Está decidido: as empresas são responsáveis pelo conteúdo que os usuários publicam nas redes sociais. Ou seja, as chamadas big techs, grandes plataformas de tecnologia, finalmente terão que agir em relação ao que é divulgado em seus canais, independentemente de decisão judicial específica.
O que isso realmente significa na prática, só o tempo dirá. A realidade é que o universo digital é palco de divulgação de temas que ferem os direitos humanos e raramente há algum controle sobre isso.
No Brasil, o Marco Civil da Internet é a tentativa de colocar um pouco de ordem no tema, e o que vivemos agora foi sua atualização, pois a versão utilizada era de 2014. Na prática, nesta semana, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) discutiram dois recursos de decisões de instâncias inferiores que se baseiam no artigo 19 do Marco.
Ele estabelece os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, com as previsões de responsabilização civil das plataformas apenas mediante ordem judicial específica. E isso seria para “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, expressões comumente utilizadas como defesa das maiores atrocidades ditas online. Afinal, o que define o que pode ou não ser publicado?
A partir de agora, é responsabilidade das empresas a criação de mecanismos para remover das plataformas conteúdos que ensejam crimes, sem a necessidade de uma ordem judicial. Estes crimes englobam racismo, homofobia, atos antidemocráticos, crimes contra mulheres e crimes sexuais dos mais diferentes tipos. Ou seja, o mínimo.
Apesar do avanço, a medida está longe de ser suficiente. Para Bia Barbosa, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet (CGI) em participação no podcast Três Por Quatro desta semana, o problema vai além de conteúdos ilícitos, e inclui a lógica de negócios baseada na coleta massiva de dados pessoais e direcionamento de publicidade.
“Vamos permitir modelos de negócios que coletam abusivamente e perfilam cada usuário e direcionam conteúdos, principalmente anúncios, em função dos nossos perfis e dados pessoais, recebendo propaganda política em função de determinadas ideologias?”, questiona.
Na sua avaliação, o modelo de negócios atual das redes estimula a disseminação de conteúdos extremistas e desinformativos, e as plataformas se beneficiam disso financeiramente. Isso nos faz recordar do PL 2630/2020, conhecido como “Lei das Fake News” e enterrado por Arthur Lira (PP) há um ano, sob a justificativa de que estava “contaminado” pela narrativa de que criaria a censura na legislação brasileira.
Enquanto a regulamentação tenta contornar isso, a batalha parece um pouco perdida quando se considera quem controla tais empresas. O mercado de informação mundial está nas mãos de bilionários como Elon Musk (X), Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Sundar Pichai (Google) e Tim Cooke (Apple). Todos que muito felizmente compareceram à posse de Donald Trump de volta à Presidência dos Estados Unidos este ano.
Essa presença confirma o que já sabíamos: as big techs são aliadas da extrema direita global, lucrando com seu ecossistema de desinformação e impulsionando suas ideias, valores e projeto político mundo afora. O momento permite que as redes sejam um ambiente de ódio, onde o fascismo anda solto, e as regulamentações brasileiras são pequenas perto disso.
E a construção de soberania digital é um desafio na ordem do dia para o Sul Global. O 4º Colóquio Internacional Pátria, realizado na Universidade de Havana (Cuba) em março, debateu justamente os desafios da comunicação, da tecnologia e da luta pela soberania da informação em um mundo dominado por hegemonias midiáticas, o tecno-feudalismo e o avanço da extrema direita.
A ideia é construir uma rede permanente de trabalho, promovendo uma Rede do Sul, “consciente de que as ideias só ganham vida quando são acompanhadas de organização coletiva e constante”, conforme a coordenação do colóquio.
Para isso, há a necessidade de pensar em agendas regionais com objetivo de buscar os consensos e estruturar os pontos em comum sobre a regulação econômica das plataformas digitais; incidir para que os Estados latino-americanos criem infraestruturas públicas para viabilizar a criação de plataformas públicas; e mapear aplicativos públicos (municipais, estaduais) e desenvolvidos por cooperativas e movimentos populares que inspirem novas soluções digitais.
Caminhamos um pouco mais longe? Sim. Mas a luta não acaba aqui e precisamos seguir alertas, atentos e cuidadosos com o que se apresenta como espaço de comunicação digital. E isso a nível do Sul Global, indo além dos espaços brasileiros.
E o Brasil de Fato seguirá atento a esta e a muitas outras lutas que garantam o espaço, o respeito e as vozes daqueles que defendemos. E você pode seguir conosco apoiando nosso trabalho com apenas R$ 1 por dia. Não deixemos que as big techs controlem a forma que nos informamos.
Seguimos atentos. E online.
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