Pronara é passo para frear uso de agrotóxicos como ‘arma de guerra’

O decreto que atualiza o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), assinado nesta segunda-feira (1º) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), representa um marco para movimentos populares e ambientalistas que denunciam há décadas os impactos do uso desenfreado de pesticidas no Brasil. A avaliação é de Paulo Petersen, coordenador executivo da Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) e membro do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, nesta terça (2).

“O Brasil virou um mercado de consumo de produtos proibidos em outros lugares”, critica. “Se despeja aqui aquilo que já é proibido há muito tempo em outros lugares e não temos nenhum tipo de regulação, não tem debate público. […] Pela primeira vez conseguimos um ato normativo no sentido de reconhecer e colocar um freio”, avalia. Embora o decreto represente um avanço, o Pronara ainda não tem força de lei, nem orçamento próprio.

Petersen também cita o agravamento da situação com novas tecnologias, como os drones usados para pulverização. “Não temos mais controle sobre o uso dessa tecnologia. Vemos comunidades sendo pulverizadas, territórios de populações tradicionais, indígenas. O agrotóxico virou uma arma de guerra, de contaminação intencional. Temos registros de comunidades que têm seus reservatórios de água contaminados por agrotóxicos. Esse tipo de situação tende a se acentuar se não conseguirmos que o Estado reconheça e crie seus instrumentos para colocar esses freios”, defende.

Assunto da sociedade

O ativista reforça que a luta contra os pesticidas é uma pauta que extrapola a agricultura. “Não é um assunto só da agricultura e da produção de alimentos, é um assunto do conjunto da sociedade. O agronegócio hoje está praticamente livre, na sua sanha expansionista, e conter os agrotóxicos é um elemento-chave para que consigamos recolocar o debate”, afirma.

O coordenador da ANA também reforçou que o Pronara tem potencial para beneficiar o próprio agronegócio, ao incentivar o uso de bioinsumos e reduzir custos com produtos químicos, que são cada vez menos eficazes. “Os agrotóxicos estão cada vez mais ineficientes. […] A própria exportação agrícola estará comprometida com esse aumento. Uma parte importante do agronegócio é favorável à redução”, destaca.

O programa foi formulado com participação de diversos ministérios e prevê ações em áreas como formação, substituição de venenos por bioinsumos e revisão tributária. Só em 2023, o setor recebeu R$ 26 bilhões em isenções fiscais. Petersen defende que os R$ 15 bilhões necessários para alcançar a meta fiscal do país neste ano, de acordo com o anúncio do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sejam recolhidos com o fim da isenção dos agrotóxicos no Brasil. “Seria uma sinalização extremamente importante que vem em coerência ao decreto que foi publicado ontem”, opina.

Caminho longo

Apesar dos avanços, o especialista critica pontos do decreto, que, segundo ele, foi “negociado palavra a palavra”. Um deles é a ideia de que existe uma quantidade aceitável de pesticidas, sob a expressão “uso racional”, mantida no texto final. “Não existe uso racional de agrotóxicos”, protesta. Outro embate foi em torno da tentativa de limitar o Pronara apenas aos “mais tóxicos”, classificação definida pelo próprio Ministério da Agricultura. “Conseguimos barrar essa ideia. O programa é para todos os agrotóxicos, embora priorize os mais perigosos”, explica.

Para ele, o Pronara é resultado direto da pressão da sociedade civil. “Hoje nós temos um instrumento legitimador e ancorador dessas lutas. A mobilização social será fundamental”, apontou. Ele ressalta que, até pouco tempo atrás, o tema era tratado de forma isolada pelo Ministério da Agricultura, o que favorecia a liberação indiscriminada dos produtos. “É uma ação interministerial, não está concentrada em um único ministério. Isso é um outro ganho”, celebra.

Mesmo com as limitações do decreto, Petersen vê no Pronara um ponto de partida. “É um caminho longo por conta das resistências no plano institucional. […] Temos no Congresso Nacional uma verdadeira bancada dos agrotóxicos, praticamente a serviço dessa indústria”, pondera. “Não é o decreto dos sonhos, mas coloca os ministérios para pensar uma estratégia conjugada de como vamos reduzir os agrotóxicos, com as organizações da sociedade civil, os movimentos sociais, que já são históricos defensores, de onde surgiu a ideia”, conclui.

Para ouvir e assistir

O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.

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