De um lado, o concreto da cidade. Do outro, o deserto verde da cana-de-açúcar. Entre eles, está o único assentamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) de Ribeirão Preto, o Mário Lago. “A gente tem todas as dificuldades pelo espaço que a gente está hoje, que a gente ocupa”, diz a agricultora Nivalda Alves, presidente da cooperativa Agroecológica Mãos da Terra, formada majoritariamente por mulheres.
Neste sábado (5), a agricultora esteve em São Paulo (SP) no I Encontro do Ecossistema Finapop: conexões entre Cooperativas da Reforma Agrária e Investidores de Impacto, realizado no Armazém do Campo, para contar sua experiência com a produção de alimentos orgânicos a partir do acesso ao crédito oriundo do fundo popular.
“Foi para isso que a gente foi para a terra, para produzir. A gente chega lá, e muitas vezes fica desacreditada, sem expectativas”, diz, sobre os obstáculos enfrentados, que vão desde a falta de capital de giro até as dificuldades burocráticas encontradas pelos pequenos produtores. Soma-se a esses fatores a localização geográfica do assentamento, em um ambiente hostil à agricultura familiar.
“Você imagina… A gente dentro da capital do agronegócio, na terra da monocultura, ser um assentamento, uma cooperativa de mulheres, se alguém do capital, que tem o controle das ferramentas financeiras, quer ver a gente produzir? Não quer”, pontua a agricultora. “Mas a gente está resistindo”, ressalta Maria Madalena Alves Gonçalves, que acompanhava Nivalda no evento.

Em 2023, a cooperativa teve acesso a uma linha de crédito e conseguiu melhorar as condições de produção. Grande parte do dinheiro foi usada para a compra de insumos, como adubo, esterco e mudas. Além disso, as agricultoras pagaram uma parcela do caminhão usado para o escoamento da produção. O barracão do assentamento, que necessitava de reparos, também foi contemplado.
Considerada a capital do agronegócio, Ribeirão Preto é um deserto de monocultura. As áreas de plantio são dominadas, principalmente, por cana-de-açúcar, mas também há soja e pasto. Em 2024, o município foi assolado por incêndios de grandes proporções. As chamas chegaram até o Mário Lago e destruíram plantações. Nivalda perdeu quase tudo.
“Queimou canteiros […] Destruiu bastante”, conta. Quase um ano depois, elas seguem produzindo. Uma vez por mês, o caminhão sai do assentamento carregado de frutas e hortaliças para abastecer feiras e mercados da região.
Os moradores do assentamento tem trabalhado num projeto de reflorestamento da área, com espécies frutíferas e nativas. “A gente tá falando de alimentação saudável, de preservação ambiental, a gente tá falando de plantio de árvores”, diz.
Autonomia na comercialização
No sul de Minas Gerais, a experiência também é positiva e celebrada pelos agricultores. “Esse recurso do Finapop tem possibilitado a gente adquirir o café da nossa família, combinar um formato de pagamento dentro da nossa realidade quanto cooperativa e dentro das condições das famílias. Então tem possibilitado essa concretização para nós”, relata Roberto Carlos do Nascimento, da Cooperativa Camponesa, de Campo do Meio (MG), onde é produzido o Café Guaií.
Segundo ele, o crédito tem sido usado como capital de giro para fortalecer a produção e garantir autonomia na comercialização. “A gente consegue pagar para os cooperados um preço do café melhor do que as outras cooperativas da região pagam. A nossa família acaba sendo melhor valorizada”.
Alimentação saudável
No assentamento Emiliano Zapata, em Uberlândia (MG), vivem 25 famílias cuja produção alimenta as cidades do entorno. “Nossa produção é de frutas, hortaliças, beneficiamento de mandioca e granjas de pequeno porte”, conta a agricultora Flaviana Dias.
Para ela, o crédito permitiu, entre outras melhorias, investir na compra de embalagens para os ovos caipiras e na alimentação das aves da granja. Além do Emiliano Zapata, a cooperativa atende outros cinco assentamentos da reforma agrária. Além de abastecer feiras, parte da produção é destinada à merenda escolar nas unidades de ensino da região.
Ela pontua que o acesso ao crédito “veio para fortalecer a cooperativa, um ato solidário entre as famílias”. “O aumento na produção e o capital de giro têm sustentado essa produção de alimento saudável, porque principalmente vai para as nossas crianças, nas escolas”, celebra.
“Que função social maior tem a terra do que a produção de comida?”, questiona Bárbara Loureiro Borges, do setor de produção do MST. Ela ressalta que a reforma agrária popular não se restringe à distribuição de terras. “É popular porque não é mais pra resolver o problema do sem terra, que não tinha terra, é pra resolver também o problema da cidade, do acesso à comida”, diz.
Sobre o Finapop
O Financiamento Popular para Alimentos Saudáveis (Finapop) é uma plataforma focada na criação de linhas de créditos para cooperativas da agricultura familiar.
Os recursos são captados a partir de investimentos, que podem ser feitos por qualquer pessoa, e repassados para as organizações do campo, especialmente em áreas de reforma agrária.
Fundado em 2020, já atendeu 64 cooperativas e associações, em 18 estados brasileiros. “Foram 135 projetos financiados, porque algumas cooperativas acessaram o crédito mais de uma vez, em mais de uma linha. E nós já financiamos R$ 81 milhões de reais nesses projetos”, diz Luis Costa, diretor-executivo do Finapop.
Ele explica que a proposta é conectar produtores de alimentos saudáveis e investidores comprometidos com o meio ambiente. “Conecta pessoas que estão comprometidas com a transição agroecológica, com a reforma agrária, com o cooperativismo e que tem na plataforma Finapop uma possibilidade de botar o dinheiro dela naquilo que ela acredita”, diz.
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