isso afeta a produtividade, o crescimento econômico e a saúde mental, sobretudo em economias em desenvolvimento. No Brasil, isso se traduz em um paradoxo: quanto mais o Estado oferece, menos a sociedade se sente capaz de prover. O assistencialismo de curto prazo compromete a autonomia de longo prazo.

Em contrapartida, países com altos índices de liberdade econômica e governança enxuta, como Suíça, Dinamarca e Nova Zelândia, apresentam cidadãos mais envolvidos com suas decisões financeiras, educacionais e previdenciárias. A diferença não está apenas na renda per capita, mas na mentalidade: nesses contextos, o protagonismo individual é norma, não exceção.

A falência da autonomia raramente é abrupta. Ela se instala quando o conforto de terceirizar escolhas substitui o esforço de decidir. O problema não reside apenas no Estado que centraliza, mas no cidadão que abdica. E, nesse cenário, o discurso de proteção torna-se perigoso, pois anestesia a consciência da liberdade. 

Ao entregar ao Estado o papel de tutor, renuncia-se à mais nobre forma de poder: a de assumir o próprio destino. Como bem advertiu Friedrich Hayek, “quanto mais o Estado planeja, mais difícil se torna para o indivíduo planejar sua própria vida.” Quem protege o cidadão de si mesmo não é o Estado, é a responsabilidade, essa mesma que distingue o livre daquele que é tutelado. Na ausência dela, não há progresso sustentável, apenas a ilusão confortável de que alguém, em algum lugar, cuidará de tudo.

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