A luta pela regeneração de áreas naturais degradadas: o caso da restinga do Parque Estadual Paulo César Vinha

Vista aérea do Parque Estadual Paulo César Vinha, mostrando a vegetação de restinga e os contrastes do ecossistema litorâneo
Imagem aérea revela a diversidade da paisagem do Parque Paulo César Vinha | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

Entre cicatrizes e esperança

Muita gente ainda não conhece as maravilhas do Espírito Santo. Muitos passam apressados pela Rodovia do Sol, em Guarapari, e mal imagina que ali ao lado, existe uma das mais importantes Unidades de Conservação do Espírito Santo. 

Vista aérea do Parque Estadual Paulo César Vinha, mostrando a vegetação de restinga e os contrastes do ecossistema litorâneo
Imagem aérea revela a diversidade da paisagem do Parque Paulo César Vinha | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

O Parque Estadual Paulo Cesar Vinha é um dos lugares mais especiais para mim em relação à biodiversidade. Foi o local onde iniciei minha carreira como fotógrafo de natureza profissional. Meu primeiro livro. O “Últimos Refúgios: Parque Estadual Paulo Cesar Vinha”. E lá se vão quase duas décadas. 

Em meio à pressão da especulação imobiliária, extração ilegal de areia, caça e dezenas de outras agressões, existe luta silenciosamente para proteger a vida em um território ferido. 

Um trecho do Parque Estadual Paulo César Vinha carrega, além de suas belezas naturais, uma história de resistência — e de violência. Foi defendendo aquela região, que o ambientalista que dá nome ao parque, foi assassinado por defender esse ecossistema contra a extração ilegal de areia. 

E é ali, agora, que o pesquisador João Pedro Zanardo junto com a equipe do Laboratório de Fisiologia e Bioquímica Vegetal da UFES, do qual faz parte, em parceria com o Núcleo de Estudo com Fotossíntese, conduzem os trabalhos de campo deste projeto, sob coordenação do professor Luis Fernando Menezes. Uma iniciativa que, pela seriedade metodológica e compromisso com a conservação, tem tudo para se tornar referência nacional na restauração de áreas degradadas de restinga.

E é ali, agora, que o pesquisador João Pedro Zanardo e seus parceiros, conduzem um projeto que tem tudo para se tornar referência na restauração de restingas degradadas.

O pesquisador João Pedro Zanardo analisa a vegetação de restinga durante atividade científica
Pesquisador conduz estudos no Parque Paulo César Vinha | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

Restinga: um desafio invisível

Recuperar a restinga não é tarefa simples. Esse ecossistema, que faz parte da Mata Atlântica, se desenvolve sobre solos arenosos, pobres em nutrientes e com baixa retenção de água. Ou seja, não basta plantar e torcer para crescer. Essa área em questão sofreu impacto há mais de 30 anos e até hoje não apresentou sinais significativos de regeneração natural.

Área de restinga degradada há mais de três décadas sem regeneração natural significativa
Restinga degradada evidencia os desafios da regeneração | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

É preciso entender o funcionamento fisiológico das espécies, suas interações com o ambiente e a melhor forma de reintroduzi-las em áreas onde a natureza, sozinha, tem bastante dificuldade em se regenerar.

E foi justamente essa complexidade que norteou a trajetória de João. Desde a graduação até o doutorado, ele mergulhou na complexidade da restinga, unindo ciência, sensibilidade e um senso de missão que admiro muito. 

Hoje, seu projeto testa diferentes metodologias de restauração ecológica no parque, buscando as combinações mais eficazes — e replicáveis — para restaurar e ajudar a proteger aquele território.

A regeneração

O trabalho vai além de simplesmente colocar mudas no solo. Antes de implementar o projeto em larga escala, João conduz uma pesquisa experimental no local, testando diferentes combinações de técnicas e espécies nativas. 

O trabalho começa com a pergunta certa: o que realmente funciona na recuperação da restinga? Sabendo que esse ecossistema impõe desafios extremos, entre os métodos avaliados estão o uso de hidrogel, para minimizar os efeitos da baixa retenção de água; adubação química e orgânica, para enriquecer o solo; e o uso de bromélias e outras plantas facilitadoras, que funcionam como espécies nucleadoras no processo de regeneração. 

Registro da área experimental do projeto de restauração durante o primeiro ano e meio
Primeiros meses definem sucesso da regeneração ecológica | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

Os dados são comparados e com base nos resultados mais viáveis — tanto ecológica quanto economicamente — será elaborado um protocolo replicável. Isso também requer um olhar de longo prazo: com cerca de um ano e meio de projeto, João afirma que os primeiros meses são críticos, mas só será possível ter certeza que o ecossistema é autossustentável depois de alguns anos.

E os resultados parciais já mostram algo importante: o plantio com algum tipo de intervenção apresenta muito mais sucesso do que o controle (sem tratamento). Essa constatação é valiosa para orientar políticas públicas e ações de ONGs e instituições que desejam recuperar áreas degradadas sem desperdiçar tempo e recursos.

E o mais importante: tudo será disponibilizado em uma cartilha informativa voltada para técnicos, educadores e futuros projetos de recuperação de restinga em todo o Brasil.

Um sobrevivente: o lagartinho-de-Linhares

Um elemento importante nessa história foi identificado na área degradada. A presença do lagartinho-de-Linhares (Ameivula nativo) na área de estudo do projeto. A espécie é endêmica da Mata Atlântica e consta na lista vermelha da fauna brasileira como ameaçada de extinção

Eu mesmo já fotografei esse pequeno e belo lagarto no parque nos anos de 2013, 2018 e 2022, testemunhando sua persistência. de tamanho diminuto e com listras horizontais no corpo, sua presença na serapilheira só é identificada pelos movimentos rápidos e no barulho que faz ao forragear nas folhas secas da restinga.

Lagartinho-de-Linhares (Ameivula nativo) camuflado entre folhas secas na restinga
Espécie ameaçada é símbolo da resistência na restinga | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

O registro da espécie na área de recuperação, feito pelo pesquisador Pedro Peloso, reforça a urgência de proteger e recuperar essas áreas muitas vezes ignoradas.

Você sabia que um pequeno réptil como esse pode ser a chave para proteger um ecossistema inteiro?

A presença do Ameivula nativo ali é simbólica. Uma prova científica de que esses ambientes ainda abrigam importantes elementos biológicos, que podem desaparecer se forem negligenciados.

A restinga como trincheira da conservação

Ao mesmo tempo em que recupera a vegetação, Zanardo ajuda a proteger um dos últimos refúgios da biodiversidade costeira capixaba. Seu trabalho também tem servido como argumento contra propostas de uso inadequado de algumas das áreas, respeitando o legado do Paulo Vinha, que deu sua vida pelo parque. 

Recentemente, chegou-se a cogitar a construção de um estacionamento sobre o local restaurado. Mas a presença de um importante projeto de restauração somado à presença de espécies ameaçadas e endêmicas servem como argumento legal e moral contra esse tipo de retrocesso.

Em tempos de crise climática e enfraquecimento de leis ambientais, qualquer suposto ‘progresso’ que se baseie apenas em vantagens econômicas, sem considerar a sustentabilidade, deveria ser chamado pelo nome certo: regresso. Qualquer pensamento de obter lucro em detrimento da natureza, deve-se considerar o ônus que isso vai gerar no futuro em uma escala maior de impactos. 

Educação, ciência e legado

O projeto de recuperação da restinga não vive só no campo. Ele também se transforma em educação ambiental e divulgação científica. 

Um guia didático sobre a restinga, elaborado em parceria com o Instituto Últimos Refúgios, foi premiado e se tornou ferramenta valiosa para escolas e professores. O trabalho de João inspira outros jovens pesquisadores e prova que é possível aliar excelência acadêmica com impacto social e ambiental.

Regenerar é resistir

A história do Parque Estadual Paulo César Vinha é marcada por dor, luta e resistência. Hoje, com o trabalho de João Pedro Zanardo, ela ganha um reforço técnico para a recuperação de áreas degradadas.

A regeneração das restingas degradadas é ciência aplicada, mas ao mesmo tempo, um ato de amor à natureza.

Vista da vegetação em regeneração, representando o esforço coletivo para restaurar o ecossistema da restinga
A restauração da restinga é também um ato de amor à natureza | Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

É importante destacar que esse trabalho não se encerra com o trabalho de João — “Na verdade, o que eu faço é só o começo.” disse ele durante nossa visita à área do projeto. E complementa: “A recuperação dessas áreas exige continuidade, monitoramento e o engajamento de mais pessoas ao longo do tempo. Precisamos do envolvimento da sociedade para dar seguimento às pesquisas e garantir que esse esforço permaneça vivo nos próximos anos.”

Que esse exemplo sirva de inspiração para todos que acreditam que é possível restaurar não só os ecossistemas, mas também a relação entre sociedade e meio ambiente.

INSTAGRAM JOÃO ZANARDO

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Espero que tenham gostado desta história. Te vejo na próxima aventura!

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