A rearticulação da política cultural no Rio Grande do Sul vem sendo construída com base em encontros, rodas de conversa e ações formativas. O Comitê de Cultura do Rio Grande do Sul, em parceria com o Escritório Estadual do Ministério da Cultura (MinC), tem promovido atividades voltadas à qualificação de agentes culturais, à divulgação de editais e ao fortalecimento da participação social no planejamento e no acesso a políticas públicas.
Segundo o coordenador metodológico do Comitê de Cultura do RS, André de Jesus, o trabalho nos territórios parte do reconhecimento das realidades locais. “A nossa metodologia é identificar e reconhecer as atividades, os bens, os meios, os fazeres culturais daquele território. Isso pode ser um bairro, pode ser uma cidade, uma comunidade indígena ou quilombola”, explica.
Ele destaca que essas ações buscam oferecer “uma qualificação, uma atualização, uma reformulação de pensar a cultura como direito”. O objetivo é ampliar o alcance de políticas públicas a quem historicamente teve menos acesso.

De acordo com André de Jesus, grande parte dos agentes culturais atuam de forma autônoma, sem vínculos institucionais consolidados ou acesso sistemático a editais e recursos. “Esses agentes são independentes, alternativos, muitas vezes não acessaram ou acessaram muito pouco recursos do Estado. Muitos ainda estão num processo de entender a importância de sua participação, o seu direito ao fomento”, afirma.
A mobilização, segundo ele, inclui discussões técnicas e históricas, além de reflexões sobre o papel social da cultura. “Trazemos um olhar técnico, histórico e popular para pensar política cultural como política de direito. Investigamos o gargalo de falta de estrutura que impede que mais pessoas participem dos espaços de decisão e elaboração das políticas”, diz.

Presença territorial e formação contínua
O trabalho do Comitê e do Ministério da Cultura se apoia em uma rede descentralizada de agentes territoriais. Mariana Martinez, coordenadora do Escritório Estadual do MinC no RS, ressalta a importância dessa presença. “A valorização da política territorial é central para garantir que artistas, produtores e comunidades possam acessar recursos, se expressar livremente e participar da construção de políticas inclusivas”, afirma.
Ela explica que a rede inclui 43 agentes territoriais em 31 microrregiões gaúchas, responsáveis por articulação local, formações e comunicação para facilitar o acesso a editais. “Essa presença em campo é fundamental para mudar o paradigma de construção de políticas públicas. Permite que os recursos cheguem de forma mais descentralizada e que os processos de escuta sejam efetivos”, diz.

Segundo Martinez, o objetivo é consolidar uma rede que apoie grupos culturais, artistas independentes e comunidades tradicionais. “Estamos falando de quem sustenta a diversidade cultural do país há séculos, muitas vezes sem apoio estatal. O trabalho é garantir o acesso, transformar investimento em impacto social, geração de trabalho e renda, pertencimento e cidadania”, explica.
Investimentos e resposta em situações de crise
As políticas públicas de cultura no estado contam com recursos oriundos de programas federais. A coordenadora aponta que, até 2028, o Rio Grande do Sul deve receber mais de R$ 1 bilhão em investimentos culturais, somando recursos da Lei Paulo Gustavo, Política Nacional Aldir Blanc, Programa Ceus da Cultura e Programa Retomada Cultural.
Durante a tragédia climática que atingiu o estado, o Programa Retomada Cultural foi implementado para apoiar grupos impactados. Segundo Martinez, essa iniciativa foi construída em diálogo com a comunidade cultural. Em 2024, o programa destinou R$ 60 milhões, viabilizando mais de 4 mil bolsas de formação de R$ 4,5 mil cada, além de prêmios e auxílios para pontos de cultura, grupos artísticos, quilombos e bibliotecas comunitárias. “A participação social foi essencial para a elaboração do programa, que se tornou uma ação modelo em resposta à crise climática”, relata.
Em 2025, o estado atingiu 100% de adesão dos 497 municípios ao segundo ciclo da Política Nacional Aldir Blanc, considerada uma das maiores iniciativas de transferência voluntária para a cultura no Brasil. Mariana explica que o programa prevê reserva de recursos para áreas periféricas e comunidades tradicionais, ações afirmativas com cotas para pessoas negras, indígenas e com deficiência, além de obrigatoriedade de participação social na elaboração dos planos de aplicação dos recursos. “É mais do que fomento. Cultura é política pública”, afirma.
Ações e escutas comunitárias

Nos últimos meses, o Comitê de Cultura do RS promoveu encontros em diferentes regiões. No Quilombo do Sopapo, em Porto Alegre, uma roda de conversa reuniu mais de 100 agentes culturais, com a presença do secretário-executivo do MinC, Márcio Tavares. O evento abordou temas como sustentabilidade de espaços culturais, acesso a sedes próprias e cidadania cultural em um contexto de mudanças climáticas. André de Jesus relata que essas escutas são importantes para aproximar as demandas da comunidade do planejamento de políticas públicas. “Foi uma escuta potente, com participação ativa, onde as pessoas apresentaram suas dificuldades e propostas”, diz.
Outro evento ocorreu na Vila Tronco, também em Porto Alegre, em parceria com a Associação de Moradores e Amigos da Vila Tronco e Arredores (Amavtron). A atividade abordou a importância de capacitações para apropriação das políticas culturais disponíveis em âmbito municipal, estadual e federal. Houve apresentações culturais, como o Samba de Macumba com o grupo de alabês Os Guardiões e um intervalo cultural com artistas locais. André de Jesus observa que essas ações combinam debate, formação técnica e valorização artística local. “É um sábado de conhecimento e construção coletiva”, resume.
Próximo profissionalização na Restinga
Dando continuidade às atividades, o Comitê de Cultura do Rio Grande do Sul e o Escritório Estadual do MinC organizam um novo encontro na Restinga, em Porto Alegre. A roda de conversa está marcada para domingo (6), das 10h às 12h, na Rua Dr. Arno Horn, 278. O tema será a profissionalização de agentes culturais e estratégias para ampliar o acesso a editais e políticas culturais.
Segundo André de Jesus, o objetivo é aprofundar o debate sobre como estruturar a atuação dos fazedores de cultura para acessar recursos de forma mais regular e planejada. “A profissionalização é um passo importante para garantir sustentabilidade aos projetos e ampliar a participação nos espaços de decisão”, afirma.
A atividade contará com a presença das agentes territoriais Criselen Gridz, La Gringa e Juliane Vicente, e incluirá um lanche comunitário. Mariana Martinez destaca que encontros como esse buscam criar “caminhos reais para ampliar a presença dos territórios mais vulneráveis nas políticas públicas de cultura, fortalecendo a participação social e garantindo o direito à produção cultural”.

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