
Médica aborda os sintomas da demência e em quais fases da vida pode se manifestar
A poluição do ar — especialmente aquela vinda do escapamento de veículos, queima de combustíveis e processos industriais — pode estar diretamente ligada ao aumento do risco de demência em adultos, incluindo a doença de Alzheimer. É o que indica um novo estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Cambridge e publicado na segunda-feira (28) na revista científica The Lancet Planetary Health.
A análise reuniu dados de 51 estudos anteriores, envolvendo mais de 29 milhões de pessoas em quatro continentes. A conclusão foi clara: quanto maior a exposição a certos tipos de poluentes, maior o risco de desenvolver demência, principalmente os tipos causados por processos inflamatórios no cérebro.
O que os cientistas descobriram
Três poluentes se destacaram pela forte associação com a doença:
Material particulado fino (PM2,5): são partículas microscópicas (com menos de 2,5 micrômetros de diâmetro) que podem ser inaladas profundamente pelos pulmões. Estão presentes em emissões de veículos, fogões a lenha, usinas e reações químicas no ar. Para cada aumento de 10 microgramas por metro cúbico de PM2,5, o risco de demência sobe 17%.
Dióxido de nitrogênio (NO₂): gás gerado principalmente por motores a diesel, emissões industriais e aquecedores a gás. Um aumento de 10 microgramas por metro cúbico eleva o risco de demência em 3%.
Fuligem (black carbon): subproduto da queima incompleta de combustíveis, também associada ao trânsito e ao uso de madeira. A cada um micrograma por metro cúbico a mais no ar, o risco de demência sobe 13%.
Essas substâncias podem atingir o cérebro direta ou indiretamente, desencadeando inflamações e estresse oxidativo, dois processos biológicos já conhecidos por sua ligação com doenças neurodegenerativas.
“Não é só problema de saúde, é questão urbana e ambiental”
Para os autores do estudo, a poluição do ar deve ser tratada como um fator de risco modificável, ou seja, algo que pode ser prevenido com mudanças políticas e sociais.
“Prevenir a demência não é responsabilidade exclusiva da saúde pública. Urbanismo, transporte e regulação ambiental também precisam estar envolvidos”, diz Christiaan Bredell, primeiro autor do estudo e pesquisador da Universidade de Cambridge.
A coautora Clare Rogowski reforça que políticas mais rigorosas de controle de poluentes são urgentes. “Limites mais restritivos sobre setores como o transporte e a indústria podem ajudar a reduzir o impacto da demência na sociedade.”
Impacto global e desigual
A demência afeta hoje mais de 57 milhões de pessoas no mundo. A expectativa, segundo a Organização Mundial da Saúde, é que esse número quase triplique até 2050. Embora em algumas regiões da Europa e da América do Norte a taxa de novos casos esteja caindo, possivelmente devido a estilos de vida mais saudáveis, o cenário em países de baixa e média renda continua preocupante.
Os autores do estudo ressaltam que a maior parte dos dados analisados veio de países desenvolvidos, com populações majoritariamente brancas. No entanto, populações negras e comunidades periféricas tendem a viver em regiões com maior exposição à poluição.
“Precisamos de mais pesquisas que incluam esses grupos, especialmente em países de baixa e média renda, onde os riscos podem ser ainda maiores”, alertou a professora Haneen Khreis, coordenadora do estudo.
Um risco silencioso e evitável
Apesar de o impacto da poluição ser silencioso, as consequências para a saúde — tanto do cérebro quanto do coração e dos pulmões — são profundas e cumulativas. O estudo também observou que, além do Alzheimer, a demência vascular (causada por redução do fluxo sanguíneo no cérebro) pode ter uma ligação ainda mais forte com os poluentes.
Para os cientistas, combater a poluição atmosférica pode ser uma das estratégias mais eficientes de saúde pública a longo prazo — beneficiando não apenas o meio ambiente, mas também a saúde mental e cognitiva da população.
“Reduzir a poluição do ar pode aliviar a pressão sobre os sistemas de saúde, melhorar a qualidade de vida dos idosos e proteger futuras gerações”, conclui o estudo.