O Brasil é dos brasileiros; e o Congresso Nacional?

O grito do senador, orador, político, escritor Marco Túlio Cícero no plenário do Senado de Roma, contra o senador populista Lúcio Sérgio Catilina, atravessou o tempo histórico de 2000 anos para ecoar no Brasil, no Congresso Nacional, onde habita um dos Poderes da República.

Aristóteles (A Política e a Teoria dos Três Poderes) e Charles de Montesquieu (O Espírito das Leis), legaram ao mundo a lição sobre a necessidade de dar freios à exaltação das tiranias e evitar que o poder se concentre em um só espaço político. Nessa trilha correu o Brasil quando adotou três Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um exercendo suas funções de modo independente e harmonioso, nos limites da Constituição Federal de 1988. Trata-se de uma cláusula pétrea (dura), garantidora da estabilidade política do país, dos direitos das pessoas. Por ser imutável, não pode sofrer alterações por Emendas Constitucionais.

Apesar desse caráter “petrificado” a Teoria dos Três Poderes parece ter perdido a essência histórica para a maioria de integrantes do Congresso Nacional, formado pelo Senado e Câmara dos Deputados. Parece reinar nessas casas de leis, com as exceções respeitosas, a mediocridade, o despreparo político, a rasa compreensão das contradições sociais, a mentalidade estéril, infecunda, maninha de projetos para as demandas de suas bases.

Tome-se como exemplo para o atual cenário instalado no Brasil o episódio que gerou as Catilinárias, com idêntica motivação política: a derrota nas eleições. Assim como o “ressentido Catilina, com larga folha de velhacarias passadas, tratou de conjurar contra o regime para vir a alcançar o poder pela força”, o ex-presidente Jair Bolsonaro “pensou em conquistar com um golpe de espada o que as urnas lhe negaram”. E para tanto, contou com a ninhada enfermiça e uma tropa que incluiu desde ingenuidades periféricas a elites dominantes e agentes do sistema.

É fato que essa “corriola” constituída por figuras catastróficas e deploráveis conseguiu driblar sua claque pelo discurso embusteiro que deve ter proferido para chegar ao lugar que macula, deslustra e rebaixa quando deveria dignificar. O parlamento que não fazia oposição com vilania, nem educação política com má-fé, traição, torpeza, ficou no passado. A versão atual dos parlamentares veste-se com o figurino ideal para a pirataria seguidora do ex-presidente descer ao tabuleiro da vassalagem ao patrão. Afinal, a ocupação do Congresso Nacional por esses proscritos se reafirma como um projeto de poder e causa desprezo o foguetório dos partidos alinhados ao império, da mídia corporativa, do empresariado ávido por manter o mercado e seus lucros, diante das trapaças que se comprazem em formular.

Ressalte-se aqui o papel político da extrema direita, “espectro ideológico” identificado por um “nacionalismo exacerbado, moral conservadora, ideais tradicionalistas, rejeição aos direitos universais, discurso de superioridade racial e cultural, rejeição dos direitos universais”. O ano 2000 somou as fake news como ferramentas de mobilização política, em uma “retórica antissistema”, alimentada nas redes sociais, como aconteceu com Trump, Milei e Jair Bolsonaro.

E nesse contexto tenebroso, com um Congresso Nacional em sua maioria pactuado com forças antidemocráticas, enfrenta o Brasil uma crise política sem precedentes, com a ameaça à nossa soberania, anunciada por Donald Trump. Em carta bizarra, desapropriada para um chefe de Estado, publicada em sua rede social, confirmando sua incapacidade mental, psicológica, política, humana e moral de estar no comando de qualquer republiqueta, abusando do poder econômico do que se apropria como sua “gleba”, sua “leira”, Trump noticia a aplicação de tarifas exorbitantes a exportações de produtos do Brasil para os Estados Unidos, prática exasperada e aviltante, que também utilizou contra grande parte do mundo.

No caso do Brasil, sustentou outra motivação, ainda mais grave e espúria. Em clara demonstração de afronta às instituições democráticas de um país livre e atropelo às regras mais rudimentares de trato diplomático entre nações, o desnorteado presidente alegou suposta perseguição a Jair Bolsonaro, expressando, com sua habitual arrogância usurpadora, que “esse julgamento não deveria estar acontecendo; é uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”.

Para além da atitude macambúzia do doidivanas que “desgoverna” os Estados Unidos, interferindo ilegitimamente na organização política de outro país, vale repudiar a conduta de parlamentares brasileiros que se curvaram à impertinência “trumpista”, e atraiçoaram, na mais eufêmica tradução, não só os mandatos para os quais foram eleitos, como também, mais sinistro e imperdoável ainda, negaram o Compromisso Solene do Ato da Posse, com o Juramento de que defenderiam a Constituição Federal, as leis, o bem geral do povo e a integridade e independência do país.

A simples escuta das manifestações que enlutam a democracia, agitadas por parlamentares da caterva que decidiram vestir as cores da bandeira norte-americana, bradar anistia para autores e autoras de crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, dentre outros, acabrunha quem tem uma parcela ínfima de hombridade moral, de dever cívico e sentimento de pertencimento a sua pátria. Votar moção de aplauso para Donald Trump, enrubesce o mais despudorado indivíduo habituado à libertinagem dos lupanares.

Não podem as instituições republicanas responsáveis pela defesa do Estado Democrático de Direito cair em silêncio diante dessa ordem de fatos que envergonha nosso povo. Não podem tolerar a covarde traição dos que voam para outro país, se sentam com xerifes estrangeiros, e, em nome de sua demência política e incapacidade de tornar-se pessoa, articulam contra seu próprio povo, contribuindo para adoção de medidas abusivas que causarão profundas rupturas na ordem econômica e social do país.

Impossível emudecer diante da obscena e mesquinha manifestação de um parlamentar, pago com dinheiro público de seu país, bradando sua covardia e desrespeito com sua pátria, afirmando pouco se importar que o país se torne “terra arrasada”, porque assim, sua vingança contra um membro do sistema de justiça estará cumprida. E o Congresso Nacional nada expressa no sentido de aplicar rigorosamente as prescrições regimentais destinadas a punir quem afronta e brutaliza o ambiente parlamentar.

Urge que a sociedade se una em torno de uma grande marcha, marcando a reação à falta de cidadania, de ética, ao impudor, ao deboche, à impudência, à desvergonha, ao descomedimento e tantos outros sinônimos que não conseguiriam significar a conduta doentia, infectuosa, lesiva, mórbida e patogênica, dentre outros louvores, desse que está caracterizado como o pior Congresso Nacional da nossa história.

E então, o senado romano atravessará novamente o tempo histórico de mais de 2000 anos para proclamar, com as Catilinárias. Não percebes que teus planos foram descobertos? Não vês que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem?

*Marilia Lomanto Veloso é advogada da Bahia, Mestra e Doutora em Direito Penal (PUC/SP), Professora aposentada da UEFS, Promotora de Justiça da Bahia, aposentada, Presidente do Juspopuli Escritório de Direitos Humanos, membro da Comissão de Reforma Agrária OAB/BA, da AATR, da ENAP, da ABJD, Graduanda em Jornalismo (UCSAL)

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