Como se dança o novo pagode russo?

Moscou, capital da Rússia, é uma cidade onde coisas naturais como sol e noite não são certezas ao longo do ano. No verão, quando as temperaturas sobem de 0° mas dificilmente passam de 20º graus, quase não se tem escuridão. São poucas horas entre o pôr e o nascer do sol.

Enquanto isso, na estação oposta, é preciso se programar para recarregar a vitamina D e, mesmo assim, você pode se surpreender por um dia cinza, com pouco brilho.

Constantes mesmo são as foices, martelos e bandeiras vermelhas. 34 anos após o início da dissolução da União Soviética, as torres construídas por Josef Stalin seguem imponentes com estrelas rasgando o céu. A estação de metrô indica a próxima parada e também o caminho que a revolução comunista triunfou.

De fato, o que prova que você não está vivendo os anos 1980 é a presença do atual presidente do país em diferentes pontos da cidade. Vladimir Putin é boneco de cera, ímã de geladeira e até matrioska, a tradicional boneca russa.

Eleito para comandar o país pela primeira vez em 2000, ele ficou no cargo por oito anos, passou a ser primeiro-ministro e, em 2012, voltou à presidência, permanecendo no cargo desde então. Esses mais de 20 anos no poder já o fazem o maior mandatário russo depois de Stalin.

Elogiado por ter retomado o orgulho nacional após a depressão dos anos 1990, Putin também é alvo de críticas dentro do próprio país e mesmo de gente de esquerda, saudosistas do regime soviético.

Um motivo é, por exemplo, o Supremo Tribunal da Federação Russa ter definido o “movimento LGBT internacional” como uma “organização extremista” em 2023. Antes, em 2013, o próprio Putin aprovou uma lei que proibiu a “promoção da homossexualidade para menores de 18 anos”.

Como jornalista do Brasil de Fato, eu tive a oportunidade de ir à Rússia ver essas contradições e, principalmente, notar a retomada de valores soviéticos por parte de Putin. Um notório é a expansão territorial a partir da força bélica, vide o que acontece na Ucrânia.

Outro é o internacionalismo, que explica o motivo da minha ida até lá. Participei de uma formação sobre rádio e podcast promovido pelo veículo Sputnik.

Fui o único latino-americano, com mais 16 colegas de profissão de países africanos, asiáticos e da Oceania. Não, não eram todos de esquerda, pelo contrário. O fórum foi construído assim como são as relações de Putin, que juntam Venezuela e Cuba a líderes da direita ou extrema direita de todo mundo.

Talvez seja demais da minha parte relacionar isso a um fenômeno brasileiro. Em 1947, no interior de Pernambuco, a nossa estrela maior da música popular brasileira, Luiz Gonzaga, homenageou os cossacos, povo nativo das estepes do sudeste europeu, principalmente da Ucrânia, com a música Pagode Russo, que faz uma brincadeira entre o frevo e ritmo russo do trepak.

Gonzagão não conheceu Lênin ou Putin. Mas é uma boa referência para entender, em parte, a forma como a Rússia quer se posicionar no mundo.

Mas os instrumentos de Putin são outros, letais e destruidores. Tudo para avançar no enfrentamento anti-imperialista que trava contra os Estados Unidos e a Otan.

Se posicionar diante desse cenário só é possível reconhecendo as contradições do presidente russo. E também fazendo um debate justo, que lembra as aberrações que acontecem deste lado do mundo. Por exemplo, patrocinar um genocídio em curso na Faixa de Gaza, como fazem os Estados Unidos.

Ir e voltar da Rússia é difícil pela distância, impacto do clima e fuso horário. Mas é necessário para entender e tentar construir uma relação com quem propõe regras diferentes daquelas que tanto oprimiram povos ao longo de séculos.

E tudo fica mais difícil se não pudermos, nós, que já aprendemos tanto com nossas feridas, falar o que é necessário para construir um outro futuro possível, inclusivo e respeitoso para todo mundo. E o Brasil de Fato seguirá defendendo este futuro, e você pode nos ajudar apoiando o nosso trabalho com apenas R$ 1 por dia.

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