Para qual direção crescerão os Institutos Federais?

 A criação, expansão e consolidação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) consubstancia a mais importante política pública de educação profissional e tecnológica interiorizada com foco no ensino médio integrado. Esta modalidade busca superar a dualidade estrutural de uma escola de formação geral para quem se encaminha para o ensino superior, assumindo posições de dirigentes na sociedade; e outra para as filhas e filhos da classe trabalhadora. Para estes uma formação tecnicista e pragmática para “adestrar as mãos e aguçar os olhos” destinados ao trabalho manual ou a tarefas de simples execução.

A política de inclusão social pelas cotas permitiu que quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores tivessem acesso aos IFs a fim de acessarem uma preparação tanto para a escolha de seguir para o ensino superior, quanto para ingressar no mundo no trabalho complexo ou trabalhar e estudar concomitantemente.

Depois de quatro anos de um governo de extrema direita movido pela insensatez, insanidade e estupidez humanas e que negou a ciência, destroçou as universidades federais e os IFS, o governo liderado pelo presidente Lula não só está recuperando os investimentos, mas expandindo para o interior. Isto num contexto adverso, em que o Congresso implantou uma espécie de parlamentarismo bastardo, subtraindo do escasso orçamento do executivo 50,5 bilhões de reais em emendas parlamentares, parte cinicamente secretas. Ao mesmo tempo, cinicamente, barra as propostas de taxação dos ricos e do capital financeiro.

Com efeito, em 30 de junho, por meio de Portaria conjunta entre o Ministério da Educação e da Gestão, o Governo Federal liberou quase 2500 vagas para servidores técnicos (nível médio e superior) e aproximadamente 2.000 vagas para docentes da carreira EBTT. Estas vagas darão suporte não só para a expansão da Rede de Institutos Federais (para a qual já foi anunciada a criação de 102 novos campi) como para a consolidação das unidades já existentes. Dados do planejamento orçamentário indicam que cada nova unidade receberá investimento de 25 milhões (15 milhões para infraestrutura e 10 milhões para mobiliário e equipamentos), ao passo que para as unidades já existentes, a previsão é que sejam investidos 1,4 bilhões, visando uma ampliação em 140 mil novas matrículas.

Mas para qual direção será o crescimento? Antes de responder a isso, é importante resgatar alguns dados da Rede Federal, publicados em 2025 (referentes ao ano base de 2024). De acordo com a plataforma Nilo Peçanha, a Rede conta com 686 unidades espalhadas em todo o país, oferecendo mais de 10 mil cursos em diversas modalidades, 1,7 milhão de vagas ofertadas em 2024, com mais de 2,8 milhões inscritos em seus processos seletivos, o que indica que há espaço para o crescimento dos IFs, uma vez que há demanda. Além disso, é importante destacar que 52,83% dos estudantes da Rede são membros de famílias com renda familiar per capita inferior a 1,5 salários mínimos, 49,85% são pretos, pardos ou indígenas, realçando as políticas inclusivas e afirmativas da Rede.

Buscando preservar a função formativa, social, econômica e cultural dos IFs, em meio a tantas disputas internas na Rede, é fundamental que os Institutos desenvolvam um amplo debate acerca da destinação da maior parte das novas vagas docentes para possibilitar a ampliação da oferta do Ensino Médio Integrado. Por que isso? Porque o ensino médio é hoje o lugar da disputa pela juventude. É o nível de ensino em que a dualidade educacional mais se torna evidente. É no ensino médio que as perspectivas de futuro são semeadas ou confiscadas, dependendo da condição social de cada estudante. E é o Ensino Médio Integrado que é capaz de desenvolver nos estudantes a tripla dimensão da cidadania (econômica, política e social), uma vez que, através dele, são construídas as bases das ciências naturais e humanas/sociais. É a partir do acesso a uma educação integrada e integral que os estudantes terão consciência das condições de dominação e exclusão e poderão acessar os meios para sua superação, rompendo com a condição de dependência e atraso do Brasil.

A Rede de Institutos Federais vive um momento ímpar em sua história. Depois de anos sem receber grandes investimentos (em vagas e infraestrutura), o anúncio da expansão e consolidação traz uma série de responsabilidades. Dentre elas, destaca-se a necessidade da Rede se comportar como Rede e criar espaços para que cada Instituto Federal possa apresentar suas razões para subsidiar um debate que permita uma decisão coletiva, em Rede acerca da direção do crescimento das unidades. É um exercício difícil, que deve respeitar a autonomia, mas que precisa ver o todo em detrimento das partes. É um debate que precisa se desenhar tendo como eixo a garantia da unidade na diversidade, sem uniformidade. E por que decidir coletivamente? Para evitar disputas, para superar o individualismo (que também é institucional) e para semear um pensamento colaborativo e cooperativo entre as unidades, diminuindo a racionalidade competitiva e meritocrática.

Num momento em que muito se iniciam os debates e disputas dentro da Rede para o destino das novas vagas, defendemos que a centralidade da oferta prioritária de cursos de ensino médio integrado (tal como previsto na Lei 11.892/2008) seja pautada. Esta defesa se concentra na certeza de que a potência da política dos IFs reside aí: em disputar os rumos da juventude, ampliando e alargando suas possibilidades de futuro, oferecendo um ensino que seja capaz de fornecer os fundamentos ontológicos, epistemológicos e práxicos das ciências (tanto as ciências da natureza como as ciências humanas e sociais). É através do Ensino Médio Integrado que os Institutos Federais conseguirão fazer a diferença em seus territórios, dialogando com as necessidades locais e atuando pelo ensino, pesquisa e extensão, ampliando os horizontes e trabalhando na superação da desigualdade, da dependência e do atraso, garantindo melhores condições de vida para toda a população. O ensino Médio Integrado é um patrimônio da classe trabalhadora brasileira.

No plano das entidades sindicais, dos movimentos sociais e populares e dos órgãos representativos estudantis entendemos que no atual contexto da sociedade brasileira é fundamental a ação política em duas frentes. Pressão sobre o parlamento apoiando o Supremo Tribunal Federal no regramento das emendas parlamentares e supressão das emendas secretas e para a aprovação da proposta do governo de reforma administrativa. Concomitantemente, ter presente que se em 2026 as forças de direita ou extrema direita retornarem ao governo já se sabe o que vai acontecer. Trata-se, então, da necessidade da organização e da atuação política na luta pelos direitos básicos, sociais e subjetivos dos que são excluídos, dos menos ou precariamente atendidos. E esta organização de base passa, necessariamente, pela disputa da juventude que hoje acessa o Ensino Médio, realçando nossa defesa acerca da importância do fortalecimento do Ensino Médio Integrado.

*Gaudência Frigotto é filósofo e Pedagogo, Mestre e Doutor em Educação. Professor titular aposentado na Universidade Federal Fluminense (UFF) e na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Tiago Fávero é filósofo, Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ). Professor do Campus Santos Dumont do IF Sudeste MG e o PPGE da Universidade Federal de Juiz de Fora – MG; Arthur Rezende é doutor em Educação (Universidade Católica de Petrópolis). Técnico em Assuntos Educacionais do IFFLUMINENSE, Campus Santo Antônio de Pádua, RJ.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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