Filme tão controverso que o governo interrompeu a produção e ordenou a destruição de todo o material ainda mantém 100% de aprovação

Filme tão controverso que o governo interrompeu a produção e ordenou a destruição de todo o material ainda mantém 100% de aprovação

Imagine a empolgação no ar no final dos anos 1970. O cinema vivia uma revolução espacial. Enquanto “Guerra nas Estrelas” conquistava o mundo com sua aventura galáctica, na Polônia, outro projeto ambicioso ganhava forma nas mãos do visionário diretor Andrzej Zulawski. Seu filme, “Globo de Prata”, prometia uma viagem igualmente épica, mas seu destino seria marcado não pelo sucesso, e sim por um confronto direto com o poder.

Baseado na renomada “Trilogia Lunar” de Jerzy Żuławski, tio do diretor, “Globo de Prata” mergulhava em um futuro onde astronautas terrestres, liderados por atores como Andrzej Seweryn e Jerzy Trela, não apenas exploravam a Lua, mas nela estabeleciam uma nova sociedade.

Após um pouso forçado, esses pioneiros começam uma colônia. Mas o satélite guarda segredos perturbadores: as crianças nascidas ali apresentam um desenvolvimento acelerado, amadurecendo muito mais rápido do que na Terra. Gerações se sucedem em um ritmo alucinante.

O último sobrevivente da tripulação original, testemunhando a transformação radical da sociedade lunar que ajudou a criar, consegue enviar um registro visual de suas experiências de volta para casa.

Esse material precioso chega às mãos de Marek, um cientista terrestre mergulhado em uma crise pessoal após o fim de seu casamento. Buscando um sentido novo, Marek embarca em uma jornada solo para o “Globo de Prata”, o mundo que assistiu nos registros.

Sua chegada, porém, é recebida de maneira inesperada e avassaladora. Para os descendentes dos colonos originais, agora uma sociedade distinta com suas próprias crenças e hierarquias, Marek não é um simples visitante. Ele é visto como uma figura messiânica, uma encarnação divina aguardada por profecias antigas. O cientista, apenas um homem confuso e frágil, se vê subitamente no centro de um turbilhão de adoração fanática e expectativas cósmicas, em um mundo que mal compreende.

O filme estava em produção há dois anos antes de ser interrompido (Eureka Entertainment)

O filme estava em produção há dois anos antes de ser interrompido (Eureka Entertainment)

O cenário estava pronto para um épico de ficção científica único, filmagens estavam em andamento, mas o projeto encontrou barreiras muito além dos desafios técnicos de uma produção espacial. O governo comunista da Polônia, então sob forte controle estatal, começou a enxergar problemas profundos em “Globo de Prata”.

As alegorias presentes na trama – a crítica ao fanatismo, a análise do surgimento de novas formas de poder e controle social, a possível reflexão sobre os próprios regimes totalitários – soaram como um ataque direto ao establishment.

Em 1977, quando as filmagens já estavam bastante avançadas, veio o golpe fatal. O Ministro da Cultura da Polônia ordenou o cancelamento imediato e definitivo da produção. Não houve apelo. O cinema na Polônia era estatal, e uma ordem ministerial era lei.

O elenco, incluindo Seweryn, tentou protestar, assinou cartas, mas nada adiantou. A máquina estatal foi implacável. Além de parar tudo, parte dos negativos já filmados foi intencionalmente destruída, uma tentativa de apagar fisicamente a obra da existência.

“Globo de Prata” parecia condenado a ser apenas uma lenda, um filme fantasma. Andrzej Zulawski, no entanto, não se resignou. Mais de uma década depois, em 1988, com a situação política um pouco menos rígida, ele empreendeu uma missão quase impossível: ressuscitar o que restava.

Sem as cenas finais filmadas e com lacunas enormes na narrativa devido ao material destruído, Zulawski adotou uma solução radical e profundamente pessoal. Ele preencheu os espaços vazios com imagens da própria realidade polonesa contemporânea – paisagens urbanas, pessoas comuns nas ruas, cenas do cotidiano de 1988. Era um contraste proposital e poderoso, unindo o sonho sci-fi interrompido à realidade que o censurara.

A apresentação no Festival de Cannes daquele ano foi um evento histórico e singular. Zulawski não apenas exibiu esse mosaico incompleto de ficção científica e documentário, mas também assumiu o microfone.

Durante a projeção, ele narrou ao vivo, para a plateia, o que deveria estar acontecendo nas cenas perdidas, descrevendo diálogos, ações e o desenvolvimento da trama que o espectador não podia ver. Foi uma experiência cinematográfica única, um testemunho de resistência artística.

O que chegou até nós, portanto, é um fragmento. Um filme mutilado pela censura, remendado pela criatividade obstinada de seu criador e eternamente marcado pela narração de seu luto. Apesar (ou talvez por causa) dessa natureza truncada, “Globo de Prata” conquistou um status de culto impressionante.

Críticos e cinéfilos reconhecem sua força visual, sua ambição temática e sua atmosfera inigualável. A prova está em sua rara e perfeita pontuação de 100% no agregador Rotten Tomatoes. É um monumento imperfeito, mas também uma prova irrefutável de que algumas ideias, mesmo violentamente reprimidas, são simplesmente impossíveis de apagar completamente. A jornada interrompida para o “Globo de Prata” permanece como uma das histórias mais fascinantes e trágicas da história do cinema.

Esse Filme tão controverso que o governo interrompeu a produção e ordenou a destruição de todo o material ainda mantém 100% de aprovação foi publicado primeiro no Misterios do Mundo. Cópias não são autorizadas.

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