Frágil trégua entre Irã e Israel: entenda os impactos geopolíticos da crise

O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou na última segunda-feira (23) um cessar-fogo no conflito entre Irã e Israel. A declaração foi feita após os ataques de Israel e dos EUA ao Irã e da resposta iraniana contra bases americanas no Catar. No entanto, logo após o anúncio, houve violações da trégua. Na sequência, Israel e Irã concordaram em interromper os ataques e a tensão foi amenizada.

A escalada da crise foi aplacada e todos os três países envolvidos – Israel, Irã e EUA – declararam a interrupção das hostilidades reivindicando vitória diante das ações militares. No entanto, os impactos geopolíticos da crise na região não dão garantias de estabilidade.

A fragilidade da trégua reside no fato de que a aliança entre EUA e Israel, em meio à escalada do conflito, deixou claro que o objetivo central das ações militares foi a queda do regime do aiatolá Khamenei e a destruição do potencial nuclear iraniano. Estas ameaças não saíram dos planos de Washington e Tel Aviv.

Nesse contexto, em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Fernando Brancol não exclui a possibilidade de retomada dos ataques de Israel em um futuro próximo. Mais do que isso, ele considera que a atual trégua estabelecida na região possui um caráter de fragilidade, considerando a atual conjuntura política no Oriente Médio e as motivações israelenses para desdobrar esse conflito em seu princípio.

Segundo o pesquisador, há muitos indícios de que o atual cenário de cessar-fogo possa não ser permanente a longo prazo. Um destes pontos é a situação de fragilidade em que o governo iraniano se encontra no momento, considerando o enfraquecimento de grupos aliados como o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, em Gaza, e, principalmente, após a queda de Bashar Al-Assad, na Síria. Esta conjuntura teria tornado a posição de Teerã vulnerável a uma investida de Israel.

“Eu acho que um ponto essencial para a gente entender nesse momento é que para Israel neste momento faz pouco sentido a manutenção de um cessar-fogo, imaginando que é um momento mais frágil do governo iraniano, é o momento em que o regime está mais enfraquecido”, afirma.

Esta ameaça ficou clara na declaração do ministro da Defesa israelense, Israel Katz, que, na última sexta-feira (27), disse que os ataques ao Irã durante a guerra de 12 dias foram “apenas uma prévia”. Ele declarou que ordenou que as Forças de Defesa de Israel (IDF) elaborassem um “plano de dissuasão contínuo” contra o regime do líder supremo do Irã, Ali Khamenei.

Em relação ao programa nuclear, ao contrário do que foi anunciado por Donald Trump, o Irã afirmou que não pretende retomar as negociações sobre o tema com os Estados Unidos. De acordo com o ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, “as negociações estão fora de questão por enquanto”. No comunicado, o ministro condenou a cumplicidade dos Estados Unidos com Israel nas investidas contra o Irã.

Antes dos ataques militares ao Irã, o programa nuclear do país persa foi objeto de várias rodadas de negociações com os EUA, iniciadas em abril, com a mediação de Omã. Com os bombardeios israelenses, que tiveram início em 12 de junho, os diálogos foram suspensos. No dia 21 de junho, os Estados Unidos entraram na guerra, bombardeando três instalações nucleares iranianas.

A busca por minar o potencial iraniano, não só nuclear, mas político como um todo, nunca deixou de ser o norte da política externa de Washington e Tel Aviv na região. A estratégia de estabelecer uma hegemonia política e militar israelense também está relacionada com as fortes relações que Teerã tem com aliados importantes como a China e a Rússia.

Isso ficou claro na reunião que aconteceu no meio da crise entre o chanceler iraniano, Abbas Araghchi, e o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscou, um dia após a intervenção dos EUA no conflito. O líder russo saiu em defesa do Irã e destacou que as ações militares contra Teerã representaram uma “agressão absolutamente não provocada” e foram realizadas “sem fundamento ou justificativa”.

O chanceler iraniano também destacou a cooperação com a Rússia no âmbito do programa nuclear.

“Sempre mantivemos consultas estreitas com nossos amigos na Rússia sobre todas as questões. Em relação ao programa nuclear do Irã, a Rússia tem sido uma parceira e companheira. Eles construíram as instalações nucleares de Bushehr para nós. A Rússia também esteve presente nas negociações nucleares e foi uma das partes-chave nas negociações”, afirmou.

Apesar das alianças do Irã no plano internacional, a capacidade de Teerã ter um apoio direto em um cenário de nova escalada é muito restrita. Moscou, por exemplo, possui uma cooperação militar com o Irã, mas a parceria estratégica entre os dois países não prevê um apoio militar direto no caso de agressão a uma das partes. Segundo o analista Fernando Brancoli, este é um dos motivos da atual vulnerabilidade do Irã.

“Para além desses atores regionais, se a gente olhar os dois grandes aliados iranianos, que são a Rússia e a China, os dois têm feito movimentações muito modestas no que diz respeito ao apoio ao Irã. O que a gente tem são declarações fortes tanto de Moscou quanto de Pequim, dizendo que o direito internacional tem que ser respeitado, mas do ponto de vista prático, não há movimentações de envio de munição, de equipamento, e me parece que é um cálculo que tanto Rússia quanto China não têm interesse algum em entrar em um conflito que pode ser visto contra os EUA”, completa.

Em janeiro de 2025, Moscou e Teerã assinaram o “Tratado de Parceria Estratégica Abrangente”, estreitando a cooperação entre os dois países em diversas áreas. No plano militar, o documento previa a promessa de Rússia e Irã não fornecer apoio a países que demonstrassem “agressão” contra uma das partes do tratado. No entanto, o acordo não continha quaisquer obrigações militares.

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