Após uma década, RS retoma Secretaria de Políticas para as Mulheres

A intensa pressão de movimentos feministas e parlamentares conquistou a recriação da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) no Rio Grande do Sul. O anúncio foi feito pelo governador Eduardo Leite, na manhã desta quarta-feira (25), com o auditório do Palácio Piratini lotado. Extinta há dez anos, a pasta é considerada estratégica para o enfrentamento aos feminicídios, que aumentaram neste ano, inclusive durante o feriado de Páscoa.

Criada durante o governo de Tarso Genro (PT) e dissolvida em 2015, no governo de Ivo Sartori (PMDB), a SPM era responsável por coordenar ações de combate à violência de gênero e de promoção da autonomia das mulheres. Desde sua extinção, essas ações ficaram sob responsabilidade do Departamento de Políticas para as Mulheres (DPM) e do Centro Estadual de Referência Vânia Araújo Machado, vinculados à Secretaria da Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social (SEDH).

“Esse anúncio nos anima e motiva a continuar lutando pela emancipação das mulheres, nos mostra que quando nós nos unimos, conquistamos! Foram 10 anos de luta pelo retorno da secretaria”, afirma a presidenta do Conselho Estadual do Direito da Mulher (CEDM/RS), Fabiane Dutra.

Conforme apontou, a mobilização se intensificou nos últimos dois anos com o retorno do conselho e, mais recentemente, com a adesão da Procuradoria Especial da Mulher, através da deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), e a articulação na Assembleia. “O governador não pode mais ignorar, que ótimo que repensou e tomou a decisão mais acertada. Não vamos recuperar as vidas lamentavelmente perdidas, mas podemos evitar que outras se percam, com mais orçamento e mais políticas efetivas na vida das mulheres.”

Articulação e próximos passos

A mobilização para a retomada da pasta contou com uma moção pedindo a sua volta, assinada por 50 parlamentares da Assembleia Legislativa, incluindo todas as deputadas da Casa. O documento foi entregue ao governador durante a reunião da semana passada.

“Essa é uma demanda antiga. Completamos dez anos desde a extinção da secretaria, e nesse período vimos o aumento da violência de forma alarmante”, expõe a deputada estadual e presidenta da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa, Bruna Rodrigues.

Segundo ela, a iniciativa representa uma vitória histórica após uma década de desmonte. “Sou filha de uma mulher que sofreu violência doméstica e sei o quanto é difícil tomar a decisão de romper com esse ciclo sem ter uma mão estendida pelo poder público”, acrescentou.

A parlamentar destacou o simbolismo da votação: a moção foi assinada por mais de 50 deputados, representando mais de 90% do Parlamento gaúcho. “Mesmo aqueles que não assinaram, por questões de participação no governo, demonstraram concordância. Houve envolvimento da maioria, especialmente das mulheres, numa legislatura que tem a maior bancada feminina da história”, frisou.

Ela ainda celebrou o protagonismo das mulheres na articulação política que resultou na recomendação ao governador Eduardo Leite (PSD). “Hoje é um dia em que o Estado vence, o governador demonstra sua sensibilidade, mas o Estado vence. A luta organizada vence e o Parlamento contribui significativamente para isso”, declarou.

Apesar da comemoração, a deputada ressaltou que os desafios continuam. “Amanhã é dia de montar o plano e definir os próximos passos. Nós queremos falar de orçamento, nós queremos falar de um plano emergencial e nós queremos falar da reestruturação e da articulação das políticas necessárias para promover e para proteger a vida das mulheres.”

“Sou filha de uma mulher que sofreu violência doméstica e sei o quanto é difícil tomar a decisão de romper com esse ciclo sem ter uma mão estendida pelo poder público”, afirma Bruna Rodrigues – Foto: Vitor Rosa / Secom

Durante pronunciamento na tribuna da Assembleia Legislativa, nesta quarta-feira (25), a deputada estadual Stela Farias (PT) celebrou a retomada da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres no Rio Grande do Sul. Coordenadora da Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios no Parlamento gaúcho, ela destacou a importância do anúncio feito pelo governador Eduardo Leite e enfatizou a trajetória de luta que sustentou a conquista.

“Essa vitória tem dona, tem história, tem cicatriz. Foram dez anos de resistência dos movimentos de mulheres, do Conselho Estadual dos Direitos das Mulheres e deste mandato”, afirmou. Farias citou iniciativas como a Procuradoria Especial da Mulher e a Força-Tarefa de Combate aos Feminicídios, que coordena desde 2022, além da exposição “Arrancadas de Nós”, que homenageia vítimas da violência machista.

A deputada também lembrou políticas implementadas durante o governo Tarso Genro, como as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deams), a Patrulha Maria da Penha e os Centros de Referência. Apesar da celebração, fez um alerta: “Não basta anunciar. É preciso existir de fato”. E cobrou orçamento, estrutura e diálogo com os movimentos sociais. “Estaremos vigilantes. A luta não termina com um anúncio. Ela se renova com cada mulher que se sente segura para viver plenamente”, concluiu.

A deputada federal Fernanda Melchionna (Psol), coordenadora da Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre feminicídios no RS, avaliou o anúncio como uma vitória da mobilização social e institucional. “É preciso também garantir orçamento para a pasta, para que seja uma estrutura de fato efetiva na defesa da vida das mulheres. Nós criamos a Comissão Externa da Câmara dos Deputados para investigar a crescente onda de feminicídios no RS para, justamente, cobrar e fiscalizar as políticas públicas voltadas para combater esse crime”, enfatizou.

Secretaria como resultado da mobilização social

À imprensa, o governador Eduardo Leite afirmou que a recriação da secretaria atende a uma demanda apresentada por 50 deputados estaduais e por movimentos da sociedade civil. “A estrutura do Estado não é simplesmente a estrutura do governo de plantão. Recebemos uma demanda da Assembleia Legislativa, 50 deputados assinaram uma moção que entende que o Estado deve dar esse passo”, destacou o governador.

Conforme ressaltou Leite, o governo ouviu o movimento vinculado às mulheres. “Eu sempre tenho salientado: ouvir, entender as dores que afligem uma parte da sociedade e tomar medidas, inclusive repensando a estrutura, não é nenhuma fraqueza. Pelo contrário, é a força desse governo, que é do diálogo, que ouve, que escuta e entende que há uma demanda legítima.”

O governador Eduardo Leite afirmou que a recriação da secretaria atende a uma demanda apresentada por 50 deputados estaduais e por movimentos da sociedade civil – Foto: Vitor Rosa / Secom

Leite destacou que a nova pasta vai aprimorar a articulação de políticas públicas já existentes. Segundo ele, o Estado já investe mais de R$ 180 milhões em programas voltados às mulheres, como o Ser Mulher, serviço especializado em saúde feminina com R$ 34 milhões aplicados, e a política de monitoramento de agressores por tornozeleiras eletrônicas.

O governador explicou que a nova secretaria será estruturada a partir do atual Departamento de Políticas para as Mulheres, hoje ligado à Secretaria de Justiça, e poderá incorporar outras estruturas. A previsão é que a pasta tenha orçamento próprio, mas muitas ações continuarão sob gestão de secretarias temáticas, com atuação coordenada. Em 2014, último ano de atuação da pasta, os investimentos anuais giravam em torno de R$ 19 milhões.

“A Secretaria da Mulher vai interagir com a sociedade civil, a Assembleia e os municípios para potencializar políticas transversais e atender de forma mais eficaz um público que representa mais da metade da população”, afirmou.

Leite também esclareceu que a proposta não se trata de uma retomada literal da secretaria existente em governos anteriores. “Observamos a estrutura que havia lá atrás, mas também a de outros governos no Brasil. Estruturamos com base nas políticas públicas em vigor, na proteção às mulheres vítimas de violência, no acolhimento, na promoção da autonomia econômica e na articulação institucional com Parlamento, prefeituras e governo federal.”

Leite afirmou que a recriação da secretaria reflete um consenso que atravessa diferentes campos políticos, superando divisões ideológicas. “É uma boa demonstração o que tivemos hoje aqui: deputadas e deputados de vários partidos políticos defendendo uma mesma causa, e o governo ouvindo e encaminhando o tema. Ou seja, aquilo que a política deve fazer. A política deve ser um espaço de escuta, entendimento e avanços.”

Questionado sobre o nome que liderará a nova pasta, Leite disse que isso será definido após a aprovação do projeto. O perfil procurado deve reunir liderança, capacidade de gestão e legitimidade junto ao público-alvo.

“Não criamos uma estrutura a partir de uma pessoa, mas das políticas públicas. A partir da estrutura vamos procurar um melhor nome para promover a implantação da secretaria. Tem uma primeira demanda que é institucional. A secretaria tem que se organizar, trabalhar na coordenação com outras secretarias. Só depois buscaremos o nome mais adequado. Não faltam bons nomes no Parlamento e na sociedade.” Ele concluiu dizendo que a criação da secretaria não é uma medida pontual ou de fim de mandato, mas sim uma ação estrutural que deverá permanecer nos próximos governos.

“A Secretaria da Mulher vai interagir com a sociedade civil, a Assembleia e os municípios para potencializar políticas transversais e atender de forma mais eficaz um público que representa mais da metade da população”, afirmou Leite – Foto: Vitor Rosa / Secom

Sociedade civil comemora, mas exige estrutura

A decisão do governo também foi saudada por integrantes do sistema de justiça e da sociedade civil. Para a promotora Ivana Battaglin, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do MP-RS, é uma decisão acertada e urgente. “Não podemos mais tolerar que mulheres continuem sendo assassinadas apenas por serem mulheres.”

Battaglin também enfatizou que a conquista da retomada da pasta é fruto do empenho de muitas mãos: das deputadas estaduais que se uniram em torno de uma causa comum e da luta incansável dos movimentos sociais de mulheres, que há muito tempo denunciam a ausência de uma política pública robusta e coordenada para enfrentar o feminicídio e proteger a vida das mulheres.

A jornalista Télia Negrão, do Levante Feminista contra o Feminicídio, chamou atenção para a gravidade da situação. “Foi necessário que a situação das mulheres chegasse ao fundo do poço para que o governo admitisse sua responsabilidade. “Agora veremos qual estrutura de financiamento e gestão será dada ao novo órgão.”

Para a diretora executiva da Themis, Márcia Soares, mais do que anúncios, o que se quer é compromisso concreto. Seguiremos atentas para que essa estrutura não seja apenas simbólica, mas que tenha orçamento, equipe técnica qualificada e capacidade de implementar políticas públicas efetivas para enfrentar as desigualdades de gênero no estado”, afirmou.

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