
Homem passou quase 13 anos preso injustamente na Penitenciária Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá
Reprodução/TV Globo
Um homem foi absolvido depois de ficar quase 13 anos preso injustamente sob a acusação de ser o mandante de um duplo homicídio praticado em 2011 no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife. Solto em março de 2025, ele passou por um novo júri apenas na semana passada, quando teve anulada a sentença de 50 anos de reclusão.
Detido em 2012, o homem, que pediu para não ser identificado, afirmou durante anos que era inocente e não tinha qualquer relação com o crime. Ele tinha trabalho com carteira assinada e não possuía antecedentes criminais. A correção da injustiça só foi possível após o homem ser ouvido por uma defensora pública que atuava no presídio onde cumpria pena.
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Em entrevista ao g1, a defensora pública Bruna Eitelwein Leite, que representou o homem no júri que determinou sua absolvição, o caso foi marcado por falhas desde o início das investigações.
“O processo foi para o júri com base em boatos e suposições, sem qualquer indício concreto de autoria”, declarou.
Segundo a defensora, a polícia descartou uma linha investigativa que apontava outro possível suspeito.
“Desde o boletim de ocorrência, o nome de outra pessoa apareceu. A primeira vítima sobrevivente disse que não reconheceu o autor, mas que suspeitava dessa pessoa. Mesmo assim, ela nunca foi investigada”, afirmou.
A versão da acusação se baseou unicamente na interpretação de que o réu teria ajudado a manter as vítimas no local do crime. O g1 procurou o TJPE para comentar o caso, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.
“Ele estava no local confraternizando com as vítimas, saiu um pouco para atender uma ligação sobre uma casa para alugar, voltou e depois foi chamado pela esposa para ir à casa da sogra. Por conta disso, começaram a dizer que ele teria ligado para os executores e avisado que todos estavam no local”, explicou a defensora.
Ainda de acordo com Bruna, uma das vítimas sobreviventes foi à delegacia e confirmou que o acusado apenas saiu para atender a ligação, sem qualquer atitude suspeita.
“Ela disse: ‘a única coisa de estranho foi que ele saiu para atender uma ligação’. Só isso, nada além disso. Depois, em um segundo depoimento, ela menciona a ligação, o que já é estranho. E, mesmo assim, nenhuma prova foi produzida a partir disso”, afirmou.
Condenação baseada em boatos
Segundo a defensora, a denúncia formal se baseou em comentários de duas testemunhas que disseram em depoimento que “ouviram dizer” que o homem era o mandante do crime e estava no local “dando bebida e comida para manter todo mundo no local até os executores chegarem”.
A mulher que fez a ligação para o acusado também foi ouvida na delegacia e confirmou o contato.
“Ela disse: ‘eu liguei para ele porque ele estava procurando uma casa para alugar. Eu não o conheço pessoalmente, mas soube que ele precisava e entrei em contato’. Mesmo com essa confirmação, não foi pedida a quebra do sigilo telefônico”, relatou a defensora.
No julgamento de 2015, mesmo com a confirmação da testemunha de que havia feito a ligação e a ausência de outras provas, o homem foi condenado a 50 anos de prisão.
Após a condenação, o réu passou anos preso sem que a Defensoria Pública tivesse conhecimento da decisão. Isso porque não houve a intimação pessoal da instituição, prevista por lei.
“A Defensoria tem a prerrogativa de ser intimada pessoalmente em todos os atos processuais. O processo era físico e deveria ter sido enviado para a sede da Defensoria. Isso não aconteceu, e o juiz certificou o trânsito em julgado como se a Defensoria não tivesse recorrido”, explicou Bruna.
O erro foi descoberto apenas em 2020, durante a pandemia, por meio de um atendimento feito pela defensora pública Mariana Resende Lima, na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá, no Grande Recife.
“O assistido dizia: ‘eu sou inocente, por favor, me ajude’. A colega conseguiu verificar no sistema público do tribunal que o processo não tinha sido enviado para a Defensoria e interpôs o recurso de apelação”, disse.
O juiz negou o recurso por entender que o prazo já havia se esgotado. O defensor público Dennis Antônio Leite Borges, que atuava na vara do processo, então interveio.
“Ele conseguiu falar com o magistrado e demonstrou que a Defensoria não tinha sido intimada como manda a lei. O juiz reconsiderou e aceitou o recurso”, contou Bruna.
Durante o tempo em que o processo tramitava, os outros dois acusados — considerados os executores — foram absolvidos em julgamentos posteriores. Apenas o homem defendido pela Defensoria seguia condenado.
Decisão ilegal
Somente em março deste ano, o Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou a realização de um novo julgamento.
“Ele foi solto em março deste ano. O novo júri foi realizado em julho, e finalmente, ele foi absolvido. O próprio Ministério Público reconheceu o erro e pediu a absolvição”, afirmou a defensora.
Após a absolvição, o homem foi encaminhado ao Núcleo Cível da Defensoria Pública do Cabo de Santo Agostinho, onde será orientado a ingressar com ação indenizatória contra o Estado.
“Passaram-se quase 13 anos para corrigir uma injustiça. A gente vai entrar com ação indenizatória, requerendo que o Estado repare esse dano”, afirmou.
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