
MAPUTO, Junho 2025
Recuperar a CONCP: Para um Espaço Epistemológico Dos/Nos Cinco – Palop
“A liberdade pensada em conjunto é o primeiro passo para a liberdade vivida em comum.”
I. Introdução
Os países africanos de língua oficial portuguesa — Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe — partilham uma história de resistência à opressão colonial e de construção da liberdade. Contudo, no campo do pensamento filosófico, esta herança partilhada tem sido ignorada, marginalizada por paradigmas hegemónicos, impostos de fora.
Neste manifesto, propomos um retorno à CONCP — Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas — como fundamento ético, político e filosófico de um espaço de pensamento próprio, comum, africano veiculado em línguas nacionais e em língua portuguesa. Defendemos que os ideais fundadores da CONCP podem e devem ser reativados como valores centrais de um espaço epistemológico com identidade própria.
II. A CONCP: Fundação de um Pensamento Libertador
Casablanca, 1961. Jovens africanos vindos de diferentes territórios das colónias portuguesas reúnem-se para pensar juntos a liberdade.
A CONCP não foi apenas uma plataforma de luta anti-colonial. Foi, acima de tudo, um lugar de elaboração conjunta de ideais, onde a solidariedade entre os povos e a luta pela sua autodeterminação falava mais alto que os nacionalismos emergentes. Os seus princípios — autodeterminação, justiça, unidade, dignidade — nasceram não apenas da política, mas também da historia e da experiência partilhada de sofrimento, resistência e sonho.
Mais do que uma aliança estratégica, a CONCP foi um ensaio vivo de filosofia da autodeterminação e libertação, onde se discutia o sentido da independência como liberdade ontológica e política dos povos Africanos.
III. Uma Genealogia Esquecida
“A luta continua”, diziam – mas esquecemos o pensamento que a iniciou”.
Após as independências, os novos Estados soberanos adotaram lógicas de centralização minimizando o diálogo da partilha do destino. Os debates da CONCP, que uniam Angola e Moçambique à Guiné, Cabo Verde e São Tomé, foram substituídos por narrativas nacionais fechadas, muitas vezes alienadas das raízes comuns da luta pela autodeterminação contra o colonialismo português.
Com isso, perdeu-se a possibilidade de edificar uma filosofia africana em línguas nacionais e em língua portuguesa unitária, crítica e criadora, baseada na experiência histórica de libertação. Enquanto outras regiões do continente africano e das diásporas africanas sistematizavam suas tradições intelectuais, os PALOP ficaram órfãos da sua genealogia filosófica.
IV. A CONCP como Fundamento Epistemológico
A CONCP não é apenas um fato político. É um fato epistemológico.
Os valores da CONCP contêm um potencial filosófico original. Eles propõem uma forma de pensar a liberdade como vínculo e responsabilidade, não como abstração liberal. Propõem a dignidade não como conceito jurídico, mas como expressão da moralidade e historicidade africanas.
Reativar a CONCP como fundamento epistemológico implica:
* Revalorizar a oralidade e os saberes endógenos como fontes legítimas de conhecimento;
* Mergulhar a filosofia africana na experiência da luta por um destino comum;
* Construir um espaço plural, crítico e enraizado no que os povos Africanos viveram e continuam a viver e esperam no futuro
V. Três Caminhos para a Reativação Filosófica da CONCP
“Para recordar com eficácia, é preciso institucionalizar a memória.”
1. Observatório Filosófico da Autodeterminação:
Criar centros de estudo, ligados às universidades dos PALOP, que investiguem, publiquem e ensinem os textos da CONCP e os pensamentos dos seus protagonistas.
2. Rede Filosófica Pan-africana dos Cinco
Promover intercâmbios intelectuais regulares entre os PALOP. Realizar colóquios, congressos, edições conjuntas, formações e construção de currículos filosóficos em comum.
3. Corpus Comum de Referência:
Publicar e divulgar amplamente os documentos históricos da CONCP – declarações, cartas, discursos – com edições críticas, comentários e traduções acessíveis. Para o efeito, serão indispensáveis o concurso e a colaboração dos arquivos públicos e privados existentes nos Palop e em outros países.
VI. Conclusão: Filosofia como Reivindicação da Herança Partilhada
“Não herdamos apenas bandeiras; herdamos ideias.”
A filosofia africana veiculada em língua portuguesa não pode limitar-se a ecos coloniais ou modelos importados. Deverá recuperar os fundamentos da sua própria génese libertadora, à luz dos quais a filosofia e a política eram inseparáveis, tendo sido a legitimidade da acção e da luta suportada por um pensamento endógeno de longa duração.
A CONCP é, neste sentido, o nosso arquivo fundador. É tempo de abrir esse arquivo, escutá-lo e atualiza-lo. Só assim poderemos falar de uma filosofia africana que não apenas denuncia o colonialismo, mas propõe novos caminhos – éticos, políticos, estéticos e epistémicos – para o estudo da autodeterminação e emancipação dos povos no quadro mais geral da história do continente africano e do mundo.
Severino Ngoenha (Moç), Filomeno Lopes (G. Bissau), Luis Kandjimbo (Angola), Jose Castiano (Moç), Moreira Bastos (Angola)
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