O Conselho Popular do Brics, conhecido internacionalmente como Conselho Civil, teve sua atuação reconhecida formalmente na declaração final dos chefes de Estado, na 17º Cúpula do Brics, ocorrida no Rio de Janeiro (RJ), nos dias seis e sete de julho. A citação inédita consta nos parágrafos 115 e 123 do documento e é considerada um marco histórico para a participação da sociedade civil no bloco. Apesar da conquista simbólica, os representantes do colegiado apontam que a luta pela institucionalização e financiamento segue em curso.
Criado após o Fórum Civil de 2024, na Rússia, o conselho é fruto da mobilização de dezenas de organizações populares dos países-membros. No Brasil, o processo teve início em março, com reuniões virtuais que contaram com a participação de 120 pessoas de 57 entidades nacionais e outras 63 internacionais. O esforço culminou no primeiro encontro presencial, entre os dias quatro e cinco de julho, no Teatro Carlos Gomes, no centro do Rio, com delegações de África do Sul, Etiópia, Emirados Árabes, Indonésia e Rússia.
O documento final, apresentado em formato impresso e digital, foi entregue oficialmente aos governos no domingo (6), durante a sessão da Cúpula reservada à escuta da sociedade civil. O momento foi considerado inédito: o Conselho Popular dividiu a tribuna com o Conselho de Negócios e a Aliança de Mulheres Empresárias, numa cerimônia diante dos chefes de Estado do bloco.
A fala do dirigente popular João Pedro Stedile, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), foi o ponto alto da sessão. “[A participação formal do Conselho Popular] é histórica porque consolida um método. Todo mundo está de acordo que os problemas que os povos enfrentam não serão resolvidos apenas por iniciativas governamentais”, declarou.
Representando o Conselho Popular, Stedile defendeu a criação de uma big tech pública entre os países do Sul Global, denunciou a concentração de riqueza em paraísos fiscais e propôs o uso do Novo Banco de Desenvolvimento para financiar projetos sociais das organizações populares.
Segundo Rita Coitinho, secretária-geral do Conselho, a intervenção teve forte repercussão. “Várias delegações vieram conversar depois. A do Irã, por exemplo, agradeceu muito nosso apoio contra a agressão militar. O presidente Lula também nos emocionou quando disse: ‘vida longa ao Conselho Civil’”, relatou.
Marco Fernandes, pesquisador do Instituto Tricontinental e também conselheiro, destacou o papel decisivo do governo brasileiro. “Foi o Itamaraty que abriu espaço para o Conselho se apresentar nas reuniões dos sherpas e, pela primeira vez, na plenária dos chefes de Estado. Isso nunca tinha acontecido desde a criação dos Brics, em 2009”, disse. Sherpas são enviados dos governos dos países do bloco que atuam como guias de discussões e acordos para os chefes de estado.
Participação reconhecida, mas ainda não institucionalizada
O parágrafo 123 da declaração final reconhece a contribuição dos conselhos temáticos – de negócios, de mulheres e popular – e ressalta a importância do diálogo ampliado com a sociedade civil. Apesar disso, o trecho não garante nem a institucionalização desses espaços, nem a criação de um fundo para apoiar suas atividades.
“Na nossa proposta ao Itamaraty, defendemos explicitamente o financiamento das atividades da sociedade civil”, afirmou Coitinho. “Sabíamos que estávamos jogando alto, mas, mesmo assim, o parágrafo foi um avanço em relação ao que tivemos em Kazan, no ano passado. O fato de voltar a aparecer na declaração de líderes foi uma grande vitória.”
“O parágrafo ainda está longe do que queremos”, analisou Marco Fernandes. “Pedimos que esse espaço de diálogo com os sherpas se torne permanente, como já existe para o Conselho de Negócios. Também pedimos a criação de um fundo do Brics para financiar as atividades da sociedade civil, porque sem recursos, fica impossível sustentar esse processo.”
Coitinho reforçou as dificuldades enfrentadas para realizar o encontro no Brasil. “Não conseguimos recursos públicos, nem do governo federal. Só conseguimos realizar o encontro graças à cessão do espaço pela prefeitura do Rio e à solidariedade de parceiros”, explicou.
Desafios na direção da continuidade
Apesar do avanço, os conselheiros apontam que o futuro do espaço ainda é incerto. “No ano que vem, a presidência será da Índia. E não sabemos se esse espaço vai permanecer”, alertou Fernandes. “O funcionamento do Brics é assim: temas aparecem, somem por anos e depois voltam. Há precedentes de institucionalização, como o Conselho de Negócios, mas isso leva tempo.”
O Conselho Popular pretende manter sua agenda de mobilização, mesmo diante da incerteza institucional. Estão previstas a realização de uma escola de formação na África do Sul, em setembro; uma conferência ampliada em Salvador, em outubro; e o próximo encontro internacional dos conselheiros, em novembro, na Rússia.
Para Rita Coitinho, a entrega do documento foi apenas o começo. “Nosso objetivo é consolidar uma tradição de cúpulas populares que antecedam os encontros de chefes de Estado. Só faz sentido ter Brics se isso trouxer melhorias concretas para a vida dos povos”, concluiu.
O post Cúpula do Brics: Conselho Popular é citado em declaração final dos chefes de Estado apareceu primeiro em Brasil de Fato.