O Brasil produz, anualmente, cerca de 2 milhões de toneladas de açaí, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O estado do Pará é responsável por 90% da produção nacional. Por essa razão o fruto se tornou símbolo da região, sendo incorporado à cultura, modo de vida e sustento da população.
Os métodos tradicionais de extração do fruto, que contemplam o trabalho de pequenos agricultores, quilombolas e ribeirinhos, respondem a 12% dessa produção, segundo a pesquisa Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (2023).
Em 2023, as exportações brasileiras de açaí atingiram a marca de US$ 137 milhões, contribuindo para um mercado internacional avaliado em US$ 1,1 bilhão.
Os EUA são os maiores importadores de açaí paraense, segundo a Federação das Indústrias do Pará (Fiepa). Cerca de 75% de todo açaí que o estado manda para fora do país vai direto para consumidores estadunidenses.
A taxação de 50% sobre produtos brasileiros anunciada pelo presidente estadunidense, Donald Trump, trará prejuízos justamente em cenários como esse.
Pelos cálculos da Fiepa, só no primeiro semestre de 2025, cerca de onze toneladas da fruta foram vendidas para os EUA. Para o presidente da Associação dos Produtores de Açaí da Amazônia (Amaçai), Nazareno Alves, essa venda tende a se tornar inviável com o tarifaço. “Isso tende a dar um freio em todo mundo”, alertou.
Uma das cidades do Pará que tem a produção e venda de açaí na beira dos rios como um dos pilares da economia local é Ponta de Pedras, na Ilha de Marajó, que tem cerca de 25 mil habitantes.
“Preocupado todo mundo está”, diz Charleson Teixeira Gomes, 51 anos, que nasceu e cresceu na pequena cidade e trabalha vendendo açaí desde criança, há cerca de 40 anos. Seu sustento e de praticamente todos seus familiares depende da fruta amazônica. Com o tarifaço, ele espera problemas.
“O açaí é um negócio familiar para gente. Fazemos uma produção orgânica, certificada. Mas agora o preço da fruta deve cair, o que pode nos dar prejuízo”, lamenta.
De acordo com Everson Costa, supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Pará, diz que uma queda na exportação do açaí traria prejuízos a cerca de 300 mil pessoas que estão, de uma forma ou de outra, envolvidas em sua cadeia de produção. Afetaria, principalmente, o “elo mais fraco” da cadeia, formado por ribeirinhos, quilombolas e pequenos produtores.
“O capital tem mais capacidade de se adaptar a esses choques. O trabalhador não tem”, explicou ele, lembrando que só cerca de 0,33% dos trabalhadores da cadeia do açaí são formalizados –um a cada 300.
Outras culturas
Segundo Costa, no Pará, a renda de trabalhadores da castanha-do-pará e de frutas regionais, como o cupuaçu e o bacuri, também estão em risco. Ele lembrou que, nos últimos anos, a procura internacional por esses produtos aumentou muito, chegando a impactar nos preços. Com o tarifaço dos EUA, a exportação estará prejudicada.
“O quilo da castanha passou de R$ 50 para até R$ 200 em pouco tempo por causa da busca externa”, disse. “Isso poderia ser afetado pelo tarifaço.”
Em 2022, segundo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil), o país exportou US$ 25 milhões em castanha-do-pará. Isso equivale a mais de R$ 125 milhões na cotação atual da moeda.
“Quase toda a produção de castanha é artesanal, feita por famílias que as coletam na floresta”, acrescentou Everson Costa, do Dieese-PA.
Outras frutas produzidas em outros estados do país e com grande incidência no mercado de exportações, como a manga, a uva e a laranja, também tem sinalizado preocupação com a taxação de Trump.
De acordo com a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), cerca de 2,5 mil contêineres estão preparados para exportação, à espera de uma solução.
“O Vale do São Francisco, que produz 90% de toda a manga do Brasil, está em pane. Isso engloba todos: os grandes, os pequenos e médios produtores de manga”, disse Guilherme Coelho, presidente da Abrafrutas.
A Associação dos Produtores e Exportadores de Hortifrutigranjeiros e Derivados do Vale do São Francisco (Valexport) informou que a produção de frutas na região gera 1,2 milhão de empregos, sendo 250 mil diretos e outros 950 mil indiretos.
“São trabalhadores rurais, embaladores, irrigantes, motoristas, técnicos agrícolas, pequenos produtores, comerciantes e famílias inteiras que encontram na fruticultura sua única fonte de renda e dignidade em uma das regiões mais desafiadoras e carentes do país”, escreveu o presidente da associação, José Gualberto de Freitas Almeida, em carta enviada ao governo.
Impactos para o mel silvestre
A preocupação com o tarifaço também chegou a quilombolas do Piauí. No Quilombo Lagoas, que fica entre os municípios de São Raimundo Nonato, Fartura do Piauí, Várzea Branca, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde e Bonfim do Piauí, cerca de 112 famílias produzem mel orgânico exportado para os EUA.
Um dos produtores, Claudio Teófilo Marques, 72 anos, é também vice-presidente da Associação Territorial do Quilombo Lagoas. Ele conta que a produção de mel deste ano já foi vendida antes do tarifaço. A venda do ano que vem, no entanto, está comprometida.
“Isso é muito preocupante”, disse. “Os próximos anos podem ser de muito prejuízo.”
Os produtores do Quilombo Lagoas fazem parte da cooperativa Mel do Sertão, que tem 463 cooperados. A Mel do Sertão produz até 1,2 mil toneladas de mel por ano voltadas à exportação. Com isso, responde por 12% da produção de mel do Piauí, o estado que mais produz mel no país.
Henrique José Neri Júnior, presidente da cooperativa, disse que o momento é de “cautela”. Ele reforçou que a Mel do Sertão já vendeu toda sua produção de 2025, inclusive para os EUA. Ainda assim, reconhece que o tarifaço pode criar problemas no futuro. “O momento é de falar pouco e negociar muito nos bastidores”, disse ele.
Assim que o tarifaço foi anunciado, a Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro (Casa Apis) informou que um cliente estadunidense cancelou a compra de 95 toneladas de mel orgânico também produzido no Piauí. Dias depois, a compra foi confirmada e despachada.
Além disso, mil toneladas de peixe estão retidas nos portos brasileiros, o equivalente a 58 contêineres, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca).
A entidade divulgou uma nota pedindo a reversão do tarifaço, alertando que a medida afeta a indústria dos pescados, mas também a pesca artesanal.
Procurado pelo Brasil de Fato, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) disse não ter dados sobre eventuais danos que o tarifaço poderá causar aos pequenos produtores brasileiros, assim como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que coordena as discussões sobre o assunto.
Últimos movimentos
Desde o anúncio do tarifaço, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem tentado todas as formas de negociação com os EUA, inclusive com auxílio de setores do empresariado e líderes da produção nacional. Nesta semana, o governo federal elevou o tom e passou a pressionar o parceiro comercial, inclusive com denúncia de taxação abusiva na Organização Mundial do Comércio, em busca de forçar a abertura de diálogo.
O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que também é ministro da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior e tem liderado conversas buscando o fim do tarifaço, tem se reunido com representantes de grandes setores econômicos para tratar do assunto. Nessas reuniões, foi alertado por empresários que o tarifaço de Trump também prejudicará os pequenos.
Alckmin tem feito questão de frisar que, além de absurda, a medida imposta por Donald Trump tem como uma das justificativas uma informação mentirosa. “Os EUA têm déficit na balança comercial com boa parte do mundo, mas tem superávit com o Brasil. Temos uma importante complementaridade econômica. Um exemplo é a siderurgia: somos o terceiro comprador do carvão siderúrgico americano. Fazemos o aço plano, que vendemos para eles. Eles produzem o produto acabado”, declarou o ministro.
Vale lembrar que, além dos aspectos econômicos, entre as justificativas do líder estadunidense para taxar o Brasil, está o ex-presidente Jair Bolsonaro e o processo do qual é réu por tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.
O post Tarifa de Trump afeta ‘elo mais fraco da cadeia produtiva’: quilombolas, ribeirinhos e pequenos agricultores apareceu primeiro em Brasil de Fato.