
Segundo economistas, ao mesmo tempo que falam de responsabilidade fiscal, governo e Congresso seguem na contramão, com decisões que ampliam gastos e sem discutir, de fato, uma reforma estrutural. Estudos de economistas indicam que o Estado brasileiro corre o risco de paralisar em 2026 se não houver cortes de gastos para equilibrar as contas públicas. Isso depende do governo e do Congresso.
O estrangulamento fiscal no centro do debate.
“O governo não vai ter espaço de manobra para governar, e isso se deve ao crescimento automático das despesas obrigatórias. Você tem indexações, vinculações, uma rigidez enorme, e a receita não cresce no mesmo ritmo das despesas”, diz Marcus Pestana, diretor-executivo da IFI.
A Instituição Fiscal Independente, do Senado, defende um ajuste das contas para evitar um colapso da capacidade administrativa do governo a partir de 2026 e a disparada da dívida brasileira, indicador da saúde financeira do país. A projeção da IFI é que a dívida pública termine 2025 em 77,6% do PIB e que continue crescendo.
“O problema é econômico, mas as soluções são políticas. Cabe ao Congresso, Palácio do Planalto, discutindo com a sociedade, gerarem as alternativas para superação desse grave gargalo que é o calcanhar de Aquiles da economia brasileira”, afirma Marcus Pestana.
Com derrubada do aumento do IOF, economistas apontam caminhos para reduzir gastos e equilibrar contas públicas
Jornal Nacional/ Reprodução
Diagnóstico, governo e Congresso têm. Mas, ao mesmo tempo que falam de responsabilidade fiscal, seguem na contramão – de acordo com economistas – com decisões que ampliam gastos e sem discutir, de fato, uma reforma estrutural – que, a longo prazo, deixe o Estado mais eficiente, preserve a saúde das contas públicas, atraindo investimentos.
A arrecadação do governo vem batendo recordes. Em maio, passou de R$ 230 bilhões. E hoje, algumas despesas – como gastos mínimos com saúde e educação – crescem conforme o ritmo das receitas.
“Toda a nossa arrecadação hoje tem ou uma transferência obrigatória, no caso para estados e municípios, ou gastos obrigatórios vinculados, como na saúde, na educação. Então, toda vez que cresce a arrecadação, a gente também cresce transferência e despesas. Então, isso não vem surtindo efeito para que a gente reduza o déficit. Então é necessário controlar o crescimento desses gastos para que, de fato, a gente consiga zerar o déficit primário hoje no Brasil”, afirma Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.
Outras despesas, como benefícios previdenciários e assistenciais, estão atreladas ao valor do salário mínimo. Em 2023, o governo Lula propôs e o Congresso aprovou a política de valorização do mínimo, que passou a considerar a variação da inflação e o crescimento da economia. De acordo com cálculos do governo, a cada um real de aumento do salário mínimo, a despesa aumenta em cerca de R$ 400 milhões.
“Hoje, o nosso Orçamento não comporta esse aumento de programas sociais vinculados ao salário mínimo. Alguns gastos de hoje precisam ser congelados e corrigidos somente pela inflação, até que a gente volte a ter superávit. E aí sim, com a queda dos juros, na medida em que a gente tem um risco fiscal menor, a economia pode voltar a crescer e a gente poderia ter um espaço para novos aumentos lá na frente”, diz Rafaela Vitória.
Em um vídeo gravado, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, disse que novas medidas não vão recair sobre os mais pobres:
“Eu não acredito em previsões catastróficas. Esse país está consolidando uma economia que vai levar ao desenvolvimento. E qualquer ajuste que possamos ou tenhamos que fazer nas contas públicas, e já fizemos vários, com certeza tem que recair sobre aqueles que têm mais condições, os mais ricos, os mais poderosos, os que pagam pouco imposto, para que não haja nenhum corte sobre o povo trabalhador”.
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Na entrevista à “Folha de S.Paulo”, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou de medidas de corte de gastos tomadas pelo governo e enviadas ao Congresso:
“Nós rediscutimos política de salário mínimo, rediscutimos abono salarial, mandamos a aposentadoria dos militares, reabrimos a discussão sobre os supersalários, mandamos critérios objetivos de concessão de BPC. Quantas você contou aqui? Já enchi a mão aqui com as medidas, dentre outras… GDF que não foi apreciado. Essas medidas todas… Pé-de-Meia, que entrou no piso da educação… Vamos lá. Só aqui, quantas eu contei? Nós estamos pensando o tempo todo nisso, mas estamos com critério de onde fazer, como fazer, para não prejudicar quem precisa do Estado e olhando do andar de cima, olhando para as renúncias fiscais”.
Outro gasto que só aumenta é o das emendas parlamentares – dinheiro do Orçamento que deputados e senadores direcionam para suas bases eleitorais. Devem passar de R$ 50 bilhões em 2025.
“O que a gente peca é a magnitude. A gente está falando aqui em algo como 25% das despesas discricionárias. É uma proporção que a gente não observa em outros países. Então, aqui isso já deveria ser um motivo de alerta, ainda mais nas condições em que estão as contas públicas. Não há dúvida de que precisa de um freio de arrumação. É muito importante que esses recursos tenham transparência para a sociedade e tenha, de fato, a garantia de que o recurso está sendo bem utilizado”, afirma Zeina Latif, economista da Gibraltar Consulting.
Aí entra a responsabilidade do Congresso.
“Muitas vezes, despesas são criadas. Se altera a Constituição, se flexibiliza por esse aspecto, não se respeita o espírito de responsabilidade fiscal. E a gente vê crescimento de emendas, a gente vê políticas públicas serem renovadas. O Executivo precisa liderar, mas isso não quer dizer que não tenha responsabilidade do Congresso também”, diz Zeina Latif.
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