
“Chespirito: Sem Querer Querendo” é a nova produção da Max que buscou contar a história de Roberto Gómez Bolaños, criador de personagens como Chaves e Chapolin. Porém, a obra baseada na autobiografia do comediante e conduzida pelos filhos do artista define desde o início a linha adotada: uma homenagem controlada e idealizada.
A série tem como prioridade preservar a imagem do humorista, mesmo que isso comprometa a profundidade da narrativa, seguindo uma lógica clara de mocinhos e vilões. Bolaños é mostrado como um homem puro e injustiçado, sempre na posição de vítima, mesmo quando suas atitudes são questionáveis, evitando críticas mais profundas sobre suas escolhas.
A produção usa a liberdade da ficção para reforçar uma narrativa maniqueísta, onde o protagonista tem todos os privilégios, mesmo que ainda apresente uma moral duvidosa e os demais são obstáculos em sua jornada para o sucesso. Todas as inspirações e conquistas parecem surgir do absoluto nada e tudo é construído para valorizar um único lado da história, perdendo a chance de explorar as zonas cinzentas de uma história que já era suficientemente dramática e interessante.
Melodrama nostálgico, mas previsível

A série aposta em uma estrutura emocional com um olhar carinhoso e saudosista sobre Chespirito. Cada episódio tenta reforçar o valor afetivo que o público tem pelo artista, recorrendo a trilhas sonoras intensas e cenas cuidadosamente construídas para despertar empatia e nostalgia. A emoção, no entanto, muitas vezes substitui a análise mais profunda dos acontecimentos.
O estilo melodramático predomina, mesmo nas passagens mais delicadas, como as crises internas do elenco ou os desgastes da fama. Mesmo os momentos de fracasso são mostrados como resultado da ingratidão alheia, nunca como consequência de decisões equivocadas do protagonista. Tudo parece ser um grande ”novelão”.
Apesar disso, a ambientação e os figurinos são bem executados, criando um retrato de época eficiente. A série tem competência técnica e um ritmo que facilita o envolvimento do público. Mas esse investimento, aliado à falta de contrapontos reais, resulta em um retrato incompleto de uma das figuras mais importantes do humor latino-americano.
Florinda Carlos como ”vilões de novela”

Um dos pontos mais polêmicos da série é a forma como Florinda Meza é retratada. Fora do projeto e sem autorização para o uso de sua imagem, ela aparece com outro nome e é mostrada como manipuladora, possessiva e responsável por brigas no elenco. Enquanto isso, os erros de Roberto são suavizados, tratados como falhas humanas ou mal-entendidos, criando um contraste evidente entre os dois.
Carlos Villagrán, o Quico, também é mostrado de forma negativa. A série apresenta um personagem movido por inveja e ingratidão, sem contextualizar as disputas criativas e contratuais reais. Ainda que as imagens públicas de ambos atores muitas vezes tenham sido alvo de polêmicas, a ausência de aprofundamento os transforma em vilões rasos, sem espaço para compreender suas motivações ou reconhecer sua importância para o sucesso do grupo
A parcialidade da obra se torna perceptiva quando observamos o olhar compassivo que a série tem sobre Graciela, primeira esposa de Bolaños e mãe dos criadores da série, que ganha destaque e é retratada com sensibilidade, como uma mulher que sofreu em silêncio, o que foi um fato. A boa atuação de Paulina Dávila reforça essa visão mais delicada, enquanto os demais são deixados à margem de qualquer empatia.
Um retrato incompleto
Como tributo emocional, a série funciona. Ela celebra os marcos da carreira de Bolaños, reconstrói cenas icônicas e busca o tom lúdico dos programas originais. Para os fãs, é uma oportunidade de reencontrar personagens e momentos que marcaram a infância de milhões de pessoas em vários momentos. Mas, ao mesmo tempo, o projeto revela pouco sobre quem realmente foi o homem por trás da fantasia.
Tudo é conduzido com segurança, de forma linear e previsível. As contradições e conflitos que poderiam dar mais profundidade ao roteiro são deixadas de fora. Com isso, o que poderia ser um grande estudo de personagem se transforma numa exaltação unilateral. No fim, “Chespirito: Sem Querer Querendo” pode até emocionar, mas silencia. Fica a sensação de que há uma história mais verdadeira, mais complexa e mais humana para ser contada.