O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 35 anos neste domingo (13), mas ainda está longe de garantir, na prática, os direitos que estabelece. A avaliação é do advogado Ariel de Castro Alves, membro da Comissão Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
Para ele, embora o ECA represente avanços importantes, como a redução da mortalidade infantil e a ampliação do acesso à educação, o Brasil ainda está distante de tratar crianças e adolescentes com a prioridade que a lei determina. “A prioridade absoluta não tem ocorrido, de fato, no nosso país, por parte de todos os governos, desde o federal aos estaduais e os municipais, que são aqueles que estão mais próximos das crianças e adolescentes”, afirma Alves.
O ECA é o ordenamento jurídico brasileiro que traduz a desejada prioridade absoluta para garantir os direitos das crianças e adolescentes, expressa no artigo 277 da Constituição Federal. Sua promulgação representou um avanço importante no país para a instituição de políticas públicas para a população com menos de 18 anos, mas, para o advogado, o volume de recursos direcionado para essas ações é insuficiente.
De acordo com um estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e cerca de 5% do orçamento federal são destinados a políticas que impactam diretamente essa população. “Temos enormes desafios pela frente para que o Estatuto da Criança e do Adolescente, de fato, possa sair do papel”, lamenta.
Políticas como o Bolsa Família e o programa Pé de Meia são apontados pelo especialista como ações importantes para combater a pobreza e a evasão escolar, fatores que impactam diretamente os direitos da infância. Ele reforça, no entanto, a necessidade de uma estrutura mais adequada nos conselhos tutelares e mais prioridade nos investimentos públicos na área da infância e juventude.
Trabalho infantil sem perspectiva de fim
O especialista indica que o trabalho infantil é um dos principais problemas, sem perspectiva real de erradicação. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua 2023, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 1,6 milhão de crianças e adolescentes são exploradas pelo trabalho infantil, muitas vezes em condições que expõem meninas e meninos a riscos graves, como o aliciamento para o tráfico de drogas e a exploração sexual.
O Brasil havia assumido, junto à Organização das Nações Unidas (ONU), compromisso de eliminar o trabalho infantil até 2025, mas Ariel acredita que “a grande maioria dos países do mundo, principalmente os países em desenvolvimento, não conseguirão acabar com essa chaga que prejudica a infância”.
O jurista também destacou dados alarmantes sobre a violência: 14 crianças e adolescentes são assassinadas por dia no Brasil, e o Disque 100 (serviço do governo para denúncias de violações de direitos humanos) registra, em média, 33 denúncias por hora, com destaque para estupros e negligência. “Temos também 153 estupros de vulneráveis, de crianças e adolescentes, todos os dias no nosso país. Os desafios são enormes”, ressalta.
Com internet, ECA precisa ser atualizado
Além das violações históricas, Alves alerta para desafios mais recentes, surgidos com o avanço da internet. Segundo ele, é urgente “caminhar para uma regulamentação das redes sociais, do acesso de crianças e adolescentes”, e garantir a responsabilização de crimes cibernéticos. “A internet não pode continuar sendo uma terra sem lei”, critica, lembrando que muitos dos ataques a escolas nos últimos anos foram articulados online.
Para o advogado, o ECA precisa ser atualizado para lidar com essas novas ameaças. “Quando o Estatuto surgiu, em 1990, nós nem pensávamos que teríamos internet, celulares com todo o acesso à internet e às redes sociais, que teríamos inteligência artificial”, lembra. O estatuto já prevê punições ao ciberbullying e para casos de pornografia e exploração sexual infantil por meios cibernéticos.
“Nos preocupam esses desafios na internet, e também os ataques que muitas vezes ocorrem em escolas, que são realizados por meio de planejamento por redes sociais. […] É necessário que enfrentemos essas questões mais atuais, e que o Estatuto seja atualizado para esse enfrentamento”, defende o especialista.
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