Cisnes vermelhos e inovação: por que o presente importa tanto

Porto Digital parque tecnológico Recife
Porto Digital é um parque tecnológico que fica em Recife. Foto: Porto Digital/Divulgação

*Artigo escrito por Ana Carolina Júlio, diretora de Pesquisa e Novos Negócios do Base27

Em junho, o ecossistema de inovação capixaba foi atravessado por uma conversa que, mais do que inspirar, provocou reflexão. No Base27, recebemos Silvio Meira, professor e cofundador do Porto Digital, um dos principais parques tecnológicos do país.

O tema? Inovação. Mas não necessariamente isso. Para além de tecnologia, transformação digital ou IA, falamos de comportamento, hábitos, subjetividades. De como a inovação é, antes de tudo, um fenômeno humano.

Silvio trouxe uma imagem potente: a dos “cisnes vermelhos”. Uma inversão conceitual dos “cisnes negros” de Nassim Taleb (The Black Swan: The Impact of the Highly Improbable); eventos raros, imprevisíveis e de grande impacto econômico, social, político e/ou tecnológico (vide a Covid-19).

Os cisnes vermelhos são silenciosos, graduais e quase invisíveis. Representam transformações incrementais, que ocorrem nas camadas mais sutis do cotidiano e, por isso, escapam aos nossos radares.

Ainda assim, têm o poder de mudar a história, como a eletricidade, a internet ou a inteligência artificial.

Essa imagem me remeteu à metáfora do “sapo fervido”: se colocado em água que aquece lentamente, o sapo não percebe o perigo até ser tarde demais.

Assim também somos nós, muitas vezes imersos em rotinas e indicadores que ignoram o que realmente está mudando: a forma como nos relacionamos, aprendemos, consumimos e confiamos.

Vivemos numa cultura orientada ao curto prazo, que valoriza rupturas bruscas e negligencia os sinais fracos.

Esse encontro me levou de volta à minha tese de doutorado, defendida em 2019, na qual sustento que a mudança não é uma exceção, mas a regra. Mudar é a condição natural da existência humana, e mudanças estruturais frequentemente se manifestam de forma imperceptível, em processos contínuos e graduais.

A inovação, portanto, não está apenas nas disrupções. Ela se manifesta também, e sobretudo, nas microtransformações contínuas que atravessam o tecido da vida social e organizacional. Ignorá-las é correr o risco de se tornar um sapo fervido em ambientes cada vez mais complexos e dinâmicos.

Silvio encerrou com uma provocação certeira: “O futuro vem do futuro, e o presente é uma máquina que transforma futuros possíveis em passado.” Em outras palavras, o presente é o campo em que as possibilidades do amanhã são testadas, rejeitadas ou consolidadas.

O desafio não é prever o que virá, mas expandir nossa sensibilidade para perceber o que já está em curso: usos não previstos de uma tecnologia, gestos que se tornam hábitos, hábitos que viram cultura, e cultura que redesenha mercados inteiros.

Talvez esse seja o maior chamado da inovação: deslocar nossa atenção da previsão para a percepção e participar conscientemente da construção do futuro. Que sejamos capazes de enxergar os cisnes vermelhos ainda no início de sua revoada.

Ana Carolina Júlio. Foto: Reprodução/TV Vitória
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