Interiorização da residência médica muda o cenário de formação e fixação de médicos no país

exame cirurgia
Foto: Divulgação

A interiorização da educação em saúde está deixando de ser uma proposta e ganhando forma concreta. O Enare 2025 deve aprofundar essa mudança ao ampliar a oferta de vagas de residência médica em regiões historicamente fora do circuito tradicional de formação. Essa descentralização responde a um cenário marcado por desigualdade na distribuição de profissionais e infraestrutura, com impactos diretos no acesso à saúde.

A concentração de médicos nos grandes centros urbanos é um problema antigo. Segundo a PNAD Contínua de 2022, do IBGE, cerca de 80% dos profissionais de saúde com nível superior estão concentrados em áreas urbanas das regiões Sul e Sudeste. 

Fora desse eixo, o acesso a especialistas é mais demorado, mais caro e, muitas vezes, inexistente. Nos últimos anos, a criação de programas de residência em cidades médias e pequenas tem se apresentado como uma estratégia eficaz para corrigir esse desequilíbrio.

Principais ações adotadas para avançar na descentralização da formação médica:

  • Ampliação de vagas de residência fora das capitais.
  • Instalação de cursos de medicina em cidades do interior.
  • Integração entre universidades públicas, SUS e hospitais regionais.
  • Fortalecimento da mobilidade acadêmica.
  • Inclusão de critérios regionais nos processos seletivos.

Relatório apresentado na Comissão de Educação do Senado Federal, em março de 2025, com base em dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), mostrou que municípios que receberam campus universitários públicos registraram aumento de até 22% no número de estabelecimentos de saúde em até cinco anos. A presença de instituições de ensino vai além da formação: movimenta a economia local, fortalece o SUS e fixa profissionais qualificados nas cidades.

No Ceará, a interiorização promovida pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) foi considerada um marco. De acordo com relatório institucional divulgado pela universidade em 2023, a expansão para cidades como Quixadá e Iguatu resultou em aumento da cobertura da atenção básica e na melhora dos indicadores de saúde da região. O modelo cearense passou a inspirar outras universidades estaduais e federais pelo país.

A mobilidade acadêmica também tem ganhado força como consequência direta da interiorização. Levantamento feito pela Associação Nacional dos Médicos Residentes (ANMR), com mais de 3.400 participantes, em 2023, apontou que 46% dos residentes optaram por programas fora de seus estados de origem. 

Para muitos, isso representa a chance de se formar em áreas com demanda real por médicos, ao invés de competir por poucas vagas nas capitais.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2021, indicou que 57% dos médicos que realizaram residência em áreas com estrutura consolidada do SUS permaneceram nessas localidades após o fim da especialização. A fixação desses profissionais está diretamente relacionada ao ambiente de formação, ao vínculo com a rede pública e à identificação com as necessidades da população atendida.

Em outubro de 2023, o Ministério da Educação anunciou que 1.719 municípios estavam aptos a receber 95 novos cursos de medicina, com prioridade para áreas de baixa cobertura médica. A iniciativa é parte de uma política mais ampla, que inclui o fortalecimento da Universidade Aberta do Brasil (UAB), voltada ao ensino superior a distância, com polos presenciais em cidades do interior.

Neste novo cenário, o Enare 2025 se destaca como uma ferramenta estratégica. O Exame Nacional de Residência, organizado pela Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), tem como objetivo unificar e democratizar o acesso às residências, além de incentivar a ocupação de vagas em regiões menos procuradas. Em 2024, a edição anterior já havia oferecido cerca de 3.200 vagas em mais de 90 instituições, com presença significativa nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A formação médica no Brasil passa por uma inflexão silenciosa, porém significativa. A interiorização, impulsionada por políticas públicas e programas como o Enare, redefine rotas e possibilidades para estudantes, profissionais e sistemas de saúde. A tendência é que, cada vez mais, a especialização em saúde reflita a diversidade e as necessidades reais do território brasileiro.

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